Comentários e subsídios para os actuais debates e polémicas sobre a situação linguística em Cabo Verde - O meu contributo pessoal. PARTE II
Cultura

Comentários e subsídios para os actuais debates e polémicas sobre a situação linguística em Cabo Verde - O meu contributo pessoal. PARTE II

...o ALUPEC tem-se comprovado como o único alfabeto capaz de disponibilizar e sedimentar uma grafia susceptível de reflectir e transcrever de forma cabal e integral, ou, pelo menos, do modo mais abrangente possível, a autenticidade da fonética e da fonologia da língua caboverdiana na totalidade das suas variantes e variedades regionais, insulares, locais bem como daquelas que, correntes nas nossas diásporas das Américas, da Europa, da África e da Ásia/Oceânia, se encontram sob forte interferência das línguas dominantes, quer a título oficial, quer a título socio-linguístico, nos países de acolhimento das nossas comunidades diaspóricas, como são os casos do português, do francês, do inglês, do italiano, do alemão, do uolofe, do castelhano (espanhol), do galego, do quimbundo...

À especial consideração dos que a autora do texto "Ah! A Boa Escola!..." 

denomina crioulistas e dos assumidos alupecadores, nos quais me

Sinto integrado, sem quaisquer pejo e complexo.

IV. OS ESPECIAIS ENFOQUE E ATENÇÃO NO ALUPEC (ALFABETO UNIFICADO PARA A ESCRITA DO CABOVERDIANO)

É exactamente no passado e no presente contextos de intensos debates e de apaixonadas e apaixonantes controvérsias a propósito das problemáticas linguísticas em Cabo Verde, que o ALUPEC vem merecendo um muito particular enfoque e uma muito especial atenção.

Tal situação ocorre primacialmente por o mesmo ALUPEC se ter imposto contra ventos e marés alevantados com muito fervor, grande frenesim e incontido alarido pelos seus múltiplos inimigos, adversários, detractores  e críticos, como o mais funcional, económico, sistemático e (sócio-)linguisticamente aceite de todos os alfabetos de base fonético-fonológica até hoje apresentados ao conhecimento da sociedade caboverdiana, designadamente:

i. Daquele publicado por António da Paula Brito, em 1887, no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, conjuntamente com uma versão bilingue português-crioulo de uma (aliás, a primeira) gramática do crioulo da ilha de Santiago. Infelizmente, esse alfabeto e a gramática redigida pelo seu autor e na qual teve a sua única utilização caíram em total e absoluto esquecimento, somente saindo do incompreensível ostracismo e do espesso limbo a que foram condenados nos anos noventa do século XX passado, estranhamente não tendo mesmo merecido qualquer referência no Colóquio/ Seminário Internacional do Mindelo, de 1979, hilariante e curiosamente o mesmo magno evento histórico pós-colonial que pensou ter inventado a pólvora, ao ter criado um alfabeto de base fonético-fonológico, o primeiro certamente, mas por ter incorporado os depois considerados famigerados chapéus colocados (primeiramente de forma côncava, depois de forma circunflexa, sobre algumas letras consonânticas do novo alfabeto, aliás, muito condizente com as intermitentes noites de vento, no icónico título/expressão do grande novelista mindelense António Aurélio Gonçalves, de uma cidade assaz conhecida e, até, celebrizada  pelos seus tempos sazonais muito ventosos, então em vias de se verem urgentemente transferidos para a cidade da Praia conjuntamente com os novos migrantes oriundos da bela urbe portuária do noroeste do nosso país-arquipélago.

ii. Daquele acima ao de leve aludido  e que ficou conhecido por alfabeto do Mindelo por ter sido adoptado nessa cidade talássica do norte de Cabo Verde num Colóquio/ Seminário Internacional sobre o Crioulo Cabo-Verdiano, promovido pela Direção-Geral da Cultura, então liderada pela filóloga sénior Dulce Almada Duarte, tecnicamente co-adjuvada pelo recém-formado linguista Manuel Veiga, e apoiado pela UNESCO. Não obstante o entusiasmo inicial que suscitou e com que foi recebido pelos círculos mais determinados na construção de um rosto próprio, manifesto, diferenciado e nítido para a língua caboverdiana, de todos e para todos reconhecível, em especial daqueles mais fervorosamente nacionalistas, pan-africanistas e afro-crioulistas no contexto político-ideológico da plena vigência e de alguma réstia do passado resplendor do princípio-dogma cabralista da unidade Guiné-Cabo Verde e do correlativo e sempre adiado projecto paigcista de união orgânica entre os dois países/repúblicas irmãs independentes e soberanas, o chamado alfabeto do Mindelo cedo carregou sobre si o labéu de famigerado, acrescido do estigma de ser completamente estranho aos hábitos e às tradições de escrita do idioma caboverdiano de todas as ilhas, tradições e hábitos esses ciosamente cultivados e legados às gerações seguintes pelos nossos letrados mais antigos e venerados, em razão do facto de no mesmo alfabeto as palatais serem representadas por consoantes encimadas pelos chamados chapéus (isto é, diacríticos aparentados a acentos circunflexos), designadamente o "c", o " j", o "l" o "n", o "s" e o "z" em lugar dos tradicionais "tch", "dj", "lh", "nh", "ch" e "j", muito correntes na escrita do crioulo a partir da geração de cinquenta do século XX pretérito. Por isso mesmo, o chamado alfabeto do Mindelo foi sendo rejeitado progressivamente, não só pela generalidade da sociedade civil interessada, em especial pela comunidade dos músicos caboverdianos das ilhas e diásporas e pelos letrados das gerações mais antigas ainda vivos, como também pelos escritores das novas gerações.

Ilustrativo e paradigmático da situação então vigente foi "Vinti Xintido Letrado na Kriolo", o primeiro livro de poesia de Kaká Barboza. Financiado pela Direcção-Geral da Cultura, na altura adstrita ao Ministério da Educação e da Cultura, o mesmo livro foi publicado em duas versões simultâneas e constantes do mesmo volume: uma versão grafada no alfabeto do Mindelo, da responsabilidade da mesma Direcção-Geral da Cultura e presumivelmente da autoria material de Manuel Veiga, acrescida de uma Nota Introdutória do mesmo Manuel Veiga e de um Prefácio de Oswaldo Osório, todos  lavrados com base na grafia determinada pelo alfabeto do Mindelo, e uma outra versão alternativa, lavrada pelo próprio autor numa grafia de matriz etimológica, mas muito adaptada à fonética do crioulo, mesmo se fazendo uso da cedilha, letra integrante do alfabeto português, mas cujo uso no livro parece-me excessivo porque utilizado muitas vezes em detrimento do "s" usado no étimo português ou em palavras grafadas em crioulo com a letra “s” e abrangidas por som igual ou similar representado por essa mesma letra.  O segundo livro (Son di ViraSon), bem como o terceiro livro (Konfison na Finata), e os sequentes livros, ou partes de livros, escritos em crioulo, agora no género de prosa narrativa ficcional, de Kaká Barboza, viriam a ser publicados por livre opção do autor com grafia totalmente baseada no ALUPEC.

Realce-se neste contexto que, como anteriormente dito, em face da geral repulsa em relação ao alfabeto do Mindelo, grande parte dos escritores caboverdianos cultores exclusivistas do crioulo ou bilingues português-crioulo também passaram a recusar o uso do alfabeto do Mindelo para a grafia dos respectivos textos em crioulo, muito por causa dos famigerados chapéus, considerados ademais inestéticos, ou pouco estéticos, assim como pouco adaptáveis às máquinas de escrever e aos equipamentos em uso nas tipografias e nas gráficas, e, depois, aos computadores disponíveis, sendo também certa a existência de situações várias de aceitação do mesmo alfabeto do Mindelo, mesmo que com alguma relutância, quer por livre opção própria, em especial nos casos de i. obras de autores genuinamente identificados com o mesmo alfabeto, e ii. obras elaboradas por responsáveis ou altos funcionários das instituições públicas de cultura, ainda que fora do quadro de actividades desenvolvidas por essas mesmas instituições culturais, quer ainda por autoritária imposição por parte do editor ou patrocinador público, no quadro de cujas actividades as obras tivessem sido  elaboradas.

Em face desse periclitante e desalentado panorama de descrédito geral do alfabeto do Mindelo, os escritores rebeldes, avessos ou relutantes ao uso desse malfadado alfabeto, mas em regra igualmente defensores de grafias e alfabetos de base fonético-fonológica, passaram a experimentar e a tentar construir a sua própria grafia, para tanto recorrendo aos grafemas tradicionalmente usados na escrita de textos em crioulo, sobretudo por integrantes das gerações literárias dos anos cinquenta, sessenta e setenta do século XX. Dessa opção resultaram grafias de base fonético-fonológica bastante conseguidas, sistematizadas e respeitadoras da autenticidade e da autonomia linguística do idioma caboverdiano nas suas diferentes variantes, mas também grafias amiúde incoerentes e pouco sistematizadas, pois que, tendo o princípio fonético-fonológico como fundamento, faziam frequentemente recurso a sinais gráficos correntes na escrita de matriz etimológica, não somente nos casos exemplares dos tradicionais dígrafos "ch", "dj", "lh", "nh", e do muito funcional e produtivo trígrafo "tch", mas também dos dígrafos "qu" (como, por exemplo, em “quázi”, “quandu”) e "gu" (como, por exemplo, em “guéra”, “guinada”,  “guentis”, “gueme”) e da letra "z" (como, por exemplo, em "luz", "paz", "rapaz", "capaz", “margoz”, na minha opinião, de aplicação mais  correcta e apropriada do que os até agora estabelecidos “lus”, “pas”, “rapas”, “capas”, “margos”, sendo todavia que, seguindo a regra de preditibilidade, teorizada pelo linguista Manuel Veiga nos seus diversos livros sobre a grafia do crioulo e a qual enuncia que, em regra, na língua caboverdiana nas palavras plurissilábicas as  sílabas tónicas recaem na sua penúltima sílaba, sendo que as palavras plurissilábicas com sílaba tónica na última sílaba ou na antepenúltima sílaba constituem excepções à regra de preditibilidade acima referida, devendo por isso ser expressamente acentuadas com acento grave ou cincunflexo, conforme o grau de abertura da vogal tónica).

É neste preciso e concreto contexto de reformulação e coexistência de várias grafias do crioulo caboverdiano e das suas variantes que se inserem as publicações em crioulo, primacialmente de teor poético, de vários autores das novíssimas gerações reunidas no Movimento Pró-Cultura, proprietário  e responsável pela edição da revista Fragmentos (1987-1998). Nessa revista, tal como aliás, anteriormente, na revista Ponto & Vírgula,  foram sendo publicados vários trabalhos literários lavrados nas várias e divergentes grafias do crioulo disponíveis por autores em processo de afirmação, como Ano Nobo, Kaká Barboza, Ariki Badiu Branku (pseudónimo do português e caboverdiano naturalizado Henrique Lopes Mateus, anteriormente chamado Ariki Tuga), Kaliodstro Fidalgo (pseudónimo de Pedro Delgado Freire), Tomé Varela da Silva, Naiz d´Itanta (pseudónimo de Manuel Andrade), Canabrava (pseudónimo de Pedro Vieira), Danny Spínola, José Luís Hopffer Almada, entre outros. Foi provavelmente na grafia em crioulo, mais uma menos sistematizada, de alguns desses autores, defensores de uma escrita etimológica muito próxima da fonética e da fonologia do crioulo basilectal (fundo) de Santiago e/ou de  uma escrita de base fonético-fonológica, mas desde sempre ou somente a partir de certa altura muito avessos ao alfabeto do Mindelo que os promotores do Forum de Alfabetização Bilingue se devem ter inspirado para superarem o imbróglio criado pelos chapéus incorporados no  alfabeto do Mindelo e encetarem um retorno triunfal aos dígrafos e outros grafemas habitualmente usados na escrita tradicional caboverdiana, desde pelo menos  os anos quarenta do século XX passado. É o que ocorreu, por exemplo, com i. a versão tradicional da poesia de Kaká Barboza constante de Vinti Xintido Letrado na Kriolo, o seu livro de estreia literária; ii. a poesia e as crónicas em crioulo, atribuídas respectivamente  a Zé di Sant`y Águ (primeiro pseudónimo literário bilingue do poeta  José Luís Hopffer C. Almada) e Dionísio de Deus y Fonteana, sucessivamente publicadas na revista Fragmentos, na obra em dois volumes À Sombra do Sol (1990)e na Mirabilis-de Veias ao Sol (Antologia Panorãmica dpos Novíssimos Poetas Cabo-Verdianos) e ii. A poesia constante de Na Kantar di Sol, livro de estreia de Danny Spínola.

De todo o modo, a renúncia ao uso dos chamados chapéus num alfabeto caboverdiano de base fonético-fonológica e a reposição de alguns dos mais icónicos grafemas, em especial, dos tradicionais dígrafos e trígrafo, acima referenciados, ou a sua substituição, em alguns casos, por outros grafemas considerados mais adequados e funcionais, como nos casos do "x" e do "tx" do ALUPEC que substituíram os tradicionais "ch" e "tch", foram acolhidas com alívio e muita satisfação pelos cultores da escrita do crioulo num alfabeto de base fonético-fonológica. Pelo  seu lado, largamente surpreendidos, dificultados e desarmados nos seus mais essenciais e contundentes argumentos contra os alvos absolutamente vulneráveis que eram os  chapéus do alfabeto do Mindelo, os defensores da escrita etimológica do crioulo com base no alfabeto português ou em improvisados e pouco sistematizados alfabetos de matriz portuguesa ditos tradicionais, por isso mesmo assaz variegadas nas  suas feições, vêm-se concentrando na (in)esperada extinção e/ou no forçado desuso (salvo em siglas, em marcas e em nomes próprios, apelidos e topónimos de origem portuguesa/estrangeira) desses verdadeiros espantalhos e autênticas vacas sagradas nos quais se têm tornado as fantasmáticas letras “c” (curiosamente acolhida na primeira versão do alfabeto do Mindelo, publicada nas revista África, de Manuel Ferreira, para representar o som “tch”, similarmente à palavra”ciao” do italiano), “cedilha” e “q”, limitando-se a mais das vezes a assistir à adesão cada vez maior ao novo alfabeto experimental e depois oficial da língua caboverdiana e à sua generalizada utilização nas obras literárias e científicas, nos muitos cursos de crioulo ministrados nas ilhas e no estrangeiro, destacando-se nesse contexto o Institutu Kriolu-Merkanu de ensino bilingue crioulo-inglês nos Estados Unidos da América, etc., bem como por utentes e navegadores das redes sociais, de forma quase automática, se bem que ainda em modo assaz espontâneo e amiúde deficiente nas suas muitas e incoerentes versões individuais, até, de incomodados e palavrosos cobadores do ALUPEC.

A marcha do ALUPEC parece, pois, imparável e irreversível. Realmente, nunca pareceu tão certeira a expressão KA TEN TADJU!, como sói dizer-se em língua caboverdiana.

iii. Daqueloutro alfabeto adoptado pelo Fórum de Alfabetização Bilingue, realizado em 1989, na cidade da Praia, e que, por iniciativa e sob liderança da professora crioulista portuguesa Dulce Fanha, depois renominada Dulce Pereira, procedeu à extirpação e ao banimento no novo alfabeto de base fonético-fonológica, aprovado nessa histórica ocasião, dos chapéus anteriormente incorporados no alfabeto do Mindelo, e à consequente reposição dos dígrafos "dj", "lh" e "nh", do trígrafo "tch" e da letra "j", muito usuais na escrita do crioulo em tempos precedentes da adopção do alfabeto do Mindelo, e, em certa medida, cultivada até aos tempos mais recentes, muito posteriores a esse inolvidável evento, para uns memorável a vários títulos, para outros, quiçá para a maioria, de todo de má memória e a todos os títulos. A memorável iniciativa conducente ao saneamento e à extirpação no alfabeto do Mindelo dos seus já muito rejeitados chapéus pelo Forum de Alfabetização Bilingue da Praia, de 1989, na sua primeira fase dividido e espartilhado num quase insuperável impasse entre, por um lado, os ferrenhos defensores desse contestado alfabeto utilizado na totalidade das obras em crioulo editadas pela Direcção-Geral da Cultura, pelos respectivos departamentos e unidades orgânicas, pelos seus quadros, funcionários e colaboradores, e, por outro lado, os também  incondicionais militantes e porta-vozes da para eles nobilitante causa consubstanciada na escrita tradicional  de base etimológica do crioulo, foi precedida de um valioso e muito elogiado Parecer da Comissão Consultiva entretanto constituída para superar o acima referido impasse e presidida pelo principal autor e cara assumida do alfabeto do Mindelo, o já então renomado, se bem que também muito causticado e vituperado, linguista Manuel Veiga, que pleiteou pela reforma acima referida do alfabeto do Mindelo, permanecendo todavia o mesmo alfabeto intacto no que se refere a outros aspectos mais controversos e contestados, tais como, o inapelável banimento da letra “c”, da cedilha, da letra “h” (que não no dígrafo “ch” e no tróigrafo “tch”) e da letra “q”, salvo, como já referido, no seu uso nas siglas e nos nomes de origem portuguesa, ou, de outro modo, estrangeira, de pessoas e lugares); a letra “k” (letra grega amiúde confundida (inclusive por intelectuais caboverdianos de altíssimo gabarito, como o escritor e médico Henrique Teixeira de Sousa, muito conhecido pela sua feroz oposição ao princípio e ao projecto paigcistas de unidade Guiiné-Cabo Verde) com um africanismo, surto nas ilhas e diásporas cabpoverdianas  tal epidemia ou endemia com os chamados “tempos revolucionários de reafricanização dos espíritos”, consabidamente propugnados ardentemente pelos democratas revolucionários Amílcar Cabral e Manuel (Manecas) Duarte, e com maior acutilância no período imediatamente posterior ao 25 de Abril de 1974.  

Sendo certo que até hoje não chegou ao conhecimento público qualquer proposta sistematizada de escrita etimológica (mais recentemente também denominada de  escrita tradicional, como já se viu) do crioulo caboverdiano, patenteiam-se ainda mais e com muito maior fulgor e tornando, por isso, mais evidentes as acima referidas mais-valias e vantagens do ALUPEC em relação a todas as propostas de grafia de base ou feição etimológica e elaboradas a partir do alfabeto português e/ou de um implícito alfabeto de matriz portuguesa mais ou menos adaptado à fonética do crioulo caboverdiano, desde os recuados tempos dos nossos letrados mais antigos, com destaque para os nativistas Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, João José Nunes, Juvenal Cabral e Armando Napoleão Fernandes, passando pelos claridosos Baltasar Lopes, Jorge Barbosa, Manuel Lopes e Sérgio Frusoni, e, já transitados para o período pós-colonial, pelos neo-claridosos  Henrique Teixeira de Sousa, Manuel Ferreira, Teobaldo Virgínio e Jorge Pedro Barbosa, e pelos nova-largadistas Luís Romano (poeta, contista, romancista, ensaísta e antologizador, autor da obra ficcional bilingue Negrume/Lzimparim e organizador da antologia Contravento, de poesia caboverdiana em crioulo traduzida para o português, muitas vezes pelo próprio organizador dessa mesma colectânea poética), Gabriel Mariano (celebtrado poeta, contista e ensaístas), Ovídio Martins, Kaoberdiano Dambará, Corsino Fortes e Arménio Vieira, até os mais recentes, por vezes ainda actuantes, protagonistas, sobretudo no domínio do letrismo e da composição musicais, nomeadamente o músico-compositor Jotamonte/Jorge Cornetim (Jorge Monteiro de seu nome de baptismo), o poeta, trovador e dramaturgo Ano Nobo/Sá de Bonjardim (Fulgêncio da Circuncisão Lopes Tavares de seu nome de igreja), o trovador Manel de Novas (Manuel de Jesus Lopes de seu nome oficial de registo),  o poeta e ensaísta Arnaldo França (tradutor para o crioulo da poesia de Luís Vaz de Camões, designadamente de alguns dos seus sonetos, da poesia de Álvaro de Campos, designadamente da "Ode Marítima" e da “Ode Triunfal”, e da poesia de David Mourão-Ferreira, com recurso a uma grafia de feição etimológica, depois convertida em ALUPEC na folha "Xatiadu Si", de Tony Pires, para o caso da poesia do último lírico português supra-citado, certamente com a anuência ou, pelo menos, a complacência do autor/tradutor) e o cronista-contista Zizim (José) Figueira, todos já falecidos, bem como o poeta e dramaturgo Kwame Konde (pseudónimo literário bilingue e artístico do médico-cirurgião Francisco Fragoso), o poeta David Hopffer Almada, o poeta Viriato Gonçalves, os ainda activos músicos-compositores Betú (Adalberto Tavares Silva) e Mário Lúcio Sousa (Lúcio Matias Sousa Mendes, também romancista, poeta, dramaturgo e ensaísta lusógrafo), bem como um significativo número de outros compositores e poetas-letristas.

Por outro lado, o ALUPEC tem-se comprovado como o único alfabeto capaz de disponibilizar e sedimentar uma grafia susceptível de reflectir e transcrever de forma cabal e integral, ou, pelo menos, do modo mais abrangente possível, a autenticidade da fonética e da fonologia da língua caboverdiana na totalidade das suas variantes e variedades regionais, insulares, locais bem como daquelas que, correntes nas nossas diásporas das Américas, da Europa, da África e da Ásia/Oceânia, se encontram sob forte interferência das línguas dominantes, quer a título oficial, quer a título socio-linguístico, nos países de acolhimento das nossas comunidades diaspóricas, como são os casos do português, do francês, do inglês, do italiano, do alemão, do uolofe, do castelhano (espanhol), do galego, do quimbundo...

V. Ademais, o ALUPEC tem-se sobremaneira evidenciado como foco e locus  de convergência de paixões exacerbadas e de sentimentos de feição e teor contraditórios e no demais assaz excludentes e por demais exclusivistas, designadamente:

a) Por parte dos cultores e dos defensores de um entendimento do crioulo como situado numa proximidade exclusiva, adjacente e sempre filial, quase dialectal, do idioma português, e que, por isso mesmo também,  privilegiam uma grafia com base num alfabeto português mais ou menos adaptado à fonética do crioulo, mas de maiores ou menores potencialidades descrioulizantes, consoante as tendências, as pulsões e as propensões mais ou menos acrolectais e/ou mais ou menos mesolectais e, até, basilectais, do letrado, escritor, escriba e/ou letrista de serviço, transformando-se de todo o modo esse mesmo alfabeto de feição ou matriz portuguesa num agente e num factor produtor, indutor, germinador ou disseminador de uma escrita com maior ou menor marca etimológica, por isso, comummente chamada e denominada escrita etimológica ou tradicional. É neste grupo que, a par da defesa e do labor intransigentes por uma significativa e co-existente faixa de poetas/letristas cultores de um crioulo expresso primacialmente em letras de inquestionável teor poético e grafadas segundo a linha tradicional etimológica dos grandes poetas, trovadores e compositores que foram, por exemplo, Eugénio Tavares, B. Léza e Ano Nobo, se têm potenciado e publicamente manifestado os sentimentos mais bairristas, racistas e anti-badios (quiçá motivados por um (in)fundado receio de ver ignoradas, ocultadas, esquecidas, obliteradas e/ou submersas as respectivas variantes insulares do crioulo e no sentido da ignara, induzida, confusa, despropositada, malévola e/ou premeditada identificação entre o ALUPEC e a variante-matriz santiaguense da língua caboverdia- na, sendo essa identificação também representada como uma verdadeira e poderosa ameaça em razão de uma sua certamente fantasmaticamente  percepcionada e atribuída pretensão de hegemonia e exclusivismo linguísticos (por isso, sendo a essa mesma variante-matriz e os seus falantes nativos e locutores adoptivos sempre vistos  pelos seus destratadores das as-ilhas, como pretensiosos portadores de uma escondida, senão secretas, agenda) enquanto variante-padrão da escrita do crioulo no quadro arquipelágico e diaspórico caboverdianos. É, aliás, isso mesmo que foi propugnado expressamente pelo Colóquio/Seminário Linguístico do Mindelo de 1979, foi proferido pelo Professor Augusto Mesquitela Lima no âmbito desse mesmo evento de grande relevância histórica e reiteradas vezes proposto por Baltazar Lopes da Silva, uma das quais numa conferência sua proferida na cidade do Mindelo e constante da Publicação Comemorativa do Cinquentenário da Revista Claridade,  fundamentando o célebre filólogo, jurista, poeta, contista, romancista e ensaísta  claridoso essa sua proposta de eleger o crioulo de Santiago como a variante-padrão para a escrita literária do idioma caboverdiano com a completude vocálica dessa variante-matriz da língua caboverdiana,  tal como, aliás, existente em todos os crioulos do nosso Sotavento caboverdiano. Proposta certamente inusitada e surpreendente porque oriunda de alguém bastas vezes acusado de barlaventismo, em especial em Consciencialização na Literatura Cabo-Verdiana, o livrinho maldito (segundo expressão cunhada por Gabriel Mariano)  editado em 1963 pela célebre Casa dos Estudantes  do Império e, numa versão em francês, no ano de 1967, pelas não menos célebres Éditions Présence Africaine com explícita atribuição da sua autoria exclusiva ao poeta, contista e  activista política da independência de Cabo Verde, e, muito mais tarde, romancista, académico, funcionário internacional, ensaísta, autarca e embaixador Onésimo Silveira, vindo o mesmo, certamente sob pressão ou em louvável acto de contrição depois de anos de negação e tergiversações,  a confessar no livro-entrevista Onésimo Silveira-Um Mar de Histórias, a confessar que a verdadeira autoria do livrinho maldito deveria ser legitimamente atribuída a Manuel Duarte, mesmo se devendo este insigne jurista, ensaísta, teórico e intelectual nova-largadista e pan-africanista partilhar, em certa medida, com Onésimo  Silveira a autoria do mais importante e até hoje insuperado - se bem que também assaz datado- libelo acusatório anti-claridoso .

Feito o necessário parêntese de indispensável esclarecimento, retorne-se pois à vaca fria:

Aos baixos sentimentos acima referenciados conjugam-se e conectam-se sentimentos similares de teor e feição colonial-saudosistas, europeístas, eurocêntricos, anti-africanistas e anti-negri(tudini)stas na análise, na escalpelização e na percepção das políticas linguísticas levadas a cabo no Cabo Verde pós-colonial, em especial no que se refere à outorga de um lugar cimeiro, privilegiado e preponderante à língua portuguesa e à negação do estatuto de oficialidade à língua caboverdiana e do seu direito a ter o seu próprio alfabeto e, correlativamente, as suas próprias grafia e ortografia, a par do direito natural e positivo dos cidadãos caboverdianos residentes no país a aprenderem a sua língua plenamente identitária nas escolas oficiais do país e do inalienável direito das crianças caboverdianas residentes nas ilhas a serem ensinadas na língua materna caboverdiana,  de todo o modo denotando os portadores dos sentimentos acabados de elencar pelo menos algumas inultrapassáveis e inexpurgáveis dificuldades em admitir esse irreversível estado de coisas no que se refere à  defesa da melhoria do estatuto político-social do nosso crioulo.

 b) Também por parte daqueles cultores e defensores da língua caboverdiana e do seu alfabeto oficial que, tendo sérias dificuldades político-ideológicas e culturalistas em reconhecer cabalmente o bilinguismo oficial português-crioulo consagrado no artº 9º da Constituição da República de Cabo Verde, negam, com mais ou menos veemência, esse mesmo bilinguismo na sua praxis sociocultural, privilegiando aqueloutras normas constitucionais focadas exclusivamente na dignificação e na promoção da língua materna caboverdiana e defendendo a sua plena oficialidade constitucional por via da sua omnipresença social mediante e por mor da oralidade. Característica dessa última corrente culturalista é a sua postura declaradamente lusófoba, crioulista exaltada e chauvinista (e/ou pan-africanista, negrista e afrocêntrica nalguns dos seus sectores e franjas), tendo, por outro lado, como inegável e valiosa mais-valia o serem os seus émulos convictos defensores da plena oficialização da língua caboverdiana e da sua inteira e cabal autonomia em relação a qualquer outra língua, incluindo no seu relacionamento lexical sumamente enriquecedor com a sua língua relexificadora e de substrato que é o português. Nessa óptica e em coerência com a sua visão da língua caboverdiana como a contraparte mais fraca da desequilibrada equação representada pelo bilinguismo caboverdiano, os integrantes desta última corrente marcada por um radicalismo linguístico de feição crioulista extremada têm vindo a contribuir de forma muito meritória para um melhor conhecimento da língua caboverdiana nas suas diferentes variedades e nos seus diversos tópicos sociais e espaciais, bem como para a promoção, a dignificação e a ampla divulgação da nossa língua materna e de cabal expressão da identidade nacional caboverdiana.

VI. BREVE EXCURSO POR ALGUMAS MEDIDAS PÓS-COLONIAIS DE POLÍTICA LINGUÍSTICA

Ressalve-se e ressalte-se neste contexto algumas medidas (certamente demasiado escassas e esparsas nestes mais de quarenta e seis anos de independência política e de soberania nacional e internacional do nosso país) adoptadas pelos poderes públicos, designadamente:

1.    A introdução desde a fundação da Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário, em 1979/1980, da disciplina do crioulo caboverdiano no Curso de Estudos Portugueses e Caboverdianos e  pioneiramente ministrado por Manuel Veiga.

2.    A adopção do ALUPEC a título experimental,  em 1998, quatro anos depois do devido encaminhamento da respectivsa  proposta pelo Coordenador do Grupo de Padronização acima referenciado, ainda durante a governação do MpD, e, depois, a título definitivo, em 2009, durante a governação do PAICV, como alfabeto oficial caboverdiano.

3.    A revisão constitucional de 1999, no contexto excepcional de uma robusta maioria parlamentar (qualificada) e do MpD e, consequentemente da governação desse partido político, no sentido da consagração do bilinguismo oficial caboverdiano, ainda que, em razão da sua natureza compromissória entre a proposta do MpD que, à semelhança de grande parte dos Estados africanos multi-étnicos (incluindo os lusófonos) pugnava pela oficialização expressa unicamente do português, devendo o Estado promover as condições para a dignificação da língua materna caboverdiana, e a proposta do PAICV que defendia a oficialização plena imediata das duas línguas de Cabo Verde, tenha resultado numa dimensão ampla e excessivamente diglótica e numa redacção relativamente ambígua do artº 9º da Constituição da República, a qual infelizmente não pôde ser clarificada e ultrapassada na revisão constitucional de 2010, no sentido de uma clara e inequívoca consagração jurídico-constitucional da paridade político-simbólica entre o português e o crioulo caboverdiano como línguas oficiais de Cabo Verde com a denominação de línguas da República, a par da estatuição da obrigação do Estado caboverdiano na promoção das condições para a efectiva utilização nos espaços formais e informais de comunicação das duas línguas da República, tal como, aliás, constava explicitamente da proposta de revisão constitucional do PAICV.

4.    A criação do Prémio Pedro Cardoso com o fito de estimular a criação literária em crioulo.

5.    A alteração, em 2010, da Lei de Bases do Ensino no sentido da previsão da introdução do crioulo em vários níveis de ensino, designadamente nos níveis superiores do ensino secundário.

6.    A adopção por parte do Conselho de Ministros de uma  Resolução com vista a encorajar o uso do crioulo na comunicação social e na administração pública.

7.    A realização do Fórum da Praia de 2008 com participação de prestigiados protagonistas nacionais e estrangeiros, todos abalizados e competentes utilizadores do ALUPEC e  ligados às problemáticas da crioulística caboverdiana e que procedeu a uma ampla e circunstanciada análise da funcionalidade do ALUPEC, dez anos depois da sua vigência a título experimental, tendo feito pertinentes recomendações ao Governo que nem sempre foram acolhidas no diploma legal emanado do Conselho de Ministros que por proposta do Ministro da Cultura na altura, Manuel Veiga adoptou o ALUPEC a título definitivo como alfabeto oficial caboverdiano, salientando-se entre as recomendações não acolhidas pelo Governo aquela que propôs a substituição do "y" pelo "i" como conjunção copulativa .

8.    A criação no âmbito da Universidade (Pública) de Cabo Verde de um mestrado em língua caboverdiana, o qual, além da formação em si de especialistas altamente qualificados, possibilitou a elaboração de teses sobre as variantes de várias ilhas, até então esquecidas ou ignoradas pela crioulística caboverdiana, como, por exemplo, a ilha do Maio.

9.    A ministração a título experimental de uma experiência de ensino bilingue crioulo-português a crianças do ensino básico elementar de escolas do Concelho de São Miguel e do Concelho da Praia, na ilha de Santiago, e do concelho-ilha de São Vicente pela professora luso-caboverdiana  Ana Josefsa Cardoso, a qual tinha tido feito, e com muito e reconhecido sucesso, uma experiência idêntica no Vale da Amoreira, no concelho de Setúbal, na Região da Grande Lisboa, com alunos caboverdianos e portugueses.

10. A criação da Comissão de Línguas devidamente dotada de competência para fazer recomendações ao Governo no que se refere à adopção de políticas linguísticas relativas ao português e ao caboverdiano, incluindo uma eventual substituição do ALUPEC por um outro alfabeto, provável e desejavelmente de base etimológica na cabeça de uns quantos obstinados iluminados, tendo a mesma Comissão sido extinta por força da mudança de governo e correlativa mudança do titular da pasta da cultura em resultado das eleições legislativas de 16 de Março de 2016, depois de a mesma Comissão de Línguas ter tido tempo, ainda na legislatura anterior, de recomendar que no processo da futura oficialização plena da língua caboverdiana e da sua introdução no ensino público fossem consideradas todas as variantes insulares da língua materna caboverdiana.

11.  A criação no âmbito da Universidade (Pública) de Cabo Verde de um mestrado em língua caboverdiana, o qual, além da formação em si de especialistas altamente qualificados, possibilitou a elaboração de teses sobre as variantes de várias ilhas, até então esquecidas ou ignoradas pela crioulística caboverdiana, como, por exemplo, a ilha do Maio.

12.  O anúncio no passado mês de Outubro de 2021 pelo Ministro da Cultura e do Ensino  Superior da intenção de a partir do próximo ano lectivo (2022/2023) proceder à introdução da língua materna caboverdiana no sistema do ensino público caboverdiano , mais precisamente a partir do décimo ano de escolaridade do ensino secundário.

Esse passo, inédito e decisivo, põe fim a um longo período pós-colonial de paralisia, inacção e omissão do Estado caboverdiano no que se refere às melhores práticas de defesa, preservação e promoção  do património linguístico  nacional e à salvaguarda, expressamente consagrado no nº 3 do arº 9º da Constituição da República, do direito e do dever do cidadão caboverdiano a usar e a conhecer a sua língua materna enquanto língua co-oficial da República de  Cabo Verde,  conjuntamente com a outra língua co-oficial da República, o português.

Outrossim, o ensino da língua caboverdiana deverá ser precedido dos competentes estudos didácticos e pedagógicos e de uma eventual reforma do ALUPEC sob responsabilidade de uma comissão de peritos e especialistas na área sempre numa estreita colaboração entre o Ministério da Educação e do Ensino Superior e o Ministério da Cultura e das Industrias Criativas.

Todavia nada ainda se aflorou quanto à eventual retoma das actividades relativas ao ensino bilingue português.-crioulo no ensino básico elementar, fulcral para a  garantia do direito das crianças caboverdianas a aprenderem  na sua língua materna, em conformidade, aliás, com a Declaração da UNESCO sobre os Direitos Linguísticos dos Povos. 

Deste sucinto balanço pode-se apreender o seguinte:

i. O papel preponderante desempenhado pelos dois partidos caboverdianos do arco da governação, sendo de se realçar o papel preponderante do MpD, ainda nos seus “gloriosos anos noventa”, tanto na estatuição de um alfabeto caboverdiano unificado, se bem que não de todo isento dos habituais e divergentes debates, como também na constitucionalização da oficialidade das duas línguas de Cabo Verde, conjuntamente com o PAICV, a par da circunstância factual, irrefutável, de a esmagadora maioria das medidas de política linguística relativas à promoção da língua materna caboverdiana terem sido adoptadas durante o consulado governamental do PAICV.

ii. A dimensão das polémicas  e a magnitude das controvérsias bem como os muitos avanços e recuos que têm rodeado o tratamento das problemáticas linguísticas em Cabo Verde, em especial as relativas ao papel e às funções das línguas portuguesa e caboverdiana na sociedade caboverdiana, às correlativa relações entre essas duas línguas de Cabo Verde e a outras questões delas instrumentais.

 

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