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A (Re)construção do cânone literário caboverdiano pelo olhar das antologias - Quarta Parte
Cultura

A (Re)construção do cânone literário caboverdiano pelo olhar das antologias - Quarta Parte

De tudo o que vem dito pode-se, pois, concluir que tem sido de grande importância e insofismável relevância a domesticação pelos escritores caboverdianos das muitas formas literárias do português, quer nas suas feições do chamado português literário caboverdiano utilizado pela generalidade dos ficcionistas islenhos; quer no seu coloquial desassombro crítico e satírico, nas suas iconoclastas mitografias e desconstruções dos ícones da herdada mitologia greco-latina, com Arménio Vieira, ainda que com (quase) integral e irrestrita manutenção e cabal utilização do padrão linguístico vigente em Cabo Verde; quer na sua leveza lírica e na sua entristecida (e por vezes enlouquecida, outras vezes enraivecida) angústia, com Artur Vieira, Fernando Monteiro, Dina Salústio (sobretudo das crónicas/estóreas de Mornas eram as Noites), Gualberto do Rosário e Carlota de Barros; quer na desassossegada interpelação e na crítica interrogação das diluídas e longínquas co-matrizes afro-latinas das contemporâneas margens, vertentes e dimensões (por vezes petrificadas e essencializadas) e das ainda controversamente assumidas e cada vez mais consensualmente vigentes vestes da crioulidade caboverdiana e das suas, bastas vezes insanas, se bem que produtivas, deambulações pelo lato e vasto mundo, em Pedro Duarte, Corsino Fortes, Mário Fonseca, Vera Duarte, Daniel Benoni, João de Deus Lopes da Silva, Manuel Veiga, Carlos Araújo, Germano Almeida, Joaquim Arena, Ondina Ferreira, Eugénio Inocêncio, Filinto Elísio Correia e Silva, Margarida Fontes e Teobaldo Virgínio; quer nas suas sofisticadas e neo-barrocas feições e no seu elevado e complexo teor lexical, quase dicionarista, como vem ocorrendo com vários poetas e prosadores das mais antigas e das mais novíssimas gerações pós-coloniais, muito cientes do uso requerido pelo vigente padrão linguístico da língua eleita - acompanhada ou não de outra(s) - para o labor literário, com particular visibilidade nas escritas poéticas e literárias de Pedro Duarte, Corsino Fortes, Oswaldo Osório, João Vário/Tio Tio Tiofe/G. T. Didial, Jorge Carlos Fonseca, José Luís Hopffer C. Almada, Danny Spínola, Valentinous Velhinho, Mário Lúcio Sousa, José Luiz Tavares (que, entre os actuais escritores caboverdianos, é certamente o mais meticuloso nessa matéria), António da Névada, João Baptista Efígie (pseudónimo de Domingos Landim de Barros), Daniel Ramos Mendes...

QUARTA PARTE

V

LÍNGUAS DE CABO VERDE E LITERATURA CABOVERDIANA

A PROSA DE FICÇÃO CABOVERDIANA EM  LÍNGUA PORTUGUESA, POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E O PAPEL DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE LABOR LITERÁRIO

1. Também na prosa de ficção  caboverdiana é agora outra a visão mediante a qual são abordados os fenómenos sociais protagonizados pelo povo das ilhas e diásporas e relativos  ao mundo que o mesmo traz e carrega consigo no ventre e na alma.

É o que comprovam à saciedade  as três antologias de ficção caboverdiana relativas designadamente aos pré-claridosos, aos claridosos e aos pós-claridosos, por isso abrangentes de (quase) toda a História literária de Cabo Verde, e publicadas na primeira década do século XXI pela AEC-Editora, a casa de edições da Associação de Escritores Cabo-Verdianos (AEC).

Essas três antologias de ficção caboverdiana foram as primeiras a serem organizadas de forma abrangente e quase simultaneamente no período pós-colonial caboverdiano, devendo-se essa iniciativa ao Departamento de Edições da AEC (Associação de Escritores Cabo-Verdianos) durante o mandato do autor do presente ensaio e coordenadas respectivamente por Arnaldo França, para os escritores pré-claridosos, Dulce Almada Duarte/Jorge Miranda Alfama, para os escritores claridosos,  e Tomé Varela da Silva, para os escritores pós-claridosos, depois de, em 1961, por ocasião das celebrações do Meio-Milénio do Achamento das Ilhas  de Cabo Verde, Baltasar Lopes da Silva ter organizado a primeira Antologia de Ficção Cabo-Verdiana Contemporânea, com textos ficcionais de quase todos os modernos ficcionistas caboverdianos activos na altura, apresentação  de António Aurélio Gonçalves e prefácio de Manuel Ferreira.

2. Novo nessas antologias pós-coloniais, designadamente naquela que abrange a prosa narrativa de ficção pós-claridosa é a emergência de duas línguas de labor literário, designadamente o português e o caboverdiano, consagradas, no artigo nono da Constituição, como línguas oficiais da República de Cabo Verde desde a revisão constitucional de 1999, todavia ainda em modo assaz diglótico e, por isso, em demanda de uma coexistência mais igualitária por forma a poder tornar-se mais profícua, mais frutífera e mais mutuamente vantajosa. Um novo modus vivendi  entre as duas línguas de  Cabo Verde, na feliz expressão da Professora Amália Melo, designadamente a   língua caboverdiana e a língua portuguesa, será somente possível de ser atingido, na nossa modesta opinião, mediante a devida operacionalização do seguinte instrumentário e com a seguinte e sumária fundamentação:

i.     A urgente superação da actual e desgraçada situação socio-linguística de diglossia, tenaz e persistentemente ancorada na nossa sociedade e com prejuízos evidentes tanto para a língua portuguesa como para a língua materna caboverdiana, graças à insistente e ignara, se bem que  bastas vezes palavrosa, inércia dos políticos de serviço nos poderes instituídos, salvo as devidas e nobres excepções a essa por demais confrangedora e infeliz regra de actuação. Políticos esses  que, aliás, por vezes demasiadas e, nalguns casos, aliados a serôdios tradicionalistas apegados a passadistas e regressivas formas de encarar o lugar da  nossa língua materna na actual sociedade caboverdiana das  ilhas e diásporas, primam pela descrioulização nas suas eloquentes e pretensiosas tomadas de posição  de auto-nomeados novos-ricos da língua e nas suas arrogantes oratórias e falas comicieiras de demagogos tribunos da mercancia de promessas eleitorais, da compra de consciências e da mercantilização dos votos dos eleitores e  que, alegadamente e a todo o custo, pretendem  nobilitar a língua materna caboverdiana mediante o descarado e desaforado aportuguesamento do seu léxico, da sua morfossintaxe e do alfabeto utilizado na grafia das suas palavras crioulas.

Sublinhe-se, nesta concreta circunstância,  que essa alienante e desatinada transmutação linguística e essa desafinada transfiguração vocabular não logram todavia atingir, nem de perto nem de longe, os reconhecidos e inovadores méritos e as potenciais virtudes  e qualidades  transformadoras intrínsecas ao chamado português literário caboverdiano de invenção claridosa porque consabidamente propulsoras da legitimação do surgimento e da consolidação (quer em registo escrito, quer em registo oral) no chão agreste e morábi das nossas ilhas afro-atlânticas e, eventualmente, nalgumas das  chamadas ilhas da diáspora da variante caboverdiana do idioma português, actualmente a única  língua de CAabo Verde consagrada como plenamente oficial,  nos termos  do artigo nono da Constituição da República de Cabo Verde. Outrossim,  as acima referidas e por demais desqualificadas  démarches de abastardamento da língua materna caboverdiana, e cujas expressões oral e escrita podiam perfeitamente ser denominadas criouluguês e/ou portuguiolo, não possuem nem sequer carregam consigo e em si próprias as virtuosas e jocosas criatividades e  inventidades dos programas radiofónicos do célebre Nho Djunga, do anedotário lusófono de Nhu Puxim ou das crónicas literárias de Mari Preta de Nho Djunga e nem tão-pouco dos poemas e de outros textos híbridos na sua assaz conseguida fusão do português e do crioulo de Onésimo Silveira e de outros escritores  teluricistas caboverdianos.

ii. O encorajamento da institucionalização de um bilinguismo real e efectivo com a  consagração do bilinguismo oficial português-caboverdiano por via da oficialização plena (ainda que, como, aliás, proposto pelo jurista Mário Ramos Pereira Silva, inicialmente somente em modo político-simbólico e no plano jurídico-constitucional) da língua materna caboverdiana, em paridade com o português (como já referido, até agora a única língua oficial plena da República de Cabo Verde), a sua progressiva introdução no ensino oficial  e a concomitante e paulatina ocupação por parte da língua portuguesa dos espaços informais de comunicação na sociedade caboverdiana por forma a que o mesmo logre transformar-se efectivamente e cada vez mais na segunda língua dos caboverdianos radicados nas ilhas, mas obviamente que sem qualquer irrealista pretensão ouabstrusa  veleidade no sentido de algum dia o idioma luso se transformar em língua materna desses mesmos caboverdianos radicados no chão natal das suas ilhas.

3. Na verdade, a  língua portuguesa tem sido  um instrumento importante, diria mesmo indispensável e imprescindível, nas pugnas e nas  demandas da emancipação social, económica, cultural e política das gentes e das terras caboverdianas e na construção da consciência nacional do povo caboverdiano. 

Essa mesma nação que, nascida com inconfundíveis matrizes e perfis transatlânticos e paulatinamente tornada diaspórica, global e transfronteiriça, afirmou-se afectiva e primeiramente, e foi-se reafirmando cada vez mais, como pátria do meio do meio  do mar (na belíssima expressão cunhada pelo  festejado poeta nova-largadista e militante  político anti-colonial Ovídio Martins) e hoje é entendida, segundo uma visão mais crítica e predominante e insofismavelmente afro-crioulista, como nação crioula soberana e pátria africana do meio do mar do povo das ilhas e diásporas, forjado como comunidade cultural e política numa longa, atribulada e, bastas vezes, trágica História.  

Nessa odisseia histórica, as várias gerações político-culturais de letrados caboverdianos têm-se evidenciado como dignos porta-vozes e legítimos porta-bandeiras do povo caboverdiano de todas as ilhas e diásporas,  e, nessa interminável corrida de estafetas rumo a um horizonte situado num infinito cada vez mais próximo, mais digno, mais humano e mais risonho, sempre fazendo por conjugar a língua portuguesa com a língua materna caboverdiana, em ambas tentando ser autênticos e exímios no nobre intuito de neles e nas suas obras fazerem ecoar e ressoar  de forma plena e nítida as vozes, as vivências, as experiências, as aspirações,  em suma, os tempos e os modos vários de o povo das ilhas e diásporas existir e se fazer sempre presente na História  e na indagação do quotidiano, do destino e do futuro.

4. É  o que também atesta a ampla pluralização estética e estético-ideológica na evolução histórica da literatura caboverdiana com o surgimento, a partir da independência nacional, de novas e diversas estirpes literárias.

Essas novas estirpes literárias pós-coloniais podem ser inegavelmente ilustradas e exemplificadas  i. tanto nas escritas poéticas de Jorge Barbosa, Osvaldo Alcântara, Manuel Lopes, Arnaldo França, Nuno Miranda, Teobaldo Virgínio, João de Deus Lopes da Silva, Pedro Duarte, Gabriel Mariano, Ovídio Martins, Iolanda Morazzo, Onésimo Silveira, João Vário, Corsino Fortes, Timóteo Tio Tiofe, Oswaldo Osório, Mário Fonseca, Arménio Vieira, Kaoberdiano Dambará (pseudónimo de Felisberto Vieira Lopes), Emanuel Braga Tavares, Kwame Konde (pseudónimo de Francisco Fragoso), David Hopffer Almada, Viriato  Gonçalves, Jorge Carlos Fonseca, Pedro Gregório Lopes, Vasco Martins, Vera Duarte, Marino Verdeano (pseudónimo de Aristides Raimundo Lima), Kaká Barboza (nominho e pseudónimo de Carlos Alberto Lopes Barbosa), Tomé Varela da Silva, José Vicente Lopes, José Luís Hopffer C. Almada, Filinto  Elísio Correia e Silva, Danny Spínola, Valdemar Velhinho  Velhinho  (depois transmutado em Valentinous Velhinho),  José Luís (depois grafado Luiz) Tavares,  Osvaldo  Azevedo, António da Névada, Carlota de Barros, Abraão Vicente, Margarida Fontes, Domingos Landim de Barros, Daniel Ramos Mendes, Rony Moreira, José Manuel Moreno, entre outros; ii. como também nas narrativas e escritas ficcionais de autores caboverdianos, os quais podem ser integrados em dois grupos:

a) O primeiro, de feição nitidamente pós-claridosa na renovação temática e estético-formal e representado por Orlanda Amarilis (indubitavelmente pioneira nesse domínio com a colectânea de contos intitulada Cais de Sodré Té Salamansa, editada em 1974, e, depois, completada com as colectâneas de contos Ilhéu dos Pássaros e A Casa dos Mastros, nos quais explora o mundo do fantástico e do mágico-maravilhoso partindo das crenças ancoradas na mentalidade mágico-animista de proveniência tradicional e no racionalismo cristão muito marcante da cultura urbana mindelense), Arménio Vieira (com os surpreendentes romances O Eleito do Sol e No Inferno, Oswaldo Osório (com Nimores e Clara, Amores de Rua e o romance A Ilha do Meio do Mundo), José Vicente Lopes (estreado na revista Ponto & Vírgula e autor de algumas narrativas pouco comuns pelo seu enredo e desfecho imprevisíveis ou  versando grandes figuras da história literária caboverdiana, como Eugénio Tavares e Jorge Barbosa), G. T. Didial (celebrado ficcionista de narrativas de pendor metafísico-ontológico e matizes bíblícas), Fernando Monteiro (revelado no jornal Tribuna e na revista Fragmentos, como um dos mais profícuos e imaginativos cultores do fantástico na literatura caboverdiana e pioneiro no tratamento literário do emergente mundo da grande criminalidade  organizada  e vazadas nas colectâneas de contos Desassossego e Na Roda do Sexo), Dina Salústio (o primeiro rosto feminino do romance caboverdiano, com  A Louca de  Serrano, inovador em razão do teor mágico-maravilhoso e do sustentado feminismo, também visíveis em posteriores romances  da sua autoria, para além dos poemas e de crónicas/estóreas do quotidiano comprometidas com as demandas de justiça social e as causas feministas islenhas e universais),  Vasco Martins (autor de dois romances de teor nitidamente existencialista), Danny Spínola (também cultor bilingue do fantástico nas suas narrativas, para além das suas incursões ficcionais às vivências de comunidades caboverdianas ostracizadas, como os Rebelados da ilha de Santiago), Ivone Ramos (autora bilingue que, à semelhança da irmã Orlanda Amarílis,  se evidenciou pela exploração dos recessos de superstição popular e de mentalidade mágico-animista da cultura popular caboverdiana para a construção de narrativas que se espraiam pelas ilhas de São Vicente, Santiago e São Nicolau), Mário Lúcio Sousa (autor que se tem pautado pela diversidade dos  seus excursos ficcionais, por vezes sedimentados na mentalidade mágico-animista escorada na cultura tradicional caboverdiana, outras vezes na real história política das ilhas, como as suas narrativas relativas ao Campo de Concentração do Tarrafal e à vida e à morte do Morto Imortal Amílcar Cabral),  Kaká Barbosa (poeta de grande envergadura em língua caboverdiana que  nas suas incursões ficcionais lusógrafas explorou a vida e o destino de algumas figuras marginais do quotidiano da ilha de Santiago e o que de fantástico rescende de algumas crendices populares, em especial da grande ilha da  sua predilecção literária), Joaquim Arena (autor  assaz inovador no tratamento de questões relacionadas com  as novas gerações das diásporas caboverdianas, em especial das radicadas em Portugal, a  par de questões identitárias e de raça relacionadas com a busca nas ilhas e fora delas de uma caboverdianidade muito espartilhada, acossada e, por vezes, corrompida por essas mesmas questões identitárias), Tchalé Figueira (autor dotado de uma prodigiosa imaginação que tem feito as suas personagens circum-navegar o mundo todo, todavia sempre ancoradas nas suas ilhas, sendo os seus livros bastas vezes prejudicados pela deficiente revisão dos textos), Mana Guta (pseudónimo de Maria Augusta Teixeira, autora bilingue que tem privilegiado as questões feministas nos seus contos incidentes essencialmente sobre o interior rural da ilha de Santiago), podendo-se ainda agregar a essa plêiade de autores mais prolixos os nomes de, entre outros, Filinto Elísio Correia e Silva, Jorge Carlos Fonseca, Abraão Vicente  e Mário Matos.

b) O segundo, de matriz claridosa e representado por António Aurélio Gonçalves, que no período pós-colonial deu à estampa em livro a maior parte da sua obra ficcional já anteriormente elaborada na sua ossatura fundamental, e de feições neo-claridosas pós-coloniais, portador de teores estético-literários crítico-realistas e neo-realistas e incidências urbanas, suburbanas ou rurais e integrado por romancistas, novelistas e contistas vindos do período colonial ou integrantes de novas gerações cujas obras foram publicadas no  período posterior à independência nacional de Cabo Verde. Inaugurado no período pós-colonial com alguns contos de Oswaldo Osório publicados, a partir de 1977, na revista Raízes e intitulados “Amores de Rua” e com a  publicação, em 1978, do romance Ilhéu de Contenda, de Henrique Teixeira de Sousa, e prosseguido nos seus sete romances dos ciclos foguense e mindelense,  a neo-claridosidade pós-colonial nas suas diversas feições e conformações sociológicas, insulares e diaspóricas é patente nas obras de Maria Margarida Mascarenhas,  Germano Almeida (que se estreou com o pseudónimo Romualdo Cruz para assinar as suas “Estórias” inaugurais e relativas à sua ilha fantástica da Boavista publicadas na revista Ponto & Vírgula, e já, na pele ortónima de Germano Almeida, em romances que o tornaram o mais prolixo ficcionista caboverdiano da actualidade e retomam o pendor fantástico de algumas das suas  narrativas a par da sua dominante linha neo-claridosa que é inovadoramente marcada pela ironia e pelo  humor que caracterizam as suas intrigas romanescas e se espraiam por várias ilhas de Cabo Verde, com destaque para São Vicente, a Boavista e Santiago,  e por vários países de acolhimento das diásporas caboverdianas, como Angola e Portugal), Tomé Varela da Silva (autor de uma colectânea de contos em crioulo cujos enredos decorrem tanto em Cabo Verde como em Portugal), Manuel Veiga (autor do primeiro romance em língua caboverdiana), Carlos Araújo (autor de vários romances e contos, alguns deles incidentes sobre factos da história de Cabo Verde, como a escravatura ou o golpe de Estado do 25 de Abril de 1974), Gualberto do Rosário (autor de romances sobre a sua ilha natal de São Nicolau, nos quais relevam os conflitos sociais e as lutas pelo poder, ou mais recentemente, a grande criminalidade transnacional) Camila Mont-Rond (pseudónimo de Ondina Ferreira, autora de contos e novelas sobre questões coloniais e pós-coloniais, nas quais relevam aquelas relativas ao poder político e a problemáticas identitárias relacionadas com o fenótipo e a classe social), Viriato de Barros (autor de romances relacionados essencialmente com as diásporas caboverdianas radicadas em Moçambique, Portugal e Estados Unidos da América e as suas confrontações com questões atinentes à cor, à raça e à identidade cultural), Fátima Bettencourt (autora de contos e crónica incidentes sobre os modos vários de problematização das vivências quotidianas nas ilhas), Viriato Gonçalves (autor de um romance que é uma espécie de livro de memórias de um menino do campo espartilhado entre as ilhas do Fogo e de Santiago), Leopoldina Barreto (autora de uma  importante obra romanesca incidente sobre a sua ilha natal de São Nicolau bem  como as diásporas caboverdianas radicadas em França, na Holanda e em outros países europeus), Eugénio Inocêncio/Dududa (autor de dois romances, todos relevando as questões relativas à herança colonial-escravocrata na sociedade caboverdiana), Evel Rocha (autor cujas narrativas romanescas têm incidido sobretudo sobre a história e as gentes da ilha do Sal), Vera Duarte  (autora muito  focada em questões feministas e da mestiçagem cultural e biológica caboverdiana que perfaz a antropologia caboverdiana), Carlota de Barros (autora cujas narrativas incicidem primacialmente sobre os  sonhos da infância vivenciados nas ilhas e nas diásporas africanas e os seus diferentes e contraditórios desfechos). A esses autores podem ainda ser agregados, entre outros, os romancistas Samuel Gonçalves, João Lopes Filho e David Hopffer Almada e os contistas Daniel Benoni, Jorge Silva, Ludgero Correia e Jorge Tolentino (desde os  seus inícios,  ainda muito jovem, como contista colaborador das conceituadas revistas África e Raízes,  apresentando-se mais recentemente mais como ensaísta e escritor de ideias do  que como poeta ou ficcionista).

Novo nas lides literárias caboverdianas parece ser o cultivo com cada vez maior pujança da literatura infanto-juvenil, fundando-se frequentemente nas estórias tradicionais caboverdianas que perfazem grande parte da oraura e da oraliteratura de todas as nossas ilhas. Nessa área destacam-se autores fundamentalmente de rosto feminino, como, por exemplo, Orlanda Amarílis. Dina Salústio, Luísa Queirós, Leão Lopes, Fátima Bettencourt, Chissana Magalhães, Marilene Pereira, Jorge Araújo, Giselle Neves, Dai Varela, Abraão Vicente, entre muitos outros, com destaque para o recente José Luiz Tavares do livro infanto-juvenil bilingue de histórias contadas em versos perfeitamente metrificados e rimados. 

Decorre da descrição  acima feita que o surgimento de novas estirpes literárias  pós-coloniais na escrita ficcional caboverdiana ocorreu e vem ocorrendo  a par da continuidade e  da renovação das estirpes claridosas, representadas por António Aurélio Gonçalves, e da consolidação das estirpes literariamente neo-claridosas emergentes da segunda vaga claridosa e  do movimento da Nova Largada, representadas por Henrique Teixeira de Sousa, Maria Helena Spencer, João de Deus Lopes da Silva, Pedro Duarte,Teobaldo Virgínio,  Nuno Miranda,  Euclides Menezes, Gabriel Mariano, Virgílio Pires, Onésimo Silveira, Luís Romano, Maria Margarida Mascarenhas, João Rodrigues...

Ressalte-se ainda, como já referido, que uma parte dos acima referidos ficcionistas pós-coloniais, tanto os de feição pós-claridosa, como os de feição neo-claridosa, têm incidido o seu labor literário no resgate da herança afro-crioula e/ou  na reinterpretação e na desconstrução do passado colonial-escravocrata e latifundiário de Cabo Verde. São os casos de João de Deus Lopes da Silva, Manuel Veiga, Carlos Araújo, Germano Almeida, Daniel Spínola, Joaquim Arena, Inocêncio Inocêncio, entre outros, numa démarche literária que os aproxima das cogitações rememorativas insítas e insertas nos romances de temática caboverdiana O Senhor das Ilhas e Vozes do Vento, da conceituada  escritora e feminista portuguesa de origem  caboverdiana Isabel Barreno. 

5. De tudo o que vem dito pode-se, pois, concluir que tem sido de grande importância e insofismável relevância a domesticação pelos escritores caboverdianos das muitas formas literárias do português, quer nas suas feições do chamado português literário caboverdiano utilizado pela generalidade dos ficcionistas islenhos; quer no seu coloquial desassombro crítico  e satírico, nas suas iconoclastas mitografias e desconstruções dos ícones da herdada mitologia greco-latina, com Arménio Vieira, ainda que com (quase) integral e irrestrita manutenção e cabal  utilização do padrão linguístico vigente em Cabo Verde; quer na sua leveza lírica e na sua entristecida (e por vezes enlouquecida, outras vezes enraivecida) angústia, com Artur Vieira, Fernando Monteiro, Dina  Salústio (sobretudo das crónicas/estóreas de Mornas eram  as Noites), Gualberto do Rosário  e Carlota de Barros;  quer na desassossegada interpelação e na crítica interrogação das diluídas e longínquas co-matrizes  afro-latinas das contemporâneas margens, vertentes e dimensões (por vezes  petrificadas e essencializadas) e das ainda controversamente assumidas e cada vez mais consensualmente  vigentes  vestes da crioulidade caboverdiana e das suas, bastas vezes insanas, se bem que produtivas,  deambulações pelo lato e vasto mundo, em Pedro Duarte, Corsino Fortes, Mário Fonseca, Vera Duarte, Daniel Benoni, João de Deus Lopes da Silva, Manuel Veiga, Carlos Araújo, Germano Almeida, Joaquim Arena, Ondina Ferreira, Eugénio Inocêncio,  Filinto Elísio Correia e Silva, Margarida Fontes e Teobaldo Virgínio;  quer nas suas sofisticadas e neo-barrocas feições  e no seu elevado e complexo teor lexical, quase dicionarista, como vem ocorrendo com vários poetas e prosadores das mais antigas e das  mais novíssimas gerações pós-coloniais, muito cientes do uso requerido pelo vigente padrão linguístico da língua  eleita - acompanhada ou não de  outra(s) - para o labor literário, com particular visibilidade nas escritas  poéticas e literárias de Pedro Duarte, Corsino Fortes, Oswaldo  Osório, João Vário/Tio Tio Tiofe/G. T. Didial,  Jorge Carlos Fonseca, José Luís Hopffer C. Almada, Danny Spínola, Valentinous Velhinho,  Mário Lúcio Sousa,  José Luiz Tavares (que, entre os actuais escritores caboverdianos, é certamente o mais meticuloso  nessa matéria), António da Névada, João  Baptista Efígie (pseudónimo de Domingos Landim de Barros),  Daniel Ramos Mendes...

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