“Endireitar a imprensa”, o sonho dos autoritários de todos os matizes
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“Endireitar a imprensa”, o sonho dos autoritários de todos os matizes

As sociedades modernas funcionam com um sistema de filtros, desde a mais tenra idade, no sistema de ensino, há coisas das quais não se fala, por isso é que, já no fim do processo educativo, saem das nossas universidades, grosso modo, seres acríticos, sem pensamento próprio e com uma certa visão massificada do mundo. Neste caminho, a comunicação social, maioritariamente controlada por grupos de interesses económicos e/ou políticos, faz também o seu trabalho de massificação e formatação do pensamento único.

Mesmo antes de tomar posse, Donald Trump, entre outras alarvidades, deixou claro ao que vem: “Temos de endireitar a imprensa”. Mas, lá mais atrás, já havia classificado os jornalistas de “inimigos do povo”. Qualquer semelhança com a realidade cabo-verdiana não é mera coincidência!

As declarações do líder da extrema-direita mundial expressam a visão que os autoritários de todos os matizes têm do jornalismo e dos jornalistas, desde os setores mais extremistas aos cândidos cultores da “democracia liberal”.

Retomo hoje algumas ideias expressas por mim, anos atrás, sobre a falácia da liberdade de imprensa, até porque a sua atualidade é evidentíssima!

A liberdade de imprensa – um dos ícones ideológicos das sociedades ocidentais – acantona-se no conceito de democracia, conquanto nesta matéria subsistam dois pontos de vista diversos e, mesmo, absolutamente antagónicos.

Debate e participação cidadã

Segundo um dos pontos de vista (aquele no qual me revejo, mas que é completamente minoritário), assume-se uma conceção de democracia balizada no princípio de que os cidadãos devem participar de forma ativa na discussão e orientação dos assuntos que lhes dizem respeito, num contexto em que os meios de comunicação social sejam abertos ao debate e à participação cidadã, expressando com total liberdade todos os pontos de vista. Um conceito, aliás, que remonta às primeiras definições da natureza intrínseca da própria democracia.

O outro ponto de vista (massificado durante decénios, mas com maior relevância desde os anos 80 do século XX), releva um conceito de democracia musculada, onde apenas às elites e às classes dominantes está reservado o direito de participar na condução dos assuntos públicos que interessam a toda a comunidade, bem como ter garantido o acesso aos media, financiados, suportados e dirigidos pelas classes dominantes e pelos grupos de interesse sistémicos.

Neste contexto, é evidente que falar em liberdade de imprensa não passa de uma acabada falácia, de uma flagrante manipulação e perversão dos princípios fundadores da democracia.

Massificação e formatação do pensamento único

As sociedades modernas funcionam com um sistema de filtros, desde a mais tenra idade, no sistema de ensino, há coisas das quais não se fala, por isso é que, já no fim do processo educativo, saem das nossas universidades, grosso modo, seres acríticos, sem pensamento próprio e com uma certa visão massificada do mundo. Neste caminho, a comunicação social, maioritariamente controlada por grupos de interesses económicos e/ou políticos, faz também o seu trabalho de massificação e formatação do pensamento único.

O sistema nem sempre funciona, mas no essencial reproduz a carga ideológica que as pessoas transportam já desde o mais remoto início das suas vidas. Quem foge deste padrão, normalmente, é visto como problemático, inadaptado, senão mesmo louco, e os jornalistas que questionam as versões oficiais são colocados na prateleira ou alvo de orquestradas e subtis campanhas de descredibilização do seu trabalho, senão mesmo de orquestrações de assassinato de caráter. Outros, embora considerando os media uma grande farsa, ainda assim procuram aproveitar algumas brechas e fazer o seu trabalho num registo fora da formatação. Às vezes, consegue-se.

Liberdade de imprensa é valor incomensurável

A miserável campanha contra Carlos Santos, um dos mais prestigiados jornalistas cabo-verdianos, insere-se nessa lógica de ataques àquela que é a última trincheira de resistência e de defesa dos princípios republicanos, da liberdade e da democracia. E, em fim de ciclo e toldados pelo desespero de verem o poder esvair-se entre mãos, recorre-se a tudo: desde campanhas persecutórias, orientadas a partir das lideranças partidárias, até ao financiamento da delinquência digital com o propósito de atacar pessoas, propagar mentiras e manipular factos e acontecimentos.

Não é nada de novo, é apenas a repetição de velhas narrativas, que sempre receberam uma resposta adequada por parte dos jornalistas. Porque os poderes são efémeros, mas a liberdade de imprensa e o honrado ofício do jornalismo acabam sempre por se afirmar como valor incomensurável!

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