A emigração continuará, sem dúvida, a ser um elemento estruturante de Cabo Verde, mas não deve ser uma fatalidade. Se o país não conseguir criar condições atrativas para reter a sua juventude, continuará a ver partir os seus melhores elementos, em detrimento do seu futuro, como acontece na ilha do Maio. Uma política proactiva é essencial para transformar essa fuga de talentos em um fator de desenvolvimento, apoiando-se na diáspora e criando um ambiente propício ao florescimento dos jovens cabo-verdianos.Caso contrário, dentro de alguns anos, os cabo-verdianos podem correr o risco de se tornar estrangeiros no seu próprio país, pois, como no caso da ilha do Maio, muitos jovens emigram para outras ilhas ou outros países, e os aposentados europeus instalam-se na ilha para passar a sua reforma, mas na maioria dos casos não investem na ilha, não criando riqueza. Isso pode resultar, num futuro próximo, como acontece em muitos países africanos, na privatização de algumas áreas, tornando o cabo-verdiano um estrangeiro no seu próprio país.
1. Um fenómeno histórico e estrutural
A emigração é um fator importante na história de Cabo Verde, que ganhou proporções maiores com a colonização portuguesa, quando os cabo-verdianos deixaram o arquipélago à procura de melhores oportunidades económicas, nomeadamente para os Estados Unidos, Portugal, Países Baixos, França, São Tomé, Senegal, Angola e Moçambique. O período mais relevante deste fenómeno começa por volta dos anos 1940, numa época em que o arquipélago foi marcado pela fome. Atualmente, estima-se que a diáspora cabo-verdiana seja mais numerosa do que a população residente nas ilhas, sublinhando a magnitude do fenómeno.
Este fenómeno pode ser explicado pela teoria das redes migratórias (Massey et al., 1993), num contexto onde os cabo-verdianos já estabelecidos no estrangeiro facilitam a chegada dos novos migrantes, oferecendo-lhes apoio (alojamento, emprego, conselhos). Esta rede bem estabelecida contribui para fazer da migração uma dinâmica autossustentada.
De facto, segundo os dados da Afrosondagem (2024), 64 % dos cabo-verdianos consideram emigrar se a oportunidade surgir, sendo o fator motivacional a busca por uma vida melhor. Em 2017, o percentual de jovens que desejavam emigrar era de 57 %. Em 2024, esse número aumentou em 7 %. Esta população que deseja emigrar e melhorar sua vida, de acordo com o mesmo estudo da Afrosondagem (2024), é composta por pessoas com idades entre 18 e 35 anos. Podemos claramente ver que se trata da juventude cabo-verdiana, uma mão de obra considerável.
2. As razões para a emigração massiva dos jovens
Vários fatores explicam o fenómeno de emigração de muitos jovens cabo-verdianos:
Falta de oportunidades económicas: O mercado de trabalho cabo-verdiano torna-se cada vez mais limitado, especialmente para os jovens diplomados que lutam para encontrar um emprego estável, que garanta uma situação financeira estável e viável. Muitos não encontram trabalho à altura das suas qualificações. A teoria do capital humano (Becker, 1964) explica que os indivíduos investem na sua educação para maximizar os seus rendimentos futuros, mas quando não encontram oportunidades adequadas no seu país de origem, preferem partir.
Embora a taxa de desemprego tenha diminuído em Cabo Verde em comparação com 2023, continua a ser um problema, pois segundo o site https://fr.tradingeconomics.com/, a taxa de desemprego jovem em 2023 era de 23,90 %, o que significa que, nessa época, um quarto da população jovem estava desempregada, refletindo uma demanda superior à oferta no mercado de trabalho, o que leva a uma diminuição do poder de compra e uma maior precariedade. E as desigualdades sociais. Não há nada pior para um jovem que investe no seu capital académico ou humano e se vê sem emprego, pois, conforme o INE (2024), a taxa da população inativa é muito mais elevada (41,9 %), pois esta faixa da população já não procura mais emprego, por falta de esperança ou perspetiva. Nesse caso, emigrar permanece a única solução para obter melhores condições de vida e trabalho.
Penso que essa diminuição da taxa de desemprego é artificial, pois, embora haja menos desempregados, há mais emigrantes que escolhem a mala em vez da precariedade e evitam fazer parte dessa população ativa sacrificada que sobrevive num mercado de trabalho agonizante.
Essas taxas de desemprego e inatividade dos jovens mostram o desespero da juventude cabo-verdiana, que procura um futuro melhor, uma forma de ajudar a sua família e de ascender na pirâmide social. Neste sentido, o Estado de Portugal abriu uma brecha ao facilitar o acesso dos cabo-verdianos.
Em Cabo Verde, o diploma é como um bilhete de lotaria, ou seja, "muitos candidatos, poucos vencedores". Temos um ambiente propício à criação de diplomados que são "teóricos em tudo e práticos em nada". A verdadeira política de emprego para muitos jovens em Cabo Verde é a emigração para Portugal. Não se trata de um simples fenómeno migratório relacionado com a fuga de cérebros, mas sim de uma evacuação de emergência para um país onde o futuro não se resume a promessas eleitorais. Neste caso, estamos perante a tradução prática da citação de Charles Pasqua: "As promessas dos políticos só obrigam aqueles que as recebem".
No entanto, o grande perdedor é o jovem emigrante, pois ele trabalha e envia fundos para ajudar a sua família residente em Cabo Verde. Digamos a verdade: essas transferências são uma verdadeira mina de ouro para o Estado de Cabo Verde, pois financiam o nível de vida dos beneficiários, movimentam a economia e evitam uma questão fundamental para o sistema económico em Cabo Verde, que poderia ser uma reflexão sobre os fundamentos de um verdadeiro modelo económico adaptado às realidades do arquipélago e dos cabo-verdianos.
Salários baixos e elevado custo de vida: O poder de compra é baixo e os rendimentos locais não permitem viver com dignidade. A diferença entre os salários nos países de acolhimento, como Portugal, leva muitos jovens a emigrar em busca de melhores rendimentos e condições de vida. É preciso dizer, o salário mínimo em Cabo Verde não consegue garantir um fim de mês estável, pois o custo de vida está sempre a aumentar e raramente a diminuir.
Os que defendem o aumento salarial e o utilizam como argumento político não vivem com um salário mínimo que considero desumano e indigno, dada a alta do custo de vida. Portanto, neste caso, emigrar para países da Europa, onde o salário parece ser mais elevado, torna-se a única solução para os jovens cabo-verdianos ajudarem as suas famílias. Esta lógica é explicada pela teoria das diferenças salariais (Harris-Todaro, 1970), que aponta que os indivíduos migram devido às diferenças salariais e às oportunidades económicas.
Instabilidade no emprego: Muitos dos postos oferecidos são precários, com poucas perspetivas de evolução na carreira, o que aumenta o sentimento de incerteza entre os jovens trabalhadores, levando-os a querer sair do país. Um emprego estável torna-se um luxo reservado a algumas pessoas, e não aos mais competentes em geral. O contrato de trabalho sem termo torna-se, neste caso, um mito para muitos.
Assim, não se pode vangloriar de uma redução da taxa de desemprego ou de progressos no mercado de trabalho, se for necessário que alguém parta para que outro entre. Portanto, a segurança no trabalho torna-se tão frágil como uma promessa eleitoral.
Falta de perspetivas académicas e profissionais: As formações de alto nível em Cabo Verde são tão raras quanto encontrar água no deserto, forçando os jovens a sair do país para continuar os seus estudos em países onde o sistema académico é mais robusto e encontrar oportunidades mais adaptadas às suas ambições.
Pressão familiar e social: A emigração em Cabo Verde é muitas vezes interpretada pelos jovens como um percurso de luta para ter sucesso e apoiar a sua família. A teoria da migração como estratégia familiar (Stark, 1991) mostra que as famílias enviam os seus membros para o estrangeiro para diversificar as suas fontes de rendimento e receber fundos (remessas de dinheiro).
3. Uma fuga do capital humano com consequências graves
A emigração dos jovens, especialmente no que diz respeito aos diplomados e profissionais qualificados, tem consequências profundas no desenvolvimento do país. Para ilustrar, vejamos o caso da ilha do Maio, que está a esvaziar-se da sua força de trabalho. Todos os meses, temos jovens que deixam a ilha por falta de oportunidades, embora esta tenha um grande potencial para se desenvolver, mas continua a ser uma das ilhas menos desenvolvidas do arquipélago e a contribuir menos para a economia de Cabo Verde.
Se a minha ilha, Maio, contribui para Cabo Verde, é sobretudo no aumento da taxa de pobreza, do desemprego e da inatividade dos jovens, mas não para o desenvolvimento do país. Isso explica a vitória do PAICV em dezembro de 2024. O voto dos jovens nas eleições municipais passadas foi um voto pela mudança. A população do Maio escolheu a mudança em vez da estagnação.
Empobrecimento do capital humano: A fuga de cérebros priva Cabo Verde de recursos humanos essenciais em áreas chave (saúde, educação, engenharia, tecnologia), mas também afeta a mão de obra local (pedreiros, carpinteiros, empregados de mesa, gerentes de restaurantes...), que também é fundamental para o país.
A teoria da dependência (Frank, 1966) explica que essa perda de capital humano reforça a dependência de Cabo Verde em relação aos países desenvolvidos, que atraem os seus talentos.
Dependência das remessas: Embora as remessas enviadas pela diáspora sejam uma fonte importante de divisas para a economia nacional, elas não substituem a necessidade de um desenvolvimento económico local sustentável. A teoria dos sistemas-mundos (Wallerstein, 1974) mostra que essa dependência acentua as desigualdades e mantém Cabo Verde numa posição periférica, dependente das grandes potências económicas.
Envelhecimento da população: Com a saída de muitos jovens, a população cabo-verdiana está a envelhecer, o que pode agravar os desafios económicos e sociais a longo prazo. De fato, segundo o site https://www.donneesmondiales.com/, a idade média da população cabo-verdiana passou de 23,71 anos para 28,80 anos entre 2012 e 2024, o que reflete o envelhecimento da população.
Isso pode gerar sérios problemas económicos para o arquipélago em termos de mão de obra e aposentadoria e pode estar também relacionado com a emigração massiva dos jovens, pois se muitos deles deixam o país, isso pode levar ao aumento da idade média, afetando seriamente o sistema de financiamento das aposentadorias, pois as contribuições não poderão mais cobrir as pensões dos aposentados por conseguinte, isso poderá adiar a idade legal de aposentadoria ou, em alguns casos, aumentar as contribuições sociais.
4. Desaceleração do desenvolvimento económico: A ausência de mão de obra qualificada limita a capacidade do país de inovar e atrair investimentos estrangeiros. Isso pode provocar uma escassez de mão de obra qualificada em setores como a construção e o turismo, o que pode frear o desenvolvimento de certas empresas. Podemos assistir a um aumento dos custos de produção devido a uma emigração massiva, resultando na escassez de capital humano em algumas áreas, o que pode acarretar, por exemplo, a redução da competitividade entre as empresas de um mesmo setor.
O fenómeno da emigração massiva dos jovens que deixam o país por um longo período pode limitar a motivação e a capacidade das empresas de investir devido à falta de mão de obra qualificada necessária ao bom funcionamento das atividades. No plano nacional, isso pode tornar o país dependente das importações, como tem sido o caso, agravando o deficit da balança comercial.
5. Rumo a uma transformação da fuga de talentos em oportunidade?
A teoria do ciclo de vida da migração (Dustmann & Weiss, 2007) sugere que alguns migrantes qualificados partem temporariamente para adquirir experiência antes de regressar ao seu país de origem. No entanto, o retorno do capital humano continua a ser muito limitado em Cabo Verde devido à falta de condições atrativas. No entanto, existe uma abordagem mais otimista, que é a teoria do "brain gain" (Stark, 2004), que considera que a emigração dos talentos pode ter efeitos positivos se estes retornarem com novas competências ou se investirem no seu país de origem. A diáspora cabo-verdiana poderia desempenhar assim um papel chave no desenvolvimento económico do país, através de investimentos e transferências de conhecimentos.
Quais soluções para travar a hemorragia?
Para evitar que a emigração se torne um obstáculo ao desenvolvimento do país, várias estratégias podem ser consideradas:
• Criar oportunidades económicas: Desenvolver setores promissores como o digital, a economia azul e as energias renováveis.
•. Incentivar o empreendedorismo: Facilitar o acesso ao financiamento e às infraestruturas para ajudar os jovens a criar as suas empresas.
• Valorizar a diáspora: Implementar programas de incentivo para encorajar os talentos cabo-verdianos a investir ou a regressar ao país.
• Melhorar as condições de trabalho: Aumentar os salários, estabilizar os empregos e oferecer perspetivas de evolução.
Conclusão
A emigração continuará, sem dúvida, a ser um elemento estruturante de Cabo Verde, mas não deve ser uma fatalidade. Se o país não conseguir criar condições atrativas para reter a sua juventude, continuará a ver partir os seus melhores elementos, em detrimento do seu futuro, como acontece na ilha do Maio. Uma política proactiva é essencial para transformar essa fuga de talentos em um fator de desenvolvimento, apoiando-se na diáspora e criando um ambiente propício ao florescimento dos jovens cabo-verdianos.
Caso contrário, dentro de alguns anos, os cabo-verdianos podem correr o risco de se tornar estrangeiros no seu próprio país, pois, como no caso da ilha do Maio, muitos jovens emigram para outras ilhas ou outros países, e os aposentados europeus instalam-se na ilha para passar a sua reforma, mas na maioria dos casos não investem na ilha, não criando riqueza. Isso pode resultar, num futuro próximo, como acontece em muitos países africanos, na privatização de algumas áreas, tornando o cabo-verdiano um estrangeiro no seu próprio país.
Comentários
mrvadaz, 27 de Fev de 2025
Finalmente alguem esta a preocupar-se com este flagelo. Um dia destes, vamos ter de comecar a ir buscar jovens electricistas, mecanicos, pedreiros e por ai fora na Guine, Gambia Senegal e por ai se esses estiverem dispostos. Isto esta a se tornar um drama para CV.
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