Quem é ou não funcionário da administração pública cabo-verdiana?
Ponto de Vista

Quem é ou não funcionário da administração pública cabo-verdiana?

Edgar Schein, o grande estudioso da cultura empresarial, costumava dizer, nos anos 80, que quem quisesse conhecer uma empresa teria de observar os seus símbolos, os hábitos dos seus trabalhadores e, sobretudo, ouvir as histórias que lá se contam. (in Magia das palavras de Gabriel Garcia de Oro);

A premissa deste estudioso parece aplicar muito bem na administração pública cabo-verdiana, ou seja, se precisasse conhecer os problemas de recursos humanos na administração pública cabo-verdiana, fale com as pessoas, nada melhor de que ouvir as pessoas.

Por exemplo, sabia que na administração pública cabo-verdiana são exigidos os mesmos perfis técnicos para ingresso a todos os servidores do Estado, desempenham as mesmas funções, têm os mesmos deveres, e, entretanto, não têm os mesmos direitos? Sabia que a fonte de financiamento de salários é um dos fatores de diferenciação desses direitos?

Ora, os servidores do Estado que auferem os seus salários através do orçamento de funcionamento estão em vantagem em relação aos que auferem os seus através dos orçamentos de projetos de investimentos. Esses últimos são até apelidados de não funcionários, não têm direito ao aumento salarial, não têm direito ao desenvolvimento na carreira.

Será essa a intenção do legislador? Estamos em crer que não.

Interessa-nos nesse particular, as políticas de gestão de recursos humanos na administração pública cabo-verdiana, com enfoque no conceito funcionários e os seus direitos enquanto servidores do Estado, uma vez que, esse conceito tem sido objeto de muita celeuma nas interpretações e decisões, o que acaba por afetar grandemente a vida destes e daqueles que os rodeiam.

Esse tema é complexo e não esgota num único artigo, porquanto, queremos dar a nossa modéstia contribuição, abrindo assim uma porta para debates e esclarecimentos em torno desse e outros assunto conexos.

Para não recuar tanto no tempo, tomemos como ponto de partida, o Decreto lei nº 154/81 de 31 de dezembro, que segundo a nossa pesquisa foi o primeiro instrumento de gestão de recursos humanos “Plano de Cargos, Carreiras e Salários” que sucedeu o Estatuto de Funcionalismo Ultramarino nesta matéria em particular.

Ora, este diploma agrupou os Servidores do Estado em (1) Pessoal do quadro Comum, (2) Pessoal do Quadro Privativo, (3) Pessoal do Quadro Especial, com as suas respetivas categorias, (artigo nº 1º Supl. B.O. nº52 de 32 de dezembro de 1981).

Em 1992, marca-se uma nova era, com a aprovação do Decreto-Lei nº 86/92, de 16 julho, que estabelece os princípios, regras e critérios de organização e estrutura do Plano de Cargos, Carreias e Salários – (PCCS), aplicável aos agentes da administração pública. (Revogado pelo Decreto nº 9/2013 de 26 de fevereiro PCCS).

O nº1 do artigo 4º deste decreto-lei estatuía que os cargos públicos podiam ser assegurados em regime de carreira, através de nomeação (A nomeação produz efeito com a tomada de posse do nomeado e conferia ao interessado a qualidade de funcionário artigo nº11 da lei nº102/IV93, de 31 de dezembro) ou em regime de emprego, mediante Contrato Administrativo de Provimento que conferiria ao contratado a qualidade de agente administrativo. (nº 20 do artigo 2º da lei nº 102/IV/ 93 de 31 de dezembro, revogado, pela Lei 42/VII/2009 de 27 de julho nº4 de artigo 101º).

O mesmo diploma dizia que o desempenho de funções públicas que correspondiam às necessidades permanentes e próprias dos serviços e que exigia a qualificação técnica, técnico-profissional ou formação especifica, deveria ser assegurado por pessoal em regime de carreira, todavia, abriu a possibilidade para contrato administrativo de provimento, sempre que a natureza das funções ou as necessidades dos serviços justifiquem, designadamente quando não existir um corpo de funcionários suscetíveis de assegurar determinados serviços ou tratando- se de novas funções assumidas pela administração ou que necessitam de conhecimento técnico altamente especializado.

Nesta senda, o contrato administrativo de provimento, ao nosso ver, era uma prerrogativa atribuída ao serviço, para preencher as necessidades de momento, no pressuposto de que o serviço iria a curto prazo criar as condições para assegurar recrutamento e seleção em regime de carreira;

Uma terceira alternativa foi o contrato a termo para exercício de funções públicas que não correspondiam às necessidades permanentes e próprias do serviço.

O contrato trabalho não integrava o quadro, mas assegurava com carater de subordinação a satisfação das necessidades transitórias do serviço de duração determinada, e a lei previa apenas para categorias igual ou inferior a Referência 5/A, categoria de auxiliar administrativo (atualmente equiparado a pessoal operacional II, Decreto lei nº9/2013 de 16 de fevereiro-PCCS),

O contrato de trabalho poderia ser celebrado nos seguintes caso (a) substituição temporária de funcionário ou agente (b) Atividades sazonais, (c) Desenvolvimento de projetos não inseridos nas atividades dos serviços, (d)Aumento temporal excecional e temporário de atividade do serviço.

Portanto, nesta perspetiva, restou-nos identificar três tipos de servidores do Estado:

  1. O funcionário – Nomeado em regime de carreira
  2. O Agente administrativo – por contrato administrativo de provimento
  3. Contratado a termo – contrato com carater transitório (temporário)

A Lei nº 42/VII/2009, de 27 de julho, que define as bases em que assenta o regime da função pública estatui no nº 2 do artigo 4º, que a função pública é desempenhada por um corpo de profissionais que, com subordinação à hierarquia e disciplina, mediante a retribuição, exercem funções próprias do serviço de natureza permanente, sujeitos ao regime de direito público, ou transitório, sujeito a regime do contrato de trabalho.

A lei em apreço, enquanto diploma que regula as opções político-legislativos fundamentais, diretivas e limites do regime jurídico do pessoal que trabalha na administração pública veicula que o termo funcionário abrange não só o funcionário em sentido restrito (ou seja aquele que é provido em regime permanente na Função pública por nomeação), mas também o próprio agente administrativo (vinculado por contrato de natureza transitória), ficando deste modo englobado no conceito todos os servidores do Estado, naturalmente com exceções que especialmente forem previstas na lei (Decreto lei nº54 /2009, de 7 de dezembro, na nota introdutória ).

O nº 4 do artigo 101º do referido diploma converte o contrato administrativo de provimento em contrato a termo, entretanto, tal conversão não inibe os direitos adquiridos nomeadamente as progressões (desenvolvimento de carreira na horizontal) nos termos do Decreto regulamentar nº13/93 de 30 de agosto. (com a aprovação do Decreto lei nº9/2013 de 16 de fevereiro-PCCS, a progressão cede lugar ao abono de desempenho).

De 1981 até 2009, no concernente à evolução nas carreiras, os servidores do Estado que auferem os seus salários através do orçamento de funcionamento tinham direitos a progressão e promoção, conforme abaixo discriminados:

  1. Funcionário nomeado em regime de carreira tinha direito à progressão (na horizontal) e promoção (na vertical),
  2. Agente Administrativo - com contrato administrativo de provimento, em regime de emprego com direito apenas à progressão. (horizontal),
  3. Contatado a termo – titulo transitório (sem direito a progressão e promoção)

O Decreto nº 9/2013, de 26 de fevereiro (PCCS) em vigor, que estabelece os princípios, regras e critérios de organização, estruturação e desenvolvimento profissional dos funcionários da administração pública em regime de emprego e carreira, trouxe inovações importantes, que, se aplicadas, fariam a justiça e trariam equilíbrio para os servidores do Estado em regime de carreira e emprego, desde que não seja posto de lado os contratados no âmbito dos orçamentos de projetos de investimento. Não sendo dessa forma é preciso que o estado repense a modalidade de recrutamento e e definição de salários para pessoal dos projetos de investimentos.

As inovações aí referidas têm de ver com promoção para pessoal de carreira e abono de desempenho para pessoal em regime de emprego, mediante critérios claramente definidos no presente diploma.

Decorrido 6 (seis) anos da publicação do Plano de Cargos, Carreiras e Salários, muito pouco ou nada se fez para a implementação efetiva desse instrumento de gestão de recursos humanos, bem como os outros diplomas complementares, nomeadamente o sistema de avaliação do desempenho. (Decreto lei nº58/2014 de 04 de novembro).

As direções de recursos humanos, os tribunais, cremos nós também a DNAP estão todos infestados de pedidos de progressões, (a progressão foi extinta, mas a quem revindica os direitos adquiridos) sem qualquer resposta ou andamento.

O que falhou?

Quanto a nós o que faltou é vontade política de sucessivos governos que, apesar dos discursos de intenções, não conseguiram colocar recursos humanos no centro das atenções na Administração Pública Cabo-verdiana.

Esperamos que o tema seja pertinente, caro leitor, e se assim for, brevemente estaremos consigo com outros temas relacionados.

*Técnico Sénior, licenciado em Gestão de Recursos humanos

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