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Formação Profissional e Mercado de Emprego. Os processos de transição/inserção dos jovens na Vida Activa
Ponto de Vista

Formação Profissional e Mercado de Emprego. Os processos de transição/inserção dos jovens na Vida Activa

Ao analisarmos esta problemática Formação Profissional versus Mercado de Emprego, não podemos deixar de a situar num quadro político, económico e social em que as regras gerais são ditadas pelo poder instituído e em que a dependência financeira por parte dos agente são muito significativos.

O reforço da competitividade e o reforço da coesão social são dois objectivos estratégicos para o desenvolvimento do país. Mas só fazem, do meu ponto de vista, verdadeiro sentido se forem concretizados de forma estreitamente articulada. As questões do emprego e da formação são a este respeito absolutamente centrais. E são-no ainda mais para Cabo Verde, cujas carências em matéria de formação são sobejamente conhecidas e cujo mercado de trabalho se caracteriza tradicionalmente por níveis baixos de produtividade e de salários – características em parte reenviáveis, aliás às carências no capítulo da formação.

Neste sentido, o tratamento da relação salarial já não pode realizar-se apenas numa perspectiva de mobilidade, mas, fundamentalmente, de flexibilidade, uma vez que aquela já não é suficiente para fazer face à crise actual do emprego.

De facto, a referência tradicional ao pleno emprego e ao valor conferido ao "emprego para toda a vida" dilui-se no insuficiente e precário mundo do trabalho actual. Este caracteriza-se, segundo as teorias da segmentação e do dualismo (Doeringer e Piore, 1971 e Piore e Berger, 1980), por uma profunda pluri segmentação, a qual se polariza em torno de dois segmentos fundamentais. Um, primário, constituído, geralmente, pelos indivíduos possuidores de níveis de formação escolar e profissionais elevados, aos quais as empresas oferecem condições de trabalho atraentes, nomeadamente aos níveis salarial, promocional e contratual. Outro, secundário, que agrega os sujeitos com baixos níveis de qualificação escolar e profissional que se encontram em situações de desemprego, ou emprego precário.

É em particular para este último segmento - que engloba, em grande parte, os jovens, as mulheres, os desempregados de longa duração (DLD), os indivíduos com deficiências motoras e os trabalhadores pouco ou sem qualificação profissional que as políticas do emprego e formação terão de se direccionar.

Todavia, existem diferenciações nacionais nas formas de organização salarial, as quais não resultam unicamente da heterogeneidade da procura do emprego. A abordagem societal (Maurice, Sellier e Silvestre, 1982) permite precisamente dar conta dessa heterogeneidade, através, em particular, de uma análise alargada do mercado do emprego às suas componentes de carácter sociológico e institucional, a qual, quando combinada com elementos de outras perspectivas, nomeadamente com a teoria da regulação (Aglietta, 1982 e Boyer, 1986) (que enfatiza a lógica económica e do capital) e a teoria da segmentação (que salienta o papel das empresas na estruturação do mercado do emprego), enriquece teórica e analiticamente o modo como equacionamos a própria construção da relação salarial e as mutações de que vem sendo alvo, inserindo-a nos diferentes contextos nacionais e regionais/locais.

Incidindo a nossa análise na avaliação dos processos formativos orientados para jovens, é fundamental ter presente que a perspectiva teórico-analítica que aqui se defende assenta no pressuposto segundo o qual os jovens se, por um lado, partilham a característica de pertencerem a uma faixa etária determinada, a qual é, por si só, discutível, por outro apresentam diferenciações nomeadamente de ordem económica, social, cultural e relacional; daí se privilegiar o conceito de "juventudes" (Grácio, 1988 e Ferreira, 1993).

No seio desta problemática também os critérios que definem a passagem da "condição social de jovem" à "idade adulta" nem sempre são consensuais.

No entanto, poder-se-á apontar no ingresso na vida activa como um elemento de transição, já que é através deste que se concretiza uma certa autonomia face à família de origem, tanto em termos económicos, como habitacionais. Quando a Juventude é considerada na sua diversidade, as vertentes a ter em conta no acesso à vida adulta são, elas próprias, diferenciadas e flutuantes. Todavia, uma tendência comum delineia-se nas sociedades ocidentais contemporâneas com o adiamento da entrada dos jovens no mercado de emprego, bem como do acesso a uma condição profissional estável e duradoura, o que se traduz, no domínio da vivência social, num prolongamento da condição social de "jovem". Tal resulta, entre outros factores, por um lado, da alongada permanência no sistema escolar e, por outro, das dificuldades de transição/inserção dos jovens no mercado de emprego, dadas algumas das características actuais dos sistemas produtivos. Entre estas salientamos as decrescentes necessidades de mão-de-obra, os novos perfis profissionais exigidos pelos processos de inovação tecnológica e organizacional e a forte tendência para a adopção de formas várias de flexibilização na gestão dos Recursos Humanos (GRH), entre outras. Neste contexto sócio-produtivo, importa ter presente o conceito de "jovens-adultos" (Drancourt e Berger, 1995: 8), ao englobar os sujeitos que, apesar de terem passado os limites da designada "juventude", em termos biológicos e estatísticos, ainda se encontram numa fase de transição por estarem desempregados ou em situações de emprego precárias, sendo estas últimas características dos denominados "desempregáveis" (Lima e Silva, 1986: 170).

Os jovens encontram-se, deste modo, sujeitos a uma transição/inserção tardia no mercado de emprego, constituindo a transição "a expressão do movimento geral de precariedade das situações que afectam principalmente os jovens e que é particularmente visível nas suas trajectórias" (Rose, 1996: 66). Impõe-se pois uma nova problematização que procure dar conta, em termos descritivos e explicativos, da maior fluidez das fronteiras que separam o fim da trajectória educativa/formativa e o início da vida profissional.

Este período poderá contemplar momentos de procura activa de emprego, de ocupação de um ou vários empregos mais ou menos instáveis, de melhoramento das potencialidades de inserção através da formação profissional ou mesmo situações de inactividade total (Rose, 1984:).

Importa ter presentes as condições sociais e históricas que impulsionaram o discurso de carácter teórico sobre a inserção. Desenvolveu-se num contexto de pleno emprego, no qual se considerava que o mercado do emprego era composto por empregos disponíveis, duradouros e garantidos, sendo o desemprego atribuído a certas anomalias e disfunções verificadas no sistema educativo formal ou derivadas das características sociopsicológicas e rácicas do próprio indivíduo. Segundo Esteves (1988), trata-se de uma perspectiva verdadeiramente individualista, tanto em termos analíticos, como terapêuticos. A juventude é entendida homogeneamente, sendo constituída por indivíduos do mesmo escalão etário e com uma cultura muito própria, geralmente caracterizados por valores de aversão ao trabalho ou de inadaptação aos ritmos e lógicas do sistema produtivo.

Por sua vez, optar pela abordagem da "transição ao trabalho" implica centrar a análise no movimento de transferência, sem referência ao ponto terminal, pois são a incerteza e a instabilidade que pautam as situações profissionais.

Baseando-nos nos contributos das duas propostas, adoptamos uma perspectiva analítica de cruzamento dos discursos teóricos da "transição" e da "inserção" no mercado de emprego enquanto processos diferenciados de análise da relação formação/emprego. O conceito de "transição" ao mercado de emprego é utilizado para designar quer as situações de entrada na vida activa, quer os percursos profissionais que apresentam como característica fundamental a precariedade da relação salarial. Pelo contrário, a "inserção" remete para a estabilidade e segurança das situações de emprego e, consequentemente, para trajectórias profissionais marcadas por traços de não precariedade.

Segundo Rose (1984), a vulnerabilidade dos jovens ao desemprego é um facto inquestionável. No entanto, é também entre eles que se verifica um grau de "empregabilidade" mais elevado, dadas as significativas taxas de rotação. Logo, os fluxos entre emprego, desemprego e formação são igualmente intensos. Se isto é verdade, também o é o facto de os jovens se submeterem mais facilmente do que outras categorias da população às condições de precariedade impostas pelas empresas, quer por possuírem qualificações insuficientes e/ou falta de experiência profissional, quer devido à fraca oferta específica de emprego. Neste sentido, poder-se-á afirmar que os jovens têm mais dificuldades de estabilidade e segurança laboral e, logo, de inserção na vida activa, do que propriamente de transição ao mercado de emprego.

Apesar desta tendência geral, torna-se importante ter em consideração as descontinuidades que marcam a transição dos jovens à vida activa, na medida em que constituem uma categoria populacional socialmente heterogénea. Constata-se que a existência de várias juventudes está igualmente associada a uma variedade de percursos de transição ao trabalho, bem como de inserção na vida activa. Aqui importa ponderar as condições de partida e de chegada no processo de transição profissional, visto que nem todos os jovens realizam a sua transição ao trabalho com um idêntico poder de negociação. A segmentação do espaço de partida repercute-se na segmentação do espaço de chegada das trajectórias profissionais (Prieto, 1994).

As redes sociais detêm, assim, um papel fundamental na estruturação dos movimentos da mão-de-obra, e logo, nos processos de transição, fundamentalmente ao nível do mercado externo, isto é, nos processos de mobilidade dos agentes no mercado de emprego. É assim que, dada a conjuntura económica e demográfica que caracteriza as sociedades actuais, torna-se necessário não só investir em capital escolar, como igualmente, e cada vez mais, em capital relacional.

De forma relativamente esquemática, pode afirmar-se a existência de dois tipos básicos de recursos para aceder a um emprego: os meios formais que incluem, entre outros, o recurso aos anúncios da imprensa, a agências ou empresas especializadas em colocação e aos centros do emprego; os meios informais que abarcam, nomeadamente, o apoio de amigos ou familiares.

Tem-se constatado uma maior eficácia destes na transição ao mercado de emprego, pois a sua utilização pelos indivíduos pressupõe apenas a mobilização de redes sociais diversas (Santos, 1991).

Seguindo os pressupostos analíticos de base já equacionados, postulamos que, apesar do poder de negociação diferenciado dos jovens face às condições disponibilizadas pelo mercado do emprego, as empresas possuem um papel determinante nos processos de alocação da mão-de-obra. Segundo Rodrigues (1988), a dinâmica dos fluxos populacionais no espaço profissional é marcada pela interacção entre a procura do emprego por parte dos indivíduos e a oferta emanada do sistema produtivo. Nesta confrontação, quem domina é a oferta do emprego devido ao seu poder de selectividade e mobilização, apesar de existir sempre um certo grau de "autonomia relativa" (Idem: 60) dos agentes na escolha do rumo das suas trajectórias profissionais. Assim as disparidades do uso da mão-de-obra resultam mais do facto de serem funcionais do ponto de vista das empresas do que das singularidades individuais (Rose, 1984: 95).

A GRH desenvolvida no interior das empresas tem em conta o contexto regional/local do mercado de emprego, optando aquelas por implementar políticas de gestão da mão-de-obra mais ou menos flexíveis de acordo com o referido contexto. Daí o recurso a formas precárias do emprego (tais como os contratos de duração determinada ou a prestação de serviços), que permitem, mais facilmente, adaptar a quantidade de mão-de-obra ao volume e gamas de produção solicitados pelo mercado. É, deste modo, a própria dinâmica económica, e não apenas a do mercado de emprego, que está na base da criação do emprego.

O Estado constitui também um agente institucional importante no domínio da transição/inserção dos jovens na vida activa, o qual, face à necessidade de repartição dos sujeitos potencialmente activos de acordo com a quantidade de empregos existentes, se depara com um desfasamento entre a procura e a oferta de emprego. Para, tanto quanto possível, minorar este fosso, incrementa políticas de ensino/formação e emprego, tais como a promoção de cursos de formação para desempregados ou de criação do próprio emprego. Só que tais medidas acabam, muitas vezes, por ter um efeito perverso, na medida em que podem constituir apenas uma solução de recurso alternativa à vivência do desemprego. Por outro lado, a política de emprego influi de forma determinante na dinâmica dos stocks e dos fluxos da população, que ocorre em função das características sociais da mesma. Entretanto, importa não negligenciar o facto de a política de emprego dever estar articulada com as restantes políticas sociais e económicas, nomeadamente no caso particular da nossa análise — com a política de formação.

Deste modo, no processo de transição/inserção no mercado de emprego presencia-se a intercepção de vários agentes que vão desde os próprios indivíduos, até às empresas, passando pelo Estado. Daí a importância do conceito de "organização da transição profissional" que trata dos "mecanismos e processos mais ou menos institucionalizados que contribuem para modificar as formas desta transição". Uma das formas mais institucionalizadas é constituída, designadamente, pelos denominados intermediários de transição que são instituições que têm como actividade principal a colocação de mão-de-obra. E o caso dos sistemas de formação que procuram associar directamente a função tradicional de formação a uma actividade de transição profissional, bem como das iniciativas estatais com vista à inserção profissional, nomeadamente por intermédio de medidas legislativas.

Cidade do Mindelo, 26 de agosto de 2019

*Mestrado em Gestão Educativa

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Redação