• Praia
  • 29℃ Praia, Cabo Verde
Compartilhando a dor...
Ponto de Vista

Compartilhando a dor...

-- Homenagem ao Primeiro Sargento Arlindo, Primeiro Cabo Ailton, Segundo-Cabos Hernany, Igor, Moisés; e aos Soldados Gilmário, Humberto e Cleyton.

Com 57 anos de idade, me identifico muito com as Forças Armadas de Cabo Verde por alguns motivos. Temos a mesma idade, embora nascidos em anos diferentes. Também nasci num dos países da América, vindo depois residir em Cabo Verde, sendo a mesma situação das Forças Armadas que nasceu na América Central, mais precisamente em Cuba. Outra forma com a qual me identifico é com a vontade de servir, inserido em todo o contexto da entidade militar, o qual também faz parte da minha experiência de vida. Sei que algumas vezes tanto para mim quanto para as Forças Armadas o servir é um ato obrigatório, mas em nada tira o seu valor e brilhantismo. Obviamente me agrada que no lema da conhecida entidade Castrense faça parte o “Lutar e Vencer” e o tempo juntamente com o espaço não permite aqui discorrer sobre esse binômio. Entretanto tenho uma outra identificação com a tropa que passa por algo que é dos mais desagradáveis: a fatalidade. Recentemente, exatamente na manhã do dia 2 de Abril durante a mensagem que trouxe em nossa Igreja,  ao abordar esse assunto fiz uma breve pesquisa online sobre o significado dessa palavra, e encontrei a seguinte descrição:

“Característica ou particularidade do que é fatal.

Aquilo que não se consegue evitar; fado ou fatalismo.

Circunstância marcada por uma infelicidade; desgraça.”
Ao aparecer uma palavra na definição com a qual não estava familiarizado, fui em busca do significado da mesma: fado! “Aquilo que tem que ser; o que acontece independentemente da vontade humana; destino, sina, vaticínio, oráculo, profecia.” Fiquei espantado. E naquela manhã de Abril, os que acompanharam a mensagem online no Facebook em nossa página,  intitulada “Resposta a uma pergunta difícil!” se deram conta de que por mais triste que seja, por mais infeliz que possa ser, as fatalidades vão sim ocorrer e não há nada que eu ou qualquer outra pessoa possamos fazer para lhes impedir! Sei o que isso significa pessoalmente por ter passado por situações assim. A mais marcante inclusive saiu na Comunicação Social através de reportagem no Jornal da Noite da RTC, quando minha esposa bateu na traseira de um auto-carro em frente o antigo depósito do BCV na Praia da Gamboa. Naquela fatalidade, quase perdemos o nosso filho mais novo, com 11 anos que ficou encarcerado, preso, nas ferragens... Obviamente para os “críticos de plantão” uma mulher conduzindo uma Hyace de 16 passageiros, que bate na traseira de um auto-carro, está totalmente errada. Escusado mencionar que o sentinela em frente ao Banco, as câmeras de vigilância naquele local e as pessoas no veículo, bem como alguns no auto-carro, viram quando um taxi passou por detrás da Hyace, lhe arremetendo na traseira do auto-carro que estava parado pegando passageiro num lugar totalmente errado. Mas isso não pode fazer parte da narrativa pois vai na contra mão da “lógica”: uma mulher que bateu atrás de um outro veículo significa que está errada.

Assim, a fatalidade que por si só já é cruel, horrível, um enorme sofrimento por quem por ela passa, ainda ganha áreas de tragédia por conta das narrativas desmensuradas e muitas vezes levianas na busca de se encontrar respostas para o inexplicável, aumentando ainda mais a dor de tais momentos. Sofremos calados. Mas conscientes de que nenhuma mãe não atiraria um veículo com o seu filho mais novo servindo de escudo nas traseiras de um auto carro se algo maior não tivesse lhe impulsionado por trás. Tal sujeito oculto evadiu o local e ninguém até hoje se interessou em encontrá-lo. A bem da verdade, encontrar o sujeito não amenizaria a dor pela qual meu filho fisicamente passou, nem a dor que passamos e convivemos emocionalmente ao longo desses anos. Tal fato apenas adiciona ingredientes ao cenário da fatalidade. Por mais que resista em admitir, aqui está outra semelhança de minha parte com as Forças Armadas, que numa escala muito maior tem sofrido com aquilo que é definido como “Característica ou particularidade do que é fatal. Aquilo que não se consegue evitar; fado ou fatalismo. Circunstância marcada por uma infelicidade; desgraça; Aquilo que tem que ser; o que acontece independentemente da vontade humana...” Tenho absoluta certeza, e maior respeito ainda pela pessoa do Primeiro Cabo Ailton, pessoa com quem tive o prazer de conviver e utilizar de sua bondade e presteza em tudo que fazia, que se ele pudesse hoje se defender verbalmente, diria como não houve nada que ele poderia ter feito para evitar tamanha perda, que mesmo com o sacrifício de sua própria vida, não pode evitar essa horrível fatalidade. Sinceramente posso apenas imaginar, de uma maneira muito pequena comparado com a imensa realidade do que verdadeiramente é, a dor da esposa e dos filhos que ficaram, como todos nós, sem respostas mas pior ainda sem o ente querido. Dor essa compartilhada e aumentada pelos familiares dos outros 7 que perderam suas vidas naquela tarde do dia 2 de Abril. Se houvesse algo que euzinho pudesse fazer para evitar esse acontecimento, faria sem titubear, ainda que custasse a minha própria vida. Mas nada posso eu ou qualquer outra pessoa fazer para retroceder e impedir o que ocorreu naquele dia, que podia ser ainda muito pior, houvera não havido livramento para os outros 23 soldados que ali também se encontravam. Não tenho como explicar. Apenas pedir a DEUS o conforto para os familiares que perderam os entes queridos, pessoas com as quais tive o privilégio de conhecer e conviver, e a tristeza de ter que ir resgatá-los. Nunca havia passado por tal situação em todos esses anos de vida. Mas era o mínimo que poderia fazer em respeito a todos eles, acompanhá-los post mortem e também procurar apoiar os que sobreviveram a essa tragédia. Continuo mais do que nunca pedindo a DEUS por todos os integrantes das Forças Armadas de Cabo Verde, rogando a DEUS consolo aos familiares que perderam seus entes queridos e total recuperação aos que foram feridos. Não há nada que possa fazer para amenizar a dor e sofrimento de todos os envolvidos. Mas posso crer e creio, que DEUS pode. Em total depedência dELE, é o que faço, implorando a ajuda Divina nesse momento que procuro compartilhar da dor. Sim, somente DEUS sabe o que isso realmente é, pois no Salmo 10 verso 4, a Bíblia diz:
“Mas Tu (DEUS) enxergas o sofrimento e a dor; observa-os para tomá-los em Tuas mãos. A vítima deles entrega-se a ti; tu és o protetor do órfão.”

 

Reverendo Luiz Roberto Nunes

Voluntário nas Unidades das Forças Armadas de Cabo Verde

Partilhe esta notícia