O antigo embaixador, Luís Fonseca, que lutou pela independência e que o regime colonial prendeu, disse esta segunda-feira, 28, estar “indignado” com o discurso com que o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, abriu as comemorações dos 50 anos de soberania.
“É claro que me sinto indignado, a minha indignação não passou “, referiu à Lusa, depois de se ter expressado através de uma publicação na Internet, após a cerimónia de sexta-feira, na ilha de São Vicente.
“Chegámos a um ponto em que se pretende comemorar a mais importante data da história de um país” sem que “os protagonistas, as organizações que tomaram parte nesse processo” sejam tidos em conta, “como se não tivessem existido”, referiu.
Luís Fonseca criticou a falta de referências, no discurso, a Amílcar Cabral, ao Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a “todo o processo da luta de libertação nacional” que considerou ter sido “ignorado”.
Fonseca apontou que até o embaixador de Portugal em Cabo Verde, João Queirós, reconheceu o papel de Amílcar Cabral e da luta pela independência, num discurso na mesma cerimónia, para questionar: “como é possível ser ignorado” pelo líder do Governo do país pelo qual combateu?
“Alguma coisa está a destoar. Francamente, não consigo entender, mas não serei a única pessoa: tenho recebido muitas manifestações de apoio. Não pude ficar calado”, disse.
Luís Fonseca considerou existir “um ressentimento, um despeito” por falta de protagonismo em “alguma coisa digna de registo" que "faz perder a noção da realidade”.
Questionado sobre se se trata de uma crítica ao primeiro-ministro, respondeu: “não apenas ele”, mas outras pessoas, com “atitudes no parlamento, nos órgãos de imprensa, nas declarações, nas formas de se esquivar a factos e personalidades históricas deste país”.
“Quando isso é transferido para a gestão de um Estado, as consequências podem ser extremamente nocivas e eu acho que é o que se está a verificar”, apontou.
A luta pela independência (1975) e a abertura ao multipartidarismo (1990) são temas que frequentemente geram debate entre diferentes figuras no Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e do Movimento pela Democracia (MpD), as duas forças que se alternam no poder, no arquipélago.
Mas Luís Fonseca disse que este episódio tem outros contornos: “O PAICV não fez nenhuma declaração, parece estar confortável com a situação”, referiu.
O antigo diplomata considera haver uma “tentativa de apagar a história: é algo que, se calhar, se está a passar por todo o mundo. Parece haver uma ofensiva perversa de falsificação da história para embrutecer as pessoas e assim escamotear ou justificar as injustiças, subjugando povos e nações a interesses privados cada vez mais desumanizados”.
Questionado sobre se não será cedo para criticar comemorações que ainda estão no início, Fonseca referiu que, “quando a abertura oficial é feita pelo mais alto representante do governo, o tom é dado pela primeira declaração que é feita e foi absolutamente desastrosa”.
“Se é possível retificar, eu não posso dizer, mas a partir daí as perspetivas não são nada favoráveis”, acrescentou.
O discurso de Ulisses Correia e Silva, também presidente do Movimento pela Democracia (MpD), evocou, na sexta-feira, a nação com mais de cinco séculos, que foi colónia, que combateu e conseguiu tornar-se independente e que em 1991 fez as primeiras eleições livres, naquilo que classificou como um “percurso de resiliência” que é “motivo de orgulho” – fazendo a ligação ao slogan das comemorações, "Cabo Verde, nosso orgulho, nosso futuro".
Noutro excerto, o chefe do Governo aludiu aos que fizeram “as lutas pela libertação”, que eram jovens, acrescentando que os jovens de hoje devem construir a sua própria história.
Luís Fonseca está à beira de completar 81 anos e foi o antigo secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), entre 2004 e 2008, período antes do qual foi representante de Cabo Verde junto das Nações Unidas, União Europeia e liderou diferentes áreas dos negócios estrangeiros do arquipélago.
Participou na luta pela independência de Cabo Verde, na clandestinidade, e passou pelas prisões do Fortim (São Vicente), Praia e Tarrafal, na ilha de Santiago.
As celebrações dos 50 anos de independência, organizadas pelo Governo de Cabo Verde, decorrem até dezembro e o ponto alto está previsto para o dia 05 de julho, Dia da Independência, com uma sessão especial do parlamento, na capital, Praia.
Comentários
pedro amado+, 29 de Abr de 2025
Não é de esstranhar,da boca deste sr.ulisses correia e silva,bem dos seios companheiros do mpd,mitas vezes tem demostrados que querem apagar a historia. historoa pode ser esquecida,mas apaga´la é impossivel.
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