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Responsabilidade governativa. Uma imposição legal e política
Editorial

Responsabilidade governativa. Uma imposição legal e política

Em todos os países do mundo, o setor dos transportes é considerado a menina dos olhos do processo governativo. A capacidade de um país se comunicar, dialogar e interagir com os seus parceiros e com os seus cidadãos, mede-se, entre vários outros parâmetros, pela dinâmica e pelo grau de desenvolvimento do setor dos transportes. Nenhum processo de desenvolvimento consegue atingir os seus objetivos se não se dispensar uma atenção particular e holística ao setor dos transportes.

Como a defesa, a segurança, a justiça, a educação, a saúde, consideradas funções tradicionais do Estado, o setor dos transportes também não fica para trás, dependendo das características de cada país, onde a localização geográfica assume um papel preponderante.

Nenhum Estado que se preze consente com a ideia de remeter um setor tão importante como os transportes para um plano secundário, pondo em risco a sustentabilidade económica e social da nação que se propôs desenvolver e servir.

O setor dos transportes exige, em todas as latitudes, uma atenção e um empenho particular dos poderes públicos, ocupando uma centralidade legítima na alocação dos recursos do Estado.

Apenas mentes perturbadas e alheias ao verdadeiro papel do Estado no processo de desenvolvimento, seriam capazes de considerar que investir nos transportes, sobretudo quando os resultados financeiros são negativos, é deitar dinheiro fora, ou comprometer o futuro de um país. Os lucros dos setores públicos estatais são, em primeiro lugar, a satisfação das necessidades da coletividade. Isto é básico. Os Estados não visam o lucro, mas sim o crescimento económico, que, por sua vez, conduz ao desenvolvimento, este traduzido no aumento do índice da qualidade de vida das pessoas. Os Estados não são empresas, não trabalham para o lucro, mas para as pessoas.

Ora, partindo desta premissa, conduzir fundos públicos para a garantia de um transporte, aéreo, marítimo e terrestre, capaz de responder à demanda popular, promover o investimento público, alavancar o negócio privado e melhorar a qualidade de vida do cidadão, é tudo o que se espera de um Estado que se afirma digno das suas funções e competências.

Os órgãos do poder político são eleitos para realizar a vontade popular, promover o interesse público e alavancar as potencialidades e riquezas do Estado, através da conceção e desenvolvimento de programas, projetos e ações capazes de projetar o país para outros patamares e realizar os legítimos sonhos dos cidadãos, observando o quadro legal estabelecido e prestando contas nas instâncias próprias.

A responsabilidade governativa é, pois, uma imposição legal e política. Nesta perspetiva, os órgãos do poder, nomeadamente, os governos, vinculam-se, por imposição legal e política, ao dever de partilhar informações sobre as suas prioridades, visões e aplicação dos fundos públicos, para que a nação possa se aferir da pertinência, oportunidade e legalidade destas aplicações.

Cabo Verde, como Estado de direito e democracia, está vinculado a estes princípios, devendo neste momento responder a uma questão que vem intrigando os seus cidadãos: O que quer este governo com o setor dos transportes, num país cuja principal riqueza é a sua localização geográfica, em pleno oceano atlântico, no cruzamento entre a África, América e Europa, e, logo, a sua habilidade de se fazer chegar ao mundo e a si mesmo, seja pelo mar, seja pelo céu?

A resposta a esta pergunta se faz pertinente, oportuna e urgente, uma vez que o setor dos transportes anda a enfrentar uma crise jamais vista no arquipélago. Crise de visão, de planeamento, de programa. E, sendo coluna vertebral do processo de desenvolvimento deste pequeno país insular e desprovido de recursos naturais, a resposta a esta questão se impõe por autoridade constitucional e demais leis subsidiárias, onde pontificam os princípios da transparência, do interesse público e da prestação de contas.

Porque este país estará certamente tramado se não se adotar, com caráter de urgência, uma política coerente e visionária para o setor dos transportes.

As razões são várias, entre as quais se destacam a insularidade do país, a forte vocação para o desenvolvimento do setor terciário da economia e a importância da sua comunidade emigrada na projeção da riqueza nacional.

Dados oficiais dão conta que o turismo contribui com cerca de 20% para a riqueza nacional, conhecida por Produto Interno Bruto, PIB. Esses mesmos dados também dão conta que a comunidade emigrada contribui com cerca de 20%, conhecida por remessa dos emigrantes. Feitas as contas, temos que o turismo e a remessa dos emigrantes, juntos, representam nada mais nada menos do que 40% da riqueza nacional, ou PIB.

País arquipelágico, as 9 ilhas habitadas possuem cada uma a sua própria dinâmica e potencialidades, complementares entre si, apesar da existência de sérias e profundas disparidades e assimetrias locais e regionais. Disparidades e assimetrias que, diga-se em abono da verdade, só uma visão séria e holística dos transportes poderá corrigir e resolver.

Pois bem, o cruzamento destes fatores – localização geográfica, insularidade, importância da comunidade emigrada - remarca a grande vocação do país no domínio da prestação de serviços, tendo no turismo o seu grande parceiro neste momento, resultado, em grande medida, de avultados investimentos públicos em infraestruturas aéreas e marítimas, realizados desde a independência nacional a esta parte.

Ora, de tudo quanto fica acima exposto, ressaltam as seguintes questões: se o país continuar a falhar no domínio dos transportes, o que será do turismo, tanto interno como internacional? E os emigrantes, estes heróis anónimos, que sugam a vida para investir aqui, e que de um momento para outro se veem impedidos de, sequer, vir matar saudades, ou porque o preço das passagens passou a ser proibitivo, ou porque já não têm como chegar a casa?

Já pensou nisso, caro leitor? E a nossa riqueza nacional, ou PIB, como é que fica? Viu? É preciso olhar para a responsabilidade governativa como uma imposição legal e política. Nenhuma maioria está imbuída de poder bastante para fazer do país o que bem entender.

A direção,

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Redação