Orlando Pantera deixou saudades mesmo a quem não o conheceu
Cultura

Orlando Pantera deixou saudades mesmo a quem não o conheceu

O filme sobre Orlando Pantera que estreou no festival IndieLisboa, mostra o legado do músico cabo-verdiano que “fez música para outros”, deixando saudades mesmo a quem não o conheceu.

Catarina Alves Costa começou a pensar no filme “Orlando Pantera” – que volta a ser exibido na terça-feira, no Cinema São Jorge, às 19:00 – em 2000, altura em que conheceu o músico, à margem de outro projeto documental, “Mais Alma”, sobre a criação teatral em Cabo Verde.

Um dia, foi a um concerto de Pantera – como era conhecido Orlando Monteiro Barreto – e ficou "completamente extasiada". Foi no Mindelo, na ilha de São Vicente, e teve uma emoção "muito forte", recordou a realizadora, em entrevista à Lusa, antes da estreia, no sábado.

No final, ela e Olivier Blanc (responsável pelo som do filme) falaram com Pantera e perguntaram-lhe se o podiam “acompanhar um bocado”. Pantera concordou, desde que fossem com ele até Assomada, no interior da ilha de Santiago, onde vivia. Eles foram e passaram uns dias com o músico, entre festas de ‘tabanka’ (crioulo para uma manifestação cultural muito antiga de Cabo Verde) e o trabalho que ele fazia nas Aldeias SOS.

Mas, envolvidos noutros projetos, o material que recolheram acabou por não ser usado.

Até ao dia em que Darlene Barreto, única filha do músico, que morreu em 2001, quando ela tinha apenas seis anos, veio a Lisboa, conheceu Catarina e desafiou-a a fazer um documentário.

“Orlando Pantera” é, portanto, uma ideia de Darlene, guia da narrativa do filme, que junta diversos arquivos, desde logo o da família, mas também da televisão e da coreógrafa Clara Andermatt, que fez dois espetáculos com Pantera, nos anos 1990 (e que fala no filme, juntamente com o compositor João Lucas).

“Tenho muita sorte de a minha mãe (…) ter guardado tudo o que era do meu pai (…) Foi através disso que fui conhecendo o meu pai”, disse Darlene, em entrevista à Lusa, antes da estreia, para a qual veio de propósito de Cabo Verde, com o filho de cinco meses.

"O próprio Pantera era uma pessoa que guardava bastantes coisas, tem muitas fotografias, gravações, cassetes", acrescenta Catarina, que decidiu juntar ao documentário “filmagens da atualidade”, nomeadamente de artistas, de várias idades, a cantarem o autor que morreu aos 33 anos.

“A música do Pantera circulou, passou de músicos, de mão em mão, de guitarra em guitarra, foi andando e instalou-se”, destaca, sublinhando que, com o filme, tentou “resgatar” a autoria de canções que toda a gente canta mas nem sempre sabendo quem as criou.

Darlene decidiu criar a Fundação Orlando Pantera exatamente por isso. “Senti, como filha única e também por tudo o que é o Orlando Pantera, não só como meu pai, mas também como (…) uma entidade (…) da história da música e da cultura de Cabo Verde, que era necessário recolher este trabalho, para o preservar”, justifica.

A fundação nasceu dessa vontade de guardar “num único espaço, como se fosse uma biblioteca”, tudo sobre Pantera, ao mesmo tempo educando as pessoas para que se lembrem de que há “um compositor por trás” da música.

“O meu pai tinha apenas cinco músicas registadas quando morreu e não recebeu em vida pelos seus direitos”, recorda Darlene.

O filme combina imagens de Pantera “a cantar” e de pessoas a tocarem hoje “as coisas dele”, numa tocatina improvisada, na qual vários músicos o interpretam, "de uma forma muito familiar, muito natural”, descreve Catarina, reconhecendo: “Foi das coisas mais bonitas filmar isso, a música a acontecer".

Logo no início do filme, um testemunho diz: "Sinto saudades dele sem nunca o ter conhecido." Uma frase “muito forte”, que demonstra a relação “sentimental, emocional” com o músico que morreu jovem.

“Interpretar Pantera é sempre muito livre e é sempre muito possível”, aponta a realizadora, que quis levar à tela “a essência” de um artista que era “das pessoas” e “dentro da vida” e para quem “a música é o grande valor” de Cabo Verde: “Ele mudou, de certa maneira, o paradigma da música de Cabo Verde, ao ir buscar os ritmos mais tradicionais, principalmente os instrumentos da ‘tabanka’, o búzio, o tambor, o batuque”, no fundo “as origens mais africanas”.

Aquela que ficou conhecida como “geração Pantera” é autora de uma música "à frente do seu tempo”, composta e tocada por quem estava a tentar “encontrar a sua identidade”, entre os quais Orlando “foi um impulsionador”.

Ainda sem data para exibição em sala em Portugal, “Orlando Pantera” deverá chegar a Cabo Verde em setembro e a ideia é circular além das cidades de Praia e Mindelo, viajando ao interior da ilha de Santiago.

“O documentário era uma coisa que eu queria muito”, confessa Darlene, deixando já outro desejo: “Lançar o seu primeiro disco, assim, com o nome dele, ter aquela coisa física que as pessoas podem levar para casa, porque, como sabemos, ele faleceu quando ia gravar o seu primeiro disco”.

Só há dias atingiu “o significado" de uma música do pai (“Rabidanti”, um funaná), porque não compreendia verdadeiramente os trocadilhos em crioulo profundo nela usados: “A cada dia, vou admirando cada vez mais as obras do meu pai, é uma descoberta, a minha vida vai ser assim, vai ser uma descoberta das coisas do meu pai, das pessoas que conviveram com ele e estou muito feliz, este projeto da fundação é um projeto de vida”.

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