O ministro da Cultura, Abraão Vicente, garantiu hoje que está “fora de questão” a expropriação da casa onde Amílcar Cabral viveu parte da infância, mas que está a degradar-se porque a família não quer negociar.
“Fora de questão a expropriação. Fora de questão à compra se os valores forem exorbitantes. Nenhum dos casos foi ou está em cima da mesa”, garantiu o ministro, em resposta à Lusa após uma reportagem a dar conta do estado em que se encontra a moradia em Achada Falcão, concelho de Santa Catarina, de Santiago, onde o pai das nacionalidades cabo-verdiana e guineense viveu entre 1932 e 1933/34, um ano da sua infância, com os pais.
Abraão Vicente disse que o Instituto do Património Cultural (IPC) fez uma sondagem ao imóvel que, não obstante estar habitado neste momento por outra família que a comprou aos pais de Cabral, carece de uma “intervenção urgente”.
“Contudo, sendo propriedade privada e não tendo a família interesse em vender ou ceder o imóvel, o Estado nada pode fazer”, expressou, descartando um processo de expropriação, alegando, por exemplo, interesse público, histórico e cultural do edifício.
“O direito à propriedade privada é lei neste país. Nem mesmo em tempos do regime do partido único se fez tal coisa e não o iremos fazer agora. Nestes casos a paciência e diálogo são fundamentais”, completou o também titular da pasta das Indústrias Criativas do arquipélago.
O membro do Governo disse que já fez “várias abordagens”, mas a família mantém a reserva de não avançar com qualquer negociação, tendo esclarecido que não tem intenção de expropriar.
Também disse que mesmo com autorização dos familiares para o restauro, a propriedade continuará na posse da família, já que a intenção é musealizar uma parte da casa para que ela possa contar a “história relevante” que contém.
“Portanto, a intenção é que a casa continue a ser habitada. Acrescenta valor a qualquer projeto museológico que venha a haver. Da parte dos familiares não tivemos ainda qualquer comunicação formal de aceitação”, prosseguiu o ministro da Cultura.
Abraão Vicente avançou que o edifício consta nos bens inventariados pelo IPC, enquanto património nacional passível de intervenção de reabilitação e restauro e estava prevista a sua inclusão na lista enviada ao Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidades (PRRA).
Mas devido à falta de definição dos proprietários quanto ao destino e valor, esclareceu que se optou pela não intervenção nesta fase.
“Ninguém, nem mesmo o Estado pode fazer planos e projetos para uma propriedade privada. Estamos num Estado de Direito onde a propriedade privada é sagrada”, completou o ministro sobre a casa que está em elevado estado de degradação.
Uma placa ao lado da porta principal recorda que foi transformada no Núcleo Museológico Casa Amílcar Cabral, inaugurado em 20 de janeiro de 2015 pelo então primeiro-ministro, José Maria Neves, atual Presidente da República de Cabo Verde, apoiado pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição).
O ministro disse que na altura foi inaugurado uma espécie de Centro Interpretativo alusivo a Amílcar Cabral, mas que não foi apropriado nem pela família e nem pela comunidade.
“No dia em que houver entendimento entre o Estado e os familiares, será o lugar ideal para se erguer a Casa Museu Amílcar Cabral. Algo que será fundamental para deixarmos de falar de Cabral como um Mito e o aproximarmos como homem que ele foi do país real, da juventude e das comunidades”, terminou o membro do Governo, suportado pelo Movimento para a Democracia (MpD).
Na reportagem, o vereador da Cultura da câmara municipal de Santa Catarina de Santiago, Péricles Brito, disse que a autarquia tem um projeto para transformar o local num museu da resistência Amílcar Cabral, mas está a esbarrar na inflexibilidade dos herdeiros em negociar.
Por sua vez, o presidente da Fundação Amílcar Cabral, Pedro Pires, recordou à Lusa que a tentativa de compra da casa é um “processo antigo”, que ele mesmo discutiu com dois dos herdeiros enquanto foi primeiro-ministro de Cabo Verde (1975 a 1991), mas estes faleceram.
Mas em todas as tentativas de negociar, o antigo Presidente de Cabo Verde (2001 – 2011) recordou que os herdeiros pediram um “valor exorbitante” e o negócio caiu, tendo sido retomado mais tarde pela Câmara Municipal, que enfrentou a mesma rigidez dos donos.
Sem precisar os valores sugeridos pelos herdeiros, Pires, que recentemente efetuou uma visita à presidente da câmara, Jassira Monteiro, fez questão de sublinhar que a Fundação que leva o nome do seu patrono não tem recursos para comprar qualquer prédio.
Filho de Juvenal Cabral e Iva Pinhel Évora, o líder histórico nasceu na Guiné-Bissau em 12 de setembro de 1924, partiu para Cabo Verde com oito anos, acompanhando a sua família, onde viveu parte da infância e adolescência, também na Praia e em São Vicente, antes de ir estudar Agronomia em Portugal.
Posteriormente, foi fundador do então Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), que deu lugar ao PAICV, líder dos movimentos independentistas nos dois países, e foi assassinado em 20 de janeiro de 1973, em Conacri, aos 49 anos.
Comentários