Cabo Verde tem um enorme potencial para reinventar sua democracia. Inspirando-se nas teorias modernas da democracia participativa e deliberativa, reformando seu sistema eleitoral e suas instituições, o país pode construir um modelo político mais inclusivo e participativo. Isso exigirá um forte compromisso dos líderes políticos e da sociedade civil para criar espaços onde todos possam se expressar, propor e participar da construção de um futuro comum. A liberdade é fundamental para qualquer Estado de direito, e a "ditadura do medo" contradiz os valores democráticos.
Cabo Verde tem demonstrado uma estabilidade política invejável em comparação com muitos países africanos ao longo dos anos. No entanto, diante dos desafios contemporâneos, é essencial que o governo cabo-verdiano repense suas políticas para melhor atender às necessidades da população. Os partidos tradicionais (MpD e PAICV), que alternam o poder há décadas, já não parecem oferecer respostas adequadas às demandas sociais. Embora a democracia cabo-verdiana seja frequentemente elogiada por suas conquistas, ela precisa se reorientar para uma maior inclusão e participação. Os dados recentes do Afrobarometer, publicados em 20 de janeiro de 2025, sugerem que a democracia no país está em crise e pode estar em declínio.
A democracia representativa: um modelo a reconsiderar
A democracia representativa em Cabo Verde baseia-se na eleição de representantes encarregados de tomar decisões em nome do povo, ou seja, eles deveriam trabalhar para o povo. Embora esse modelo tenha garantido estabilidade política, hoje ele apresenta falhas significativas, sendo um sistema em declínio e em perda de legitimidade – um elemento fundamental para qualquer democracia. O fenômeno de "desconexão" entre eleitos e eleitores torna-se cada vez mais evidente, resultando no crescente desinteresse da população pelos assuntos públicos. Isso se reflete na baixa participação eleitoral, no aumento da abstenção e nas crescentes manifestações populares nas redes sociais como Facebook e Instagram, que hoje funcionam como praças públicas onde os cidadãos se expressam livremente.
Os dados do Afrobarometer (2025) confirmam essa realidade preocupante: 63% dos cabo-verdianos acreditam que o país está no caminho errado, um aumento de 7 pontos desde 2019. Além disso, 75% temem represálias caso denunciem atos de corrupção, o que prejudica gravemente a confiança nas instituições. Ainda mais alarmante, 66% da população avalia negativamente a gestão da economia pelo governo, uma perceção que se manteve desde 2022. Esses números são um reflexo de um governo que perde legitimidade em relação às suas competências na administração pública. A situação sugere que o país não possui verdadeiros estadistas, mas sim políticos preocupados mais com as próximas eleições do que com o futuro da nação e das próximas gerações.
A teoria da democracia participativa
Segundo a teoria da democracia participativa, formulada por pensadores como Carole Pateman, os cidadãos não devem se limitar a escolher seus representantes a cada quatro ou cinco anos. Eles precisam estar ativamente envolvidos no processo decisório em todos os níveis, especialmente no nível local. Em Cabo Verde, a descentralização e a governança local deveriam ser fortalecidas para permitir que as comunidades participem diretamente da administração de seus próprios assuntos.
Entretanto, a realidade atual revela que o acesso aos serviços básicos continua sendo um grande problema. Ainda segundo o Afrobarometer (2025), 67% da população considera insuficiente a melhoria dos serviços de saúde, e 58% expressam preocupações com o abastecimento de água e saneamento básico. A democracia participativa poderia abordar essas questões de forma mais eficaz, pois não se trata apenas de boa governança, mas de respeito à dignidade humana. Saúde e educação são dois pilares fundamentais para qualquer Estado. A educação, em particular, poderia tornar a população mais consciente e preparada, pois um povo mal instruído ou analfabeto tende a eleger governos incompetentes. Como diz o ditado: "No reino dos cegos, quem tem um olho é rei".
A importância de uma democracia inclusiva
Cabo Verde é um país composto por diversas comunidades, cujas vozes devem ser ouvidas sem discriminação, especialmente no que diz respeito à filiação política. No entanto, certos grupos sociais continuam marginalizados no debate político. Jovens, moradores das zonas rurais e cabo-verdianos da diáspora muitas vezes não estão adequadamente representados. Para que a democracia cabo-verdiana se torne verdadeiramente inclusiva, o governo precisa implementar políticas que garantam espaço para esses grupos nos processos decisórios.
Atualmente, 55% dos cabo-verdianos consideram o desemprego o maior problema do país, o que pode estar diretamente ligado à emigração em massa da juventude. A saúde (51%) e a criminalidade (48%) aparecem logo em seguida. A criminalidade, por sua vez, pode ser consequência do desemprego e da pobreza. 83% da população acredita que o governo está falhando no combate à criminalidade, e 68% consideram sua atuação contra a corrupção ineficaz. Isso reforça a perceção de incompetência do governo nessas áreas, o que demanda uma investigação mais aprofundada.
Uma revisão do sistema eleitoral: rumo a uma maior representatividade
Uma das soluções para fortalecer a democracia em Cabo Verde seria reformar o sistema eleitoral. Atualmente, o país adota um sistema majoritário, que concentra o poder nas mãos de dois partidos principais. Esse modelo favorece a polarização política, aprofundando divisões e tensões sociais. A adoção de um sistema proporcional, como em várias democracias europeias, poderia garantir uma representação mais justa.
Além disso, a introdução de mecanismos de representação direta, como referendos, permitiria que os cidadãos influenciassem diretamente as decisões políticas. Essa reforma seria relevante em um contexto onde a confiança nas instituições eleitas está em declínio: a aprovação do primeiro-ministro caiu de 60% para 47% em apenas dois anos, enquanto a aprovação da Assembleia Nacional caiu para 39%, uma redução de 8 pontos em relação a 2022.
Conclusão: um futuro político mais inclusivo
Cabo Verde tem um enorme potencial para reinventar sua democracia. Inspirando-se nas teorias modernas da democracia participativa e deliberativa, reformando seu sistema eleitoral e suas instituições, o país pode construir um modelo político mais inclusivo e participativo. Isso exigirá um forte compromisso dos líderes políticos e da sociedade civil para criar espaços onde todos possam se expressar, propor e participar da construção de um futuro comum.
A liberdade é fundamental para qualquer Estado de direito, e a "ditadura do medo" contradiz os valores democráticos.
Comentários
Victor Silva, 10 de Fev de 2025
Ha que mudar a constitution pra que grupos de cidadao das ilhas possam concorrer pra ser governo!
Os dois, MPD e PAICV não querem, por que os tachos deles desaparecem!
Um Pays a deriva, não industrializam Cabo Verde, porqueh?
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Zé P., 8 de Fev de 2025
Se não me engano, as eleições legislativas já são feitas com um modelo proporcional, e referendos já são previstos em legislações (embora nunca tenham sido feitas). Acho que o que limita a representatividade é que nas eleições legislativas (e autárquicas), os votos são efetuados primeiramente nos partidos, esses que escolhem a lista dos deputados para o círculo eleitoral em questão; O que faz com que os deputados tenham maior leadade ao partido do que o círculo que representam.
Zé P., 8 de Fev de 2025
Uma coisa que eu já ouvi um amigo meu a falar, é que nos seus estudos (muito aprodundados) percebeu que na existência de dois modelos, um bom para um caso e outro bom outro caso, o melhor dos dois, é um terceiro modelo misturando e adaptando os conceitos. Talvez possamos implementar um modelo misto aquí em Cabo Verde, visando aumentar a representatividade, ao mesmo tempo que manter a coesão partidária (que é de certa forma também necessária para a governação).Zé P., 8 de Fev de 2025
Pequena correção: «(...) nos seus estudos (muito *aprofundados) (...)»Zé P., 8 de Fev de 2025
Um ponto adicional sobre os referendos, é que que devem ser usados de forma cautelosa para evitar dividir a sociedade ao meio, o que, exemplificadamente tenho ouvido que foi o caso no Reino Unido durante o processo do Brexit, o que aparentemente deixou a população muito estressada. O objetivo da democracia representativa é justamente ter pessoas que decidem em nome da população para o bem da população, portanto essencialmente o que precisa melhorar é esse formato de representatividade.Responder
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