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RACISMO, LUTA E RESISTÊNCIA
Ponto de Vista

RACISMO, LUTA E RESISTÊNCIA

O dilema racial […], segundo Florestan Fernandes, objetiva-se nos diferentes níveis das relações. Por isso seria fácil reconhecê-lo nos lapsos das ações dos indivíduos, que acreditam não ter preconceito de cor; nas inconsistências das atitudes, normas e padrões de comportamento inter-racial; nos contrastes entre a estereotiparão negativa, as normas ideais, de comportamento e os comportamentos efetivos nos ajustamentos; nos conflitos entre padrões e ideias de cultura, que fazem parte do sistema axiológico da civilização […]; nas contradições entre os tipos ideias de personalidade e os tipos de personalidade básica modelados através dessa civilização.

Etimologicamente, o conceito de raça veio do italiano razza, que por sua vez veio do latim ratio, que significa sorte, categoria ou espécie. Na história das ciências naturais, o conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais. Foi neste sentido que o naturalista sueco, Carl Von Linné conhecido em Português como Lineu (1707-1778), usou para classificar as plantas em 24 raças ou classes, classificação hoje inteiramente abandonada.

Como a maioria dos conceitos, o de raça tem seu campo semântico e uma dimensão temporal e espacial. No latim medieval, o conceito de raça passou a designar a descendência, a linhagem, ou seja, um grupo de pessoa que têm um ancestral comum e que por esse facto, possuem algumas características físicas em comum. Em 1684, o francês François Bernier emprega o termo no sentido moderno da palavra, para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente contrastados, denominadas raças.

Nos séculos XVI-XVII, o conceito de raça passa efetivamente a atuar nas relações entre classes sociais da França na época, pois utilizado pela nobreza local que si identificava com os Francos, de origem germânica em oposição aos Gauleses, população local identificada com a Plebe.

Não apenas os Francos se consideravam como uma raça distinta dos Gauleses, mais do que isso, eles se consideravam dotados de sangue “puro”, insinuando suas habilidades especiais e aptidões naturais para dirigir, administrar e dominar os Gauleses, que segundo pensavam, podia até ser escravizados. Percebe-se como o conceito de raças “puras” foi transportado da Botânica e da Zoologia para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (Nobreza e Plebe), sem que houvesse diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes.

Para, (Munanga, 1988), quando utilizamos, esse conceito em nosso cotidiano, não lhe atribuímos mesmos conteúdo e significado, daí a falta do consenso até na busca de soluções contra o racismo. Por razões lógicas e ideológicas, o racismo é geralmente abordado a partir da raça, dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as duas noções. Com efeito, com base nas relações entre “raça” e “racismo”, o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estes últimos suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais.

Visto deste ponto de vista, o racismo é uma crença na existência das raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral, o físico e o intelecto, o físico e o cultural. O racista cria a raça no sentido sociológico, ou seja, a raça no imaginário do racista não é exclusivamente um grupo definido pelos traços físicos. A raça na cabeça dele é um grupo social com traços culturais, linguísticos, religiosos, etc. que ele considera naturalmente inferiores ao grupo a qual ele pertence. De outro modo, o racismo é essa tendência que consiste em considerar que as características intelectuais e morais de um dado grupo, são consequências diretas de suas características físicas ou biológicas.

Mas o racismo e as teorias que o justificam não caíram do céu, eles têm origens mítica e histórica conhecidas. A primeira origem do racismo deriva do mito bíblico de Noé do qual resulta a primeira classificação, religiosa, da diversidade humana entre os três filhos de Noé, ancestrais das três raças: Jafé (ancestral da raça branca), Sem (ancestral da raça amarela) e Cam (ancestral da raça negra). Segundo o nono capitulo da Gênese, o patriarca Noé, depois de conduzir por muito tempo sua arca nas águas do dilúvio, encontrou finalmente um oásis. Estendeu sua tenda para descansar, com seus três filhos. Depois de tomar algumas taças de vinho, ele se deitara numa posição indecente. Cam, ao encontrar seu pai naquela postura fez junto aos seus irmãos Jafé e Sem, comentários desrespeitosos sobre o pai. Foi assim que Noé, ao ser informado pelos dois filhos descontentes da risada não linzongeira de Cam, amaldiçoou este último, dizendo: seus filhos serão os últimos a ser escravizados pelos filhos de seus irmãos. Os calvinistas se baseiam sobre esse mito para justificar e legitimar o racismo anti-negro.

A Segunda origem do racismo tem uma história conhecida e inventariada, ligada ao modernismo ocidental. Ela se origina na classificação dita científica derivada da observação dos caracteres físicos (cor da pele, traços morfológicos). Os caracteres físicos foram considerados irreversíveis na sua influência sobre os comportamentos dos povos. Essa mudança de perspetiva foi considerada como um salto ideológico importante na construção da ideologia racista, pois se passou de um tipo de explicação na qual o Deus e o livre arbítrio constituíram o eixo central da divisão da história humana, para um novo tipo, no qual a Biologia (sob sua forma simbólica) se erige em determinismo racial e se torna a chave da história humana. Insisto sobre o fato de que o racismo nasce quando se faz intervir caracteres biológicos como justificativa de tal ou tal comportamento.

É justamente, o estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores.

O dilema racial […], segundo Florestan Fernandes, objetiva-se nos diferentes níveis das relações. Por isso seria fácil reconhecê-lo nos lapsos das ações dos indivíduos, que acreditam não ter preconceito de cor; nas inconsistências das atitudes, normas e padrões de comportamento inter-racial; nos contrastes entre a estereotiparão negativa, as normas ideais, de comportamento e os comportamentos efetivos nos ajustamentos; nos conflitos entre padrões e ideias de cultura, que fazem parte do sistema axiológico da civilização […]; nas contradições entre os tipos ideias de personalidade e os tipos de personalidade básica modelados através dessa civilização.

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