"Cabo Verde tem de saber situar-se neste redemoinho, o que será enormemente facilitado se a conversação política ocorrer, tiver nível e for consequente. Sob o chapéu ‘relacionamento especial’ pode abrigar-se uma pluralidade de soluções mas não, seguramente, a da adesão. Contra tal depõe a Constituição da República, o bom senso político e a falta do necessário e amplo amparo na sociedade. Próximos do bloco mas fora dele, somos mais seguros".
1. As relações entre Cabo Verde e a NATO começaram da melhor forma: num contexto de explicitação, no plano interno, das motivações e de todos os factores a ter em conta. Os Órgãos de Soberania foram envolvidos. Nesse ambiente tiveram lugar em território cabo-verdiano os Exercícios Militares, os primeiros alguma vez realizados em África por aquela organização multilateral de Defesa, envolvendo mais de 7 mil Militares e avultados meios operacionais. Falo do ‘Steadfast Jaguar 2006’. A realização desses Exercícios colocou Cabo Verde num patamar especial, o que necessariamente tinha de ser tido em conta numa lógica de continuidade da acção do Estado em matéria de Política Externa. Tratava-se de um capital de credibilidade e confiança a não desperdiçar. Continuidade não significa seguidismo, despreocupado ou acrítico. Longe disso. E tenho que, digo-o logo, nesta matéria em particular a continuidade tem existido.
2. Naturalmente que não se chega a uma etapa dessa natureza, a de 2006, assim da noite para o dia. Precedendo, houve negociações, contactos de diferente natureza, a vários níveis. Para Cabo Verde, foi um processo de aprendizagem e de ganho institucional. Em particular para as nossas Forças Armadas, foi um bom momento. Encarando o futuro, essas mesmas Forças Armadas beneficiarão de um quadro de aproximação à NATO, se de facto as queremos reformadas, modernizadas e, sobretudo, profissionalizadas.
3. Entre parêntesis: não é de hoje que alerto para uma falha que se comete recorrentemente entre nós, qual seja a de não fixar memória. Ninguém se preocupa em deixar registo... escrito. Precisamos, com efeito, de um mais elevado nível de literacia política no que ao dever de relato se refere. Não é uma faculdade; é um dever. Ou dá-se o caso de o Estado, algum dia, não ter memória sobre nada, a começar por dossiers com vocação a concretizar-se ao longo de anos.
4. Adiante! De lá para cá e de forma consistente, o dossier ‘Relações entre Cabo Verde e a NATO’ tem estado sempre presente. Cabo Verde tem querido mais estreitas relações com essa organização. E tal foi sendo expresso seja nas trocas directamente com a NATO, seja nas com países amigos membros da NATO com quem mantemos relações especiais, designadamente no domínio da Defesa, seja ainda em espaços como conferências internacionais onde Cabo Verde tem tido a oportunidade de expor a sua pretensão nesta matéria. A Diplomacia tem vindo a fazer o seu papel, importa reconhecê-lo. E é importante que este sentido de história ou de ganhos em crescendo não seja esquecido. Digo isto como cidadão atento a estas matérias mas igualmente como alguém que, por vários anos, respondeu pela pasta da Defesa Nacional.
5. Cabo Verde precisa de um quadro de relacionamento especial com a NATO! Em tal relacionamento a dimensão Segurança Marítima tem de ser a pedra angular. Se isto era certo ontem, muito mais ainda o é neste HOJE em que o mundo amanheceu para se reconfigurar a toque de caixa. Cabo Verde tem de saber situar-se neste redemoinho, o que será enormemente facilitado se a conversação política ocorrer, tiver nível e for consequente.
6. Sob o chapéu ‘relacionamento especial’ pode abrigar-se uma pluralidade de soluções mas não, seguramente, a da adesão. Contra tal depõe a Constituição da República, o bom senso político e a falta do necessário e amplo amparo na sociedade. Próximos do bloco mas fora dele, somos mais seguros. Mais aptos a cumprir o nosso papel de Estado pequeno e útil. Assim penso.
7. Como quer que seja, é urgente que a informação circule e o debate ocorra. Desde logo no espaço por excelência da confrontação democrática, qual seja o Parlamento. A forma como este assunto está presentemente a circular na sociedade não é benéfica para ninguém. Não favorece o debate informado.
8. Neste novo cenário global, de reconfiguração acelerada e com dados rapidamente alteráveis e alterados, não é difícil projectar-se uma substancial apreciação do valor geo-estratégico de Cabo Verde. Somos apetecíveis. O que não falta é ‘oie vive na melon’. Temos de ter isso em conta. Temos de convergir, enquanto Nação, para a necessidade de entendimentos alargados sobre o interesse nacional e a melhor forma de o defender no mundo. A cacofonia só nos prejudica. Como evitá-la? Conversando.
* Artigo originalmente publicado pelo autor na sua conta na rede social facebook
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