Os Rastos das Ascendências Atirados para Fogueiras Anti Bruxas
Colunista

Os Rastos das Ascendências Atirados para Fogueiras Anti Bruxas

O ambiente cultural, o cabedal civilizacional que suporta todo um característico modo de estar, de viver na carícia da transmissão e no prosseguimento dos sentimentos das comunidades e sociedades falantes da língua portuguesa, sob o indicativo partilhado da boa-fé, da moral e dos bons costumes, fruto de uma coexistência secular, de um caminhar pungente e dolorido, cúmplice aprendizado pelos tempos históricos, corre o sério risco de ficar arruinado, esvaziado de sentido, com as tentativas de assassinato que tantas vezes aqueles valores e modos estruturantes dos relacionamentos humanos são alvo.

Antes mesmo de prosseguir o processo progressista do enraizamento, já o estão a atirar rasgado, perdido ao vento.

A boa-fé que nos devia construir, que deveria estar na base indiscutível de qualquer relacionamento, o acreditar no próximo que deveria ser o ponto de partida e aproximação entre as gentes, constituindo-se no suporte de qualquer relação material e imaterial é arruinado pelos próprios educadores, dirigentes e descendentes continuadores. Os rastos das ascendências foram atirados para fogueiras anti bruxas, cumprindo-se neste galopar suicida os ritos e o ritual inquisitorial.

A fé humana está abalada. O crer, o querer acreditar está no seguimento da extinção. Desconfia-se desrazoavelmente de quem atravessa a rua do lado de fora da janela, já que para o lado interno dela a infidelidade, a mentira e a traição, a trama mesquinha e maldosa fizeram-se quotidianos rotineiros.

Que talvez este lado interno se resuma a curtas e breves referências largadas ao critério interpretativo, arbitrário de cada um. E que cada um considere seu valor próprio, guardado, continuado no respeito, consideração das lições transmitidas e recebidas pelo interior defenestrado. Atirado ao abandono!

Os mais indignos, os mais repugnantes, cultural e politicamente observando, são aqueles que - sob a capa e o manto do uso inapropriado, ilegítimo de valores e de ações políticas, referências morais, de pensamentos de Políticos e de lutadores pela Liberdade e pela Democracia - cometem as maiores ignomínias, as maiores traições e deslealdades. Embandeiram em arco quem os formou e educou político-moralmente, por cumprimento obrigacional das circunstâncias, na forma e formalidade preenchida apenas, para, na imagem social e pública, se acharem, se insinuarem como os fiéis seguidores e substantivos representantes daqueles, aproveitando-se deste contexto sinuoso para camuflar todas as desconsiderações, desrespeitos, desprezos, atrocidades cometidos e que, na verdade, nutrem, praticando na sua relação com terceiros sistematicamente.

Não será a desistência pela boa convivência, nem a destruição ou o descrédito da fé na alma humana, ou almas pensantes, como se ouse melhor achar. A verdade das realidades apontadas é real, visível, palpável, efetiva e intrometida, capaz de produzir profundas alterações com graves e perigosas consequências para o convívio entre diferentes comunidades e sociedades que se encontram física e geograficamente afastadas. Sociedades e comunidades compostas por seres que por ora limito-me a qualificá-los como seres viventes pensantes, evitando atribuir-lhes o substantivo humano. A Humanidade está a esvaziar o seu significado. Ela vai desaparecendo ou mostrando-se o que autenticamente é. Vai ganhando mais livre arbítrio e revelando de facto o seu sentido idiossincrático.

Esta constatação existencial faz lembrar o que vem dito na Bíblia Sagrada (Antigo Testamento, Genesis 8, 21), pelo seu Deus hebreu, sobre o caráter humano, após o Dilúvio, quando é referido que «E o Senhor cheirou o aroma agradável e disse o Senhor em seu coração: "NÃO TORNAREI A AMALDIÇOAR A TERRA POR CAUSA DO HOMEM; PORQUE A IMAGINAÇÃO DO CORAÇÃO DO HOMEM É MÁ, DESDE A SUA MENINICE, NEM TORNAREI MAIS A FERIR TODO O VIVENTE, COMO FIZ». O aroma agradável aqui destacado pelo Senhor é dos assados. Dos holocaustos de animais por Ele sugeridos, pedidos e impostos.

Não que se perceba o ser humano mau naturalmente, mas que se consiga entender que o Humano é por natureza defeituoso, é constitucionalmente imperfeito. Nasce, desenvolvendo-se com defeitos intrínsecos, com limitações físicas, morais e éticas quando se propõe relacionar com todo um Universo infindável, inteligente, místico, desconhecido e atuante. Pelo que lhe é imposta a evolução, o melhoramento e a perseguição sem fim do que se quer perfeito, sem defeito. A consciência assumida de que o humano é um vivente pensante limitado e com defeitos intrínsecos é já um porto de abrigo para a partida em busca das nossas ignorâncias e reconhecimento humilde das nossas estupidificantes arrogâncias. A consciência do erro e do defeito é passagem de esperança para praticar-se melhor Mundo. A maldade é que é capaz de provocar um sentimento de eliminação de quem é alvo ou vítima de atos e condutas prejudiciais ao seu semelhante e a todo um meio ambiente concedido pela Natureza. Mas não devemos agir como o Deus hebreu que arrependeu-se, depois dos atos destruidores da maldade. Não devemos aceitar esta indiscutível evidência sem antes a cocar sob o julgamento da crítica. A maldade desentranha-se para educar. Oferecemos a face da bondade no desentranhamento do que é malefício, maligno?

Não se desiste, nem se mata! Não é passível de destruição o que existe e o que já existiu, bem como o que tem sido materializado ao longo de milénios de civilizações, guerras, matanças, catástrofes, holocaustos humanos, ocupações, domínios, colonizações, escravaturas e escravidões, espoliações, explorações e abusos ao seu semelhante. Apenas alerta-se para a falsidade e para as mentiras das palavras, ações e condutas que minam qualquer relação, seja ela familiar, grupal, social, nacional, estadual, sentimental, profissional ou política, com consequências dramáticas, mediatizadas na temporalidade das relações e repercutidas no médio-longo tempo social, cultural e histórico. Minam um país, vários Estados e as suas vidas internas e externas.

Porque uma sociedade política não é apenas o somatório de grupos ou de famílias. Vai muito além. Não é o cúmulo aritmético de núcleos orgânicos. Mais se apresenta como um aglomerado de núcleos e indivíduos inconsciente, onde cada um vive por si e para si, na sua manutenção e sobrevivência, numa quimérica, fantasiosa relação gregária de solidariedade, complementaridade comprometida e altruísmo, prosseguindo fins comuns e válidos. Na verdade, propugna-se, propagandeando-se a finalidade comum e altruística. Mas o que se vê e vive-se diariamente é a concretização de fins particulares, demonstrados através de condutas egoísticas, gananciosas, cobiçadoras que são perniciosas à boa evolução, ao bom progresso humano em sociedade, à sua moral, à sua ética e à sua busca pela correção na compreensão das suas limitações e defeitos intrínsecos. Perniciosas ao melhoramento, à elevação dos estágios evolutivos espirituais. Perniciosas à deteção das imperfeições e ao reconhecimento da humildade humana. Condutas que levam ao impedimento do conhecimento da autêntica condição humana perante si próprio, perante os outros e a diferença, perante o Cosmos universal. Impedem o movimento de libertação do ego e condenam o regresso si próprio. Regresso que nunca existiu.

Já foram percorridos muitos tempos, muitos milénios sobre os mesmos espaços geográficos de civilizações humanas, sem evolução moral e espiritual. Carnívoros e viciados, homicidas seletivos e invejosos nos perpetuámos, sem nada aprender com tanto erro cometido e desgraças vislumbradas e factualmente assistidas. Vamos vivendo o baile dançante, recíproco e multilateral, do engano. Da pregação generalizada do conto do vigário! Da segregação, da eliminação e da matança quando torna-se imperioso ao séquito da Ditadura. Vamos impavidamente assistindo ao tombar da dignidade!

A abstração factual de uma comunidade geral ou de uma sociedade na sua configuração constituinte – entendendo-se aqui o ente sociedade como universalizante, generalizado, amplo, abstrato, entrecortado por uma rede de relações humanas e sociais intangível, intrigante, mística e transcendental - será pois um aglomerado de pessoas, um conjunto de grupos, subgrupos, famílias e indivíduos com sentido identitário, mas que depois difere do grupo e do indivíduo - tornando-se numa realidade que escapa à absorção e observação direta do seu pulsar e desenrolar vivencial -, essencialmente nas suas relações intergrupais de domínio, subjugação, rivalidade, discriminação e de segregação, nas relativas e absolutas proporções, nas suas dimensões, nas suas multiplicações relacionais que são geométricas, quânticas e reais, materiais, sentidas e valorativas, com a correspondente medida nas consequências, sejam elas positivas ou negativas.

Mentiras destapadas

I

Aos poucos se percebe qual o mal-estar

De onde veio, por onde vem

O peso da imagem ludibriada é imenso

Este manto daninho que ainda persiste

Mas não devia

Que tanto incómodo e prejuízo transferiu

A quem nada de ruim pediu

II

Às mentiras destapadas

A verdade é que vão chupando o sangue

Roendo o osso do esqueleto

Mastigando o saboreio da fibrosa carne

Implodindo as células vivais, multiplicadoras

Que pelas vias correm perdedoras

Para retirar na condução indiscreta

Por paulatinos movimentos usurpadores

Dignidades e direitos que noutros são de fluir

Refulgir!

Marasmo lamacento da indecência humana

O marasmo lamacento da indecência humana

Ressalta.

Ressalta no dizer da simples frase trabalhar em prol de um país

De uma sociedade de pessoas

Elas riem-se, acham desusado

Projetam impossível qualquer conduta aproximada

Parece-lhes ridículo alguém afirmar

Quero trabalhar em prol …

Parece-lhes ridículo. Sim!

Pois entendem e arrogam-se no seu íntimo

- Ó Paupérrima Arrogância!

Arrogam-se no seu espírito

Trazidas nas suas condutas do dia

Que o trabalho não é público, social e altruísta

- Pois todo ele é! Mesmo o mais privatístico! Se não, não é!

Sim, elas acham que deve ser individual, egoísta, invejoso

Cobiçador

Por isso algumas daquelas pessoas

A quem pretende-se prestar a prestação altruísta

Olham rumando ar incrédulo, percecionando realidade que não existe

No seu real mundo não existe sociabilidade

Esta sociabilidade desconcerta toda a lógica racional

De uma intelectualidade despedaçada em subornos e corruptores do social

Que se vê carbonizada na toxicidade de barbitúricos farmacêuticos

Nas receitas etílicas de psiquiatria enjoada por ondas de uma maré…

São o limbo da indefinição entre a Pessoa e o Diabo

No marasmo lamacento da indecência humana

Limpeza ambiental

Necessário isolar o turbilhão da insensatez da desfaçatez insana

Necessário desligamento absoluto e total das realidades que nos levam a definhamento

Isolá-las é um dever

É um saber cauteloso de observação

De ação ulterior

O tombo moral é imenso

Ameaça alastrar-se para bandas disformes da convivência

A ofensa aos desígnios, ao tirocínio cultural é profunda

Irreversível. A mancha afirmou-se em nodosidade, nodou

Não se limpa a mancha que encastrou - encrostou - encoscorou

Que entrou aos tecidos com relevo eruptivo

Desentranha-se a mancha

Num único ato de imperativo moral

Impõe-se o isolamento

No horizonte curto da excomungação

Na limpeza ambiental

 

Salivar da espuma invisível

O problema não está

Por enquanto

Na aparência dos seres pensantes

No seu aspeto físico que ressalta à vista viva e olhada

Não, não é esse o problema

O problema é essencial

Vem da essência

O salivar da espuma invisível sai desordenado

Desligado na sua partida, esquecido

Não uniforme

Arbitrário e especulativo

Vem já precário em potência

Não sabemos quem são os outros

Até ao tempo sem espaço chegar

Onde os conheceremos, os saberemos da sua essência

A diferença entre os pensantes não é apenas aparente

Colorida, étnica, cultural, social, económica, civilizacional

Ela chega antes da partida sem ordem

A diferença toma conta de nós na pré-transcendentalidade da existência

Não é a Civilização!

Ela é antes essencial

É o que não deixa de ser-se

Dir-se-ia de onde se congemina a linguagem

É nela, por ela que perscrutaremos a nossa diferença

Saberemos que somos

Quem são

Perante uma igualdade reclamada mas a que não chega a quem a clama

Raphael d’Andrade,

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