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África violenta
Colunista

África violenta

No Terceiro Mundo, incluindo a África, a violência prevalece e é transmitida para os seus descendentes espalhados no globo. Mais do que a violência física, a violência psicológica ou opressiva prevalece muito bem.

Recuando uns séculos, em que barcos e caravanas muçulmanas e cristãs chegaram às fronteiras africanas e desceram até ao sul do Deserto do Saara, tendo um contato mais próximo com as populações negras, as leis do comércio começaram a moldar um jogo que, custou violência aos nativos africanos. A riqueza de recursos naturais locais foi a maior sentença histórica dos negros. As trocas comerciais foram facilmente violadas por interesses de grupos, de ambas as partes, em que só um pedaço de ouro ou sal não chegava. África tinha muito mais para dar, e se não quisesse, as pessoas tomavam a recorrer à força. Realça-se a posição estratégica dos estrangeiros em África, que, longe dos seus territórios protegidos, instalaram-se abusivamente nas bordas africanas, em feitorias, para uma espécie de cerca, pressão e controlo sobre o comércio com os locais, o que contribuiu significativamente para a aquisição de poder presencial perante a esperada submissão dos nativos.

Indiferentes à justiça comercial, árabes, europeus e negros entraram num namoro de benefícios egoístas que, no final, o destino era claro: mais violência. Tanta que, perdura até agora no continente africano. Após séculos de extração e trocas comerciais injustas, aos povos da terra só sobrou uma extrema insegurança e violência através de uma rigidez e intolerância entre quase todas as camadas das estruturas sociais. O lugar dos maridos, não é para mulheres, o lugar dos mais velhos, não é para mais novos, o lugar do político, não é para o povo, o lugar da liderança, não é para a democracia, o lugar do claro, não é para escuros, ou o lugar do rico, não é para pobres. Parece que todo o sistema de organização em várias nações africanas é baseado em separatismo e violência que aguenta a sua estrutura. O progresso liberal moderno não se atreve a perturbar o relaxamento dos murros desse separatismo soberano.

A gradual implementação do capitalismo moderno trouxe uma falsa meritocracia que, na verdade, assim como em todo o mundo, é um sistema de recompensa viciado e virado para os mesmos, os que têm capital elevado. A produção de riqueza, privada ou pública, torna-se ilusão para os pobres, e em África, as pessoas têm essa noção por também terem a ténue consciência de que, o jogo capitalista, uma espécie de vírus de alcance mundial, foi projetado e criado fora do continente mãe que, é tradicionalmente distante do sofisticado apego material do europeu, por exemplo. No passado pré-colonial, a maioria dos povos africanos, fragmentados em pequenos grupos étnicos e excluindo os impérios locais na época, davam mais valor e importância às entidades espirituais ou papéis sociais do indivíduo nativo.

Hoje, homens e mulheres são também violentos contra os seus políticos, em parte por desconfiarem que, o sucesso financeiro é apenas um teatro de propaganda dos seus líderes. Para ter dinheiro válido, o produto sagrado do mundo atual, mais a vida digna das promessas ocidentais, é quase obrigatório ir em busca na sua raiz e onde o jogo capitalista se moldou ou ganhou contornos: na Europa ou, atualmente nos Estados Unidos. Quiçá esse jogo tenha sido construído para que, os miseráveis dos antigos impérios do Médio Oriente ou Ocidente, continuassem escravos sem se darem por isso. O facto é que, de alguma forma, por influência política local e internacional, a riqueza libertadora contra a escravatura moderna, produzida em África, continua a sair em grande escala para os ricos de fora. Serão os negros, os atuais miseráveis num vasto Império ocidental que se transformou de um simples domínio territorial, para um domínio irreal e com poder de posse sobre tudo? Comercialmente, África pouco mudou em cerca de quinhentos anos. Antes, os nativos trocavam o seu ouro valioso por tecidos baratos, hoje trocam petróleo valioso por favores insuficientes de ajudas humanitárias provenientes dos países desenvolvidos, os mesmo que dominam a filosofia do dinheiro.

E, no fim, a violência prevalece. Cada vez mais, os curandeiros dão esperança individual, os espíritos dos antepassados dão conforto nas casas, e em última instância, nenhum ser sobrenatural é suficientemente real para acabar com a real violência terrena. Não se pode subestimar que, todas as submissões africanas têm um cunho imperialista dos colonizadores originais. Nem as religiões abraâmicas escaparam a esse contexto Imperial que, vivia da conquista de recursos naturais e recursos humanos, recorrendo à própria colonização. Por isso, se o capitalismo foi ou é a moeda de escravização física, o cristianismo e islamismo Imperial, para além de outras coisas, tiveram a intenção de tornar fácil a entrada dos colonizadores no seio dos povos africanos, fazendo a comunicação facilitada pela fé comum, e fazendo os nativos convertidos terem uma atitude de paz e neutralidade perante a ousadia das decisões do poder estrangeiro.

Sendo povos de grande e fácil apego à religião, a crença religiosa tornou-se a única esperança para muitos africanos atuais. Não tanto uma esperança no amanhã melhor, mas sim numa de, morrer para alcançar a salvação muçulmana ou cristã. A morte tornou-se num caminho paralelo ao mérito, e preferível, de acordo com a doutrina dos saberes dos que vieram de longe para dar uso às suas vidas e levar lucros africanos.

Os nativos que assim conseguem, fogem a sete pés, e os que têm apego, ficam recorrendo a garras e dentes, desafiando todas as forças que prometem beneficia-los como bons escravos da terra. O que sobra é a violência, e mesmo fora do continente africano, em relação com os do Primeiro Mundo, muitos destes últimos estão aptos a incutir mais violência discriminatória nos africanos e descendentes que arriscam pela integração no mundo ocidental. Estes ocidentais que possuem uma espécie de escudo mental do privilegiado, que não querem o risco de perder o seu reino egocêntrico para estrangeiros pedintes, consideram que, os negros possuem uma cultura inferior, retirando o estatuto de humanos a esses imigrantes e, em vários casos, submetendo-os a um tratamento de recursos exclusivos para o benefício do Homem ocidental, descartando-se completamente da responsabilidade fantasiosa sobre o Homem de todos os cantos. Para esse nicho de ocidentais, conservadores até à última gota, o negro tem um espaço algures, mas que não seja no topo das pirâmides capitalistas. O capitalismo é propriedade genética, privada, não africana.

A noção da inferioridade hierárquica dos africanos é tão clara, que muitas vezes os próprios, quando vivem fora do continente nativo, orgulham-se em esbanjar o pouco que têm, para se igualarem visualmente aos ocidentais com muito mais posses. Pior, alguns infelizes, nativos ou descendentes, chegam ao cúmulo existencial de cair na ilusão de pensar que não são africanos ou negros, preferindo mais uma vez, a morte, mas em outros contornos, a morte da sua identidade de berço, para que a realidade violenta seja mascarada e reconfortada pelos costumes da supremacia ocidental. Outros imigrantes, ao voltarem a casa e deparando-se com as mesmas urgências básicas locais, protegem-se com mais brutalidade passiva, recorrendo ao exibicionismo financeiro para se distanciarem dos que ainda hoje vivem no passado que os assombra todos os dias.

Nenhuma festa de batizado, de casamento ou kizomba, disfarça por muito tempo esta tal violência totalitária que africanos e descendentes, negros, sofrem pelo globo fora. A violência é invisível, sem cor, mas aperta a existência de cada um “de cor”. A estes escravos da hierarquia global, só se pode desejar positivismo como o apoio na prudência e racionalidade. Será necessária, atitudes antitotalitarismos para que, a participação democrática, a valorização da crítica e inteligência, a valorização humana, e a dignidade, sejam os pilares do fim da atual violência hereditária.

Todos sabem o que sucede em África. Os nativos e descendentes têm a plena consciência da sua atual posição social e mundial, e é preciso criar ação através dessa consciência mundial, tornando-a racionalizada. A criatividade e alternativa contra, por exemplo, a dependência mortal sobre o estado do clima e as chuvas, a fortificação da sobrevivência dos mais pobres, o povo, será o mesmo que fortificar as bases que suportam a sobrevivência de todo o território em questão. A descentralização mundial e capitalista em África, que ironicamente é uma orientação comercial imposta pelos seus criadores não africanos, ou, a adaptação e reajustamento da entrada e saída de riquezas, serão porventura um bom prefácio para a mesma humanização continental e étnica.

Neste mundo gerido por uma teia de ordem supremacista, onde dificilmente quem estiver na posição de privilégio irá ter a coragem para desafiar o próprio sistema que o privilegia, caberá a responsabilidade a africanos, descendentes e humanistas de todo o globo, resgatar a África. Todos só têm uma das duas saídas, incluindo os políticos africanos e autoritários, corrompidos pelo jogo comercial: ou o respeito pelo dinheiro e a morte do negro, ou o respeito por África e a vida do negro.

África, o último refúgio na lista da dignidade, ao ter os seus filhos, a espécie humana, a unirem-se contra a sua maldita sina, fará com que finalmente o mundo experiencie, pela primeira vez, o verdadeiro humanismo mundial, pois, para haver oprimidos nesta atual globalização, é porque, de alguma forma, todos o consentiram.

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Redação