E se Cabo Verde não fosse independente?
Ponto de Vista

E se Cabo Verde não fosse independente?

Nota inicial: Este não é um texto contra a independência de Cabo Verde. É, antes, uma reflexão crítica e madura sobre os caminhos que poderiam ter sido seguidos. Um exercício intelectual que, longe de negar a História, a observa com as lentes da alternativa.

Cabo Verde celebrou, a 5 de julho de 2025, cinquenta anos de independência. Meio século de soberania, conquistas e desafios. Um marco incontornável na nossa história coletiva, fruto da visão de gigantes como Amílcar Cabral, cuja coragem, inteligência política e compromisso com a dignidade do povo africano deixaram uma marca eterna.

Mas cinquenta anos depois, talvez seja legítimo perguntar, com serenidade e sem tabus: e se não tivéssemos optado pela independência total? E se, ao invés disso, Cabo Verde tivesse seguido o caminho da autonomia progressiva dentro da estrutura portuguesa, como fizeram outros territórios noutras geografias?

A Autonomia: Caminho Possível, Nunca Considerado

Em 1975, o contexto geopolítico internacional, o colapso do Estado Novo em Portugal e os ventos de descolonização que varriam África tornavam a independência quase inevitável. Mas em termos estritamente teóricos, teria sido possível uma autonomia negociada? Um modelo de autogoverno interno, com controlo pleno sobre as finanças, a cultura, a língua, as leis, mantendo simultaneamente uma ligação institucional com Portugal?

Modelos como os das Ilhas Faroé (Dinamarca), da Nova Caledónia (França), de Macau (sob administração portuguesa até 1999), ou mesmo das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que se mantiveram dentro da soberania portuguesa com alto grau de autogoverno, poderiam ter servido de inspiração para um caminho cabo-verdiano alternativo?

Autonomia ou Independência: O Que Teríamos Ganhado ou Perdido?

É inegável que a independência deu a Cabo Verde a capacidade de definir o seu destino, sem tutela externa. Criou símbolos, identidade, instituições, relações internacionais diretas. Mas também trouxe fardos: o peso da dívida, a total responsabilidade pela gestão de crises, a fragilidade institucional inicial e, por vezes, o isolamento estratégico.

Se Cabo Verde tivesse optado por um modelo autonómico, teria beneficiado de um enquadramento europeu? De transferências financeiras mais robustas? De acesso à segurança social portuguesa? De apoio estrutural mais regular em educação, saúde, infraestruturas? Talvez.

Por outro lado, teria perdido o orgulho soberano, a bandeira hasteada por mãos cabo-verdianas, o hino que ecoa nas praças e nos palcos do mundo. Teria perdido o direito de falar em nome próprio nas Nações Unidas, de negociar os seus tratados, de ter um passaporte independente.

Um Debate Maduro e Necessário

Não se trata de propor o retrocesso. Não se propõe aqui a revisão da independência conquistada. Mas sim de amadurecer o debate histórico, permitindo que novas gerações saibam que a História também é feita de hipóteses e de caminhos não tomados. Que pensar em alternativas não é traição, mas exercício democrático.

Ao refletirmos sobre a autonomia como via não seguida, abrimos espaço para avaliar o que fizemos com a independência conquistada. Que uso demos à soberania? Que modelos seguimos? Que tipo de Estado construímos?

Conclusão: A Liberdade Está na Capacidade de Pensar Sem Amarras

Cinquenta anos depois, pensar o passado com coragem é também uma forma de honrar os que lutaram por ele. E perguntar "e se...?" é, por vezes, o gesto mais profundo de respeito pela História.

O artigo que escrevo não pretende reescrever a História nem desvalorizar a conquista da independência nacional. Antes pelo contrário: é precisamente por reconhecermos o valor inquestionável da liberdade conquistada, que nos sentimos hoje mais livres para pensar criticamente, explorar alternativas teóricas e abrir espaço para o debate.

Refletir sobre caminhos não tomados é uma forma de enriquecer a consciência histórica, não de a apagar. E é também uma homenagem aos que lutaram para que hoje tenhamos a liberdade de pensar sem medo e de questionar com responsabilidade.

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