A farsa da excelência Turística: A miopia dos Governantes
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A farsa da excelência Turística: A miopia dos Governantes

Se quisermos que o tão proclamado turismo de excelência deixe de ser uma utopia decorativa, precisamos de políticas públicas bem desenhadas, compromisso de longo prazo, gestão competente e, acima de tudo, respeito pela ilha e pelo seu povo. O turismo deve ser um motor de desenvolvimento sustentável, inclusivo e digno. No entanto, enquanto se promete um turismo de qualidade, ignora-se o óbvio: falta de visão, ausência de investimentos estruturantes e falta de coragem para enfrentar os verdadeiros problemas. A “excelência” tornou-se num discurso bonito, vazio, mas fotogénico — brilha ao longe para as câmaras, mas tropeça de perto na realidade do dia a dia. 😁 Sorria.

A ausência de uma estratégia clara tem impedido que o Sal, e Cabo Verde em geral, alcance um verdadeiro turismo de excelência. Ninguém conhece, de forma objetiva e pública, a estratégia nacional para o setor. Na ilha do Sal, o que se observa são intervenções avulsas e paliativas, longe de um plano estruturado com metas e prazos bem definidos.

As únicas obras com impacto real na melhoria da experiência turística foram a avenida dos hoteis e o pedonal de Santa Maria. Este último graças à visão do ex-presidente da Câmara, Dr. Jorge Figueiredo, e da sua equipa, que ousaram fechar ao trânsito uma rua que, aos fins de semana, ganhava vida: restaurantes estendiam as suas esplanadas, músicos tocavam ao vivo, e turistas e locais passeavam com segurança e prazer. A construção que veio após 2016 já era parte de um conceito delineado pelo executivo anterior. Desde então, pouco mais se fez além da requalificação de estruturas já existentes, como o calçadão, a estrada Santa Maria–Espargos ainda em andamento, e o pontão que continua à espera da prometida requalificação.

A única infraestrutura nova foi o centro de saúde, uma obra que, infelizmente, não trouxe melhorias reais à vida da população local, ficando aquem do que era esperado, pois continua a não funcionar 24 horas por dia, obrigando os utentes a deslocar-se até aos Espargos, tal como antes. Enquanto isso, assistimos a uma Câmara Municipal que dá prioridade ao asfalto, numa cidade turística que carece de passeios seguros e acessíveis,  uma inversão de prioridades difícil de justificar.

A questão da acessibilidade é outro ponto crítico. A falta de empatia para com turistas com mobilidade reduzida reflete um desleixo grave. Um destino turístico moderno e inclusivo deve garantir acesso universal e digno a todos os espaços públicos.

A falta de investimento contínuo conduz inevitavelmente à degradação das infraestruturas. Um exemplo claro é a Avenida dos Hotéis, que se encontra em estado de abandono, com sinais evidentes de desgaste e deterioração. Esta realidade acaba por exigir constantes intervenções de reconstrução, um processo dispendioso que revela má gestão dos recursos públicos. Reconstruir deve ser exceção, não a regra. A manutenção regular e preventiva é o caminho mais eficiente, sustentável e responsável.

Infelizmente, ao longo da última década, muitas das intervenções realizadas limitam-se a repor o que já existia, sem qualquer sinal de inovação, planeamento de longo prazo ou visão de futuro. Continuamos presos a uma lógica reativa, em vez de adotarmos uma abordagem estratégica e proativa.

A sinalética, por mais simples que pareça, é outro elemento essencial. Ela traduz organização, respeito pelas normas e facilita a circulação dos turistas, prevenindo infrações. A desculpa da vandalização não pode justificar a sua ausência, deve, sim, ser um desafio a ser enfrentado com soluções inteligentes.

Se queremos realmente alcançar um turismo de excelência, é fundamental dar um passo além da retórica e apostar numa gestão profissional e estratégica. Para isso, é necessário reunir especialistas, líderes comunitários e representantes do setor com o objetivo de construir uma estratégia concreta, com metas claras, prazos definidos e acompanhamento rigoroso. Mais do que nunca, o setor precisa de planeamento estratégico sólido, e não de medidas improvisadas.

Nesse sentido, é urgente a criação de uma equipa técnica multidisciplinar, focada em inovação, recolha e análise de dados, definição de prioridades e monitorização contínua da qualidade dos serviços, desde os restaurantes, alojamentos e operadores turísticos até às experiências de lazer e cultura. Só com competência, visão e compromisso a longo prazo será possível transformar o turismo numa força de desenvolvimento sustentável, equilibrado e inclusivo.

Infelizmente, o modelo de turismo que temos está baseado exclusivamente no aumento do número de visitantes, e não na promoção de um crescimento sustentável, com benefícios reais para a população local. A qualidade dos serviços, especialmente fora dos grandes hotéis, continua a ser negligenciada e exige intervenção urgente.

Qualquer projeto que beneficia o turismo acaba, inevitavelmente, por beneficiar também a população local, seja através da criação de empregos, do aumento dos rendimentos ou da melhoria da qualidade de vida. No entanto, continua a faltar uma estratégia clara e investimentos significativos na promoção das outras ilhas do arquipélago.

O Sal deveria ser promovido como porta de entrada para a descoberta de Cabo Verde. Devíamos oferecer aos turistas não apenas uma estadia limitada à ilha, mas a possibilidade concreta e atrativa de visitar outros destinos nacionais. O exemplo da ilha do Fogo é revelador: já houve voos diretos entre o Sal e o Fogo, que deveriam ser reativados com urgência, tanto para dinamizar o turismo, como para servir melhor os emigrantes originários daquela ilha, que carecem de alternativas de transporte viáveis.

Ilhas como Maio e São Nicolau também merecem maior visibilidade e promoção, especialmente no Sal, onde circula o maior número de turistas. O Governo, que já subsidia as passagens interilhas, poderia aproveitar essa medida para incentivar pacotes turísticos internos. Assim, além de atrair mais visitantes, gerar-se-iam receitas adicionais que poderiam contribuir para compensar os custos dos próprios subsídios, tornando o sistema mais equilibrado e sustentável.

É chegada a hora dos três partidos com assento parlamentar assumirem um compromisso suprapartidário em torno do turismo na ilha do Sal. Um acordo de, pelo menos, 10 anos onde a maioria da taxa turística cobrada na ilha seja canalizada para projetos estruturantes. Só com continuidade, compromisso e visão é que poderemos alcançar um turismo de excelência.

O turismo não pode continuar refém de ciclos eleitorais. Apesar das sucessivas mudanças de governação, não se vê uma visão coerente, nem obras estruturantes com impacto real e duradouro. Santa Maria é turística por natureza  mas se assim não fosse, é quase certo que muitas das construções ali feitas nunca teriam acontecido. Com exceção da Avenida dos Hotéis e do calçadão pedonal, grande parte do desenvolvimento urbano teria seguido outro rumo, provavelmente com menos atenção ou investimento.

É fundamental reforçar que Santa Maria pertence a todos os cabo-verdianos. Por isso, deve ser pensada com responsabilidade e uma visão nacional, não apenas como um destino turístico, mas como um motor económico que alimenta direta e indiretamente todas as ilhas. Pensar em Santa Maria é pensar no futuro de Cabo Verde e isso exige mais do que promessas eleitorais; exige planeamento, compromisso e visão a longo prazo.

Infelizmente, o próprio Primeiro-Ministro parece não perceber que a ilha do Sal não está preparada para receber mais empreendimentos turísticos. Em vez de reconhecer as limitações e carências gritantes da ilha, como o deficiente saneamento, o desordenamento urbano, a fraca acessibilidade e a precariedade dos serviços básicos, continua a incentivar a construção de mais hotéis e resorts, sem apresentar um único projeto estruturante que sustente esse crescimento acelerado.

Trata-se de uma visão limitada e perigosa, que compromete a sustentabilidade da ilha e degrada a qualidade da experiência turística, cuja base continua a ser a praia de Santa Maria. No entanto, essa praia, por si só, já não é suficiente. Cabe-nos desenvolver novos atrativos, criar pontos de interesse e enriquecer a oferta cultural, ambiental e de lazer, de forma a prolongar a estadia dos visitantes e aumentar o seu impacto económico positivo na comunidade local.

Em vez de insistirmos apenas no aumento do número de turistas, o foco deve estar em como fazer com que cada turista que já nos visita contribua mais para a economia local. A chave para um turismo verdadeiramente sustentável e inteligente não está na quantidade, mas na qualidade da experiência oferecida e no valor que ela gera.

Para isso, é essencial melhorar os serviços, diversificar os produtos turísticos e criar experiências autênticas. É preciso investir em cultura, gastronomia local, ecoturismo, desportos náuticos e circuitos históricos, elementos que levam o turista a ficar mais tempo, explorar mais e gastar mais. É esta abordagem que gera retorno real, cria empregos qualificados e distribui melhor a riqueza que o setor turístico produz.

Se quisermos que o tão proclamado turismo de excelência deixe de ser uma utopia decorativa, precisamos de políticas públicas bem desenhadas, compromisso de longo prazo, gestão competente e, acima de tudo, respeito pela ilha e pelo seu povo. O turismo deve ser um motor de desenvolvimento sustentável, inclusivo e digno. No entanto, enquanto se promete um turismo de qualidade, ignora-se o óbvio: falta de visão, ausência de investimentos estruturantes e falta de coragem para enfrentar os verdadeiros problemas. A “excelência” tornou-se num discurso bonito, vazio, mas fotogénico — brilha ao longe para as câmaras, mas tropeça de perto na realidade do dia a dia. 😁 Sorria.

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