A cultura política em Cabo Verde está marcada por duas grandes tradições — uma mais estatista e coletivista (PAICV), outra mais liberal e descentralizadora (MPD) — mas ambas têm falhado na resposta profunda aos desafios estruturais do país. A UCID surge como uma alternativa crítica, mas ainda sem força de rutura ou proposta de governo. Este cenário ajuda também a explicar os níveis crescentes de abstenção em Cabo Verde, onde uma parte significativa da população já não se revê em nenhum dos partidos. A abstenção é, muitas vezes, o reflexo da desilusão com promessas não cumpridas, com a repetição de práticas políticas estéreis e com a ausência de alternativas mobilizadoras. Esclarecer as diferenças entre os projetos políticos, recuperar a confiança dos cidadãos e abrir espaço para novas vozes é essencial para travar este afastamento cada vez mais evidente.
Em Cabo Verde, os dois principais partidos — MPD e PAICV — têm marcado a história política nacional desde a transição democrática. Apesar da alternância regular no poder, muitos cidadãos continuam a sentir que os problemas estruturais do país se perpetuam, independentemente de quem governa. Este sentimento tem levado muitos cabo-verdianos, sobretudo os mais jovens, a procurar um espaço ideológico que faça sentido — e a questionar as verdadeiras diferenças entre os partidos.
Este artigo pretende ajudar a clarificar essas diferenças, explorando as culturas políticas do MPD e do PAICV, e refletindo sobre o papel crescente da UCID como terceira força.
Diferenças culturais entre MPD e PAICV
O PAICV, com raízes no antigo partido único, mantém uma visão mais próxima do Estado como motor do desenvolvimento. Acredita que o Estado deve intervir diretamente na economia e na sociedade, assegurando proteção social, investimento público e regulação ativa. Esta abordagem tem méritos — principalmente em contextos de desigualdade — mas também riscos, como o excesso de dependência e a falta de eficiência.
O MPD, por sua vez, defende uma lógica mais liberal: acredita na força da iniciativa privada, na descentralização de decisões e na redução da presença do Estado na economia. Aposta, teoricamente, em menos impostos, menos burocracia e mais liberdade para o cidadão. No entanto, quando confrontado com problemas complexos, também recorre ao Estado — muitas vezes como solução imediata, o que pode comprometer a coerência da sua visão liberal.
Ambos os partidos, embora ideologicamente distintos, têm em comum uma prática política que recorre frequentemente a fundos públicos para disfarçar problemas estruturais. Essa abordagem, de curto prazo, tem sido particularmente visível no setor dos transportes, onde se injetam recursos sem que se implementem reformas profundas. O resultado é a repetição cíclica dos mesmos problemas.
O papel da UCID: alternativa, crítica ou ponte?
A UCID tem ocupado, de forma persistente, um lugar de oposição crítica ao duopólio MPD/PAICV. Apresenta-se como um partido alternativo, que procura equilibrar o papel do Estado com a responsabilidade individual e comunitária. Com um discurso assente na ética, na boa governação e na justiça social, tenta posicionar-se como uma voz crítica, mas construtiva. Ainda sem uma ambição clara de governar, tem conquistado espaço junto de eleitores descontentes com o sistema político atual. No entanto, a UCID ainda não apresentou um corpo ideológico consolidado que a distinga com nitidez das restantes forças políticas, o que levanta dúvidas sobre a sua capacidade de se afirmar, a médio prazo, como alternativa governativa real e estável.
A sua força estará, no futuro, em manter a coerência crítica sem resvalar para o populismo fácil, e apresentar propostas viáveis que façam a ponte entre a denúncia e a governação.
Conclusão
A cultura política em Cabo Verde está marcada por duas grandes tradições — uma mais estatista e coletivista (PAICV), outra mais liberal e descentralizadora (MPD) — mas ambas têm falhado na resposta profunda aos desafios estruturais do país. A UCID surge como uma alternativa crítica, mas ainda sem força de rutura ou proposta de governo.
Este cenário ajuda também a explicar os níveis crescentes de abstenção em Cabo Verde, onde uma parte significativa da população já não se revê em nenhum dos partidos. A abstenção é, muitas vezes, o reflexo da desilusão com promessas não cumpridas, com a repetição de práticas políticas estéreis e com a ausência de alternativas mobilizadoras. Esclarecer as diferenças entre os projetos políticos, recuperar a confiança dos cidadãos e abrir espaço para novas vozes é essencial para travar este afastamento cada vez mais evidente.
O futuro político dependerá da capacidade dos partidos (todos) de se renovarem internamente e responderem com seriedade, visão e coragem aos problemas de fundo. Caso contrário, o espaço para a emergência de forças políticas disruptivas crescerá — mas esse é já tema para outro artigo.
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