Cadê o Estado?
Ponto de Vista

Cadê o Estado?

Já o tínhamos abordado antes e agora faz todo o sentido voltar a bater na mesma tecla: a impunidade dos cambistas de rua no Plateau. É que não se percebe por que carga d’água o sistema permite, na sua barba cara, um negócio ilegal de dinheiro que devia estar ao serviço do país. Pior, mantendo esses cambistas (i)legalmente a deambular pela cidade capital, assediando os transeuntes está-se, ao mesmo tempo, a promover bandidagem.

É sabido que além da compra e venda de divisas, esses indivíduos também estarão a traficar outros ilícitos e a lavar dinheiro proveniente da droga. Não raras vezes é notícia de que esse, aquele e aqueloutro cambista foi assassinado por, supostamente, ajuste de contas. E esta tarde, este diário digital, O Santiago Magazine, nos dá a notícia de que um grupo desses cidadãos estarão implicados num assalto ocorrido na terça-feira numa loja chinesa em pelo centro do Plateau, o coração da cidade capital.

Não creio que terá sido por revolta. Estou mais inclinado a pensar que se trata de outra forma de ganharem dinheiro fácil, nesta terra em que desemprego alastra a cada dia, apesar das posições contrárias do Governo. Obviamente, salta à vista a ligeireza com que as autoridades lidam com esta questão dos cambistas de rua, como que, propositadamente, a dar legitimidade a um segmento sócio-económico que sequer se coíbe de exercer a sua actividade ilegal em frente ao Banco de Cabo Verde e o Ministério das Finanças.

É uma situação altamente reprovável e inadmissível, para não dizer revoltante. A titulo de exemplo, países como Moçambique, Brasil ou Angola não têm dado trégua a esses contrabandistas do dinheiro. Em Luanda, por exemplo, a limpeza foi geral, com muitos deles a ir preso, por causa da resistência à autoridade. Esta atitude permitiu ao país-irmão crescer o seu PIB e dar os primeiros sinais de que está disposta a funcionar com base na legalidade. Em Cabo Verde, é tudo laisser faire, laisser passer.

E vejam o caso dos chineses: têm isenção, competem em vantagem com os comerciantes nacionais e beneficiam de toda a protecção. Está certo que chegam ao arquipélago pela via da cooperação bilateral existente entre Cabo Verde e a China, mas a forma desregulada como vêm praticando a actividade comercial no país não deixa de chamara a atenção. E indignar. Porque desrespeitam as leis nacionais do Trabalho – contratos precários, empregadas exploradas, horários de trabalho fora da lei – e, por outro, estão a alastrar seu método ao sector alimentício, fechando, pela via da vantagem fiscal de que dispõem, comerciantes tradicionais.

Se antes era só no calçado e roupas (que, convenhamos tinha lógica por causa das taxas impagáveis à importação desses produtos) agora os tentáculos da China penetram descontroladamente no sector alimentício – mini e super-mercados. A consequência directa é o encerramento vertiginoso do comércio tradicional, levando ao desemprego pessoas que não acolhem. Ou porque são muitos os novos desempregados ou por que a qualificação que muitos destes têm ultrapassa o tecto salarial aplicado pelos chineses (em Cabo Verde há milhares quadros licenciados no desemprego).

Bem vistas as coisas, são milhares de contos que aqui também deixam de entrar no sistema cabo-verdiano, porque vai tudo para o seu país. O ex-presidente da Região Autónoma da Madeira, Alberto João Jardim, percebeu isso e impôs regras rígidas para proteger os comerciantes locais e conter o crescimento desregulado do comércio chinês na ilha.

A regulação made in Cabo Verde é demasiado porosa para agir à altura. Por isso consente infiltragens no seu aparelho, atrapalhando o seu normal funcionamento. Vemos então contrabandistas a trabalhar debaixo da janela do Governador do BCV e do Ministro das Finanças, e chineses a rasgarem as leis laborais nossas, mesmo ao lado da Inspecção geral ou da Direcção Geral do Trabalho.

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