
A ministra da Justiça, Joana Rosa, afirmou hoje que a independência dos tribunais “é intocável” e que “ninguém está acima da lei”, ao ser questionada sobre o caso do deputado detido há um ano, agora com o mandato suspenso.
“Nós, os cidadãos, também têm que ter presente o Estado que temos, aquilo que é o quadro que temos e ninguém está acima da lei. Ninguém. Nem os juízes estão acima da lei”, afirmou a ministra Joana Rosa, questionada à margem de um evento oficial, na Praia, sobre a preocupação manifestada pelo chefe de Estado, José Maria Neves, sobre o caso do deputado detido.
“Eu não reajo. Eu não tenho nenhuma reação em relação à intervenção do senhor Presidente da República. O que eu digo é que os tribunais são independentes. Essa garantia é intocável”, reafirmou a ministra.
O Presidente da República apelou na terça-feira à “celeridade” da Justiça no caso que envolve o deputado e advogado Amadeu Oliveira, que viu o parlamento suspender-lhe o mandato.
“Preocupado com a situação e considerando que a imunidade parlamentar, princípio sagrado da ética republicana, é rodeada de especiais cuidados, insto as instâncias judiciais a agirem com celeridade, de modo a evitar que se instale a perceção de impunidade e continue o corrosivo desgaste das instituições democráticas”, afirmou o chefe de Estado.
“Dá-mos a total garantia, do ponto de vista legal, daquilo que é o quadro constitucional legal que temos agora”, acrescentou a governante, afirmando que os tribunais “não podem errar”.
“Mas, havendo erros, há sempre mecanismos de correção. É isso que eu estou a dizer. Temos a primeira instância e temos as instâncias de recurso”, acrescentou Joana Rosa.
Em causa está um recurso no Tribunal Constitucional (TC), envolvendo a detenção em julho de 2021 de Amadeu Oliveira – arguido em três processos -, que continua por decidir.
“Há divergências entre os juristas e os atores políticos sobre as decisões do parlamento e sobre a constitucionalidade e a legalidade da prisão do deputado. Neste caso, e no ponto em que as coisas estão, a única forma de se resolver a questão é recorrer a todas as instâncias judiciais e, finalmente, ao Tribunal Constitucional. Tenho informações acerca dos recursos que os advogados têm interposto junto dos tribunais e do pedido de um grupo de deputados de fiscalização da constitucionalidade da Resolução da Assembleia Nacional que autoriza a prisão do deputado Amadeu Oliveira”, afirmou o Presidente da República, na sua mensagem.
“Temos de aguardar, nesta altura, pelas decisões dos Tribunais”, afirmou ainda José Maria Neves.
Já para a ministra, “a independência dos tribunais é algo que ninguém, mas ninguém, pode pôr em causa”.
“As decisões judiciais são decisões, até prova em contrário, decisões justas. É por isso que nós temos várias alçadas, digamos assim. Alguém insatisfeito poderá perfeitamente fazer recurso àquilo que é o Tribunal Supremo de Justiça, depois também ao Tribunal Constitucional, que é o garante da constitucionalidade, da salvaguarda dos direitos e garantias dos cidadãos”, disse ainda.
O parlamento aprovou em 28 de julho, por maioria, em voto secreto e num processo inédito, a suspensão de mandato de deputado de Amadeu Oliveira, detido há um ano e suspeito de atentado contra o Estado.
Após dois dias de intenso debate no parlamento, os deputados votaram separadamente três propostas de resolução relativa à suspensão de mandato do deputado, advogado e crítico do sistema judiciário cabo-verdiano, pedida em três processos distintos pela Procuradoria-Geral da República (PGR), para o poder levar a julgamento.
Com 69 deputados presentes na sessão, cada proposta carecia de uma maioria de 35 votos para ser aprovada, tendo duas recebido 38 votos a favor e outra 39 votos favoráveis, enquanto que todas receberam 27 votos contra.
Um dos motivos centrais que dividiu o parlamento no debate que antecedeu a votação prendeu-se com dúvidas sobre a legalidade da decisão tomada há precisamente um ano pela comissão permanente da Assembleia Nacional de, a pedido da PGR, levantar a imunidade do deputado, que tinha sido eleito três meses antes nas listas da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), para ser ouvido num desses processos, acabando por ficar em prisão preventiva.
Até agora, o parlamento continua a funcionar com apenas 71 deputados e não os 72 eleitos, como também recordou o Presidente da República, na sua mensagem.
Crítico do sistema de justiça do país e assumido autor da fuga do arquipélago de um homem condenado por homicídio, o também advogado foi detido em 18 de julho após ser ouvido naquele processo, um dos três votados. Dois dias depois, o Tribunal da Relação de Barlavento, na ilha de São Vicente, aplicou a prisão preventiva a Amadeu Oliveira.
Contudo, contrariamente ao previsto na lei, o deputado acabou por ficar em prisão preventiva desde então, sem despacho de pronúncia transitado em julgado - obrigatório para a detenção de um deputado fora de flagrante delito - o que levou, entretanto, um grupo de 15 deputados a avançar para o Tribunal Constitucional, requerendo um pedido de fiscalização abstrata sucessiva para analisar o caso.
Detido desde julho de 2021 na cadeia de Ribeirinha, em São Vicente, Amadeu Oliveira é acusado no processo mais mediático e ocorrido já após as eleições legislativas dos crimes de atentado contra o Estado de direito, perturbação do funcionamento de órgão constitucional e ofensa a pessoa coletiva, segundo a PGR.
Em causa estão várias acusações do deputado contra os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e a fuga do país do condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio – pena depois revista para nove anos - de Arlindo Teixeira, em junho do ano passado, com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França, onde está há vários anos emigrado.
Amadeu Oliveira assumiu publicamente, no parlamento, que planeou e concretizou a fuga do condenado, de quem era advogado de defesa, num caso que lhe valeu várias críticas públicas.
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