Para Cabo Verde “não se põe” a pergunta se valeu a pena a independência – frei Fidalgo
Em Foco

Para Cabo Verde “não se põe” a pergunta se valeu a pena a independência – frei Fidalgo

O frei António Fidalgo, antigo director do jornal Terra Nova, tido como um “lutador pela democracia no País”, diz que, para Cabo Verde, a pergunta se valeu a pena a independência  “não se põe”.

Em entrevista à Inforpress, a partir dos Estados Unidos de América, onde vive actualmente, é peremptório ao afirmar que, em relação a Cabo Verde, a questão se valeu a pena o País se tornar independente só se poderia colocar “se não tivesse conquistado, juntamente com a independência, também o pluralismo político, a alternância, e a democracia”. 

“Temos de dar parabéns a Cabo Verde que, após vencer o partido único, já conseguiu três alternâncias a nível de governo e os presidentes da República não têm sido indivíduos de uma só cor política”, congratulou-se o frei Fidalgo, para quem Cabo Verde “continua a ser um exemplo para África e para vários países do mundo”.

Acrescenta que, hoje, quando olha para a actualidade política dos Estados Unidos, acha que “Cabo Verde neste momento está melhor a nível, por exemplo, da questão da independência dos poderes legislativos, judiciais e executivos”.

Na sua perspectiva, o país “está melhor, também, na questão da liberdade de expressão”.

Frei Fidalgo muito cedo abraçou a causa da independência das antigas colónias portuguesas. Quando se lhe pergunta como surgiu o seu sonho independentista, responde neste termo:

“Não é fácil entender essa minha opção de há 50 anos. Quando eu fui para Itália estudar Teologia, em 1968, levei uma mentalidade de colono. Para mim, estava tudo bem, e os que lutavam nas colónias pela independência, eram causadores de terror. Estava tudo bem, de Minho, passando por Cabo Verde, até chegar a Timor. Encontrei na Itália e em toda a Europa uma sociedade em ebulição. Fui tomando consciência de que afinal estava tudo errado na minha cabeça”.

Revela que foi conhecendo a doutrina social da Igreja e descobriu que “o princípio da autodeterminação dos povos é um direito internacional também para a Igreja”.

“Quando os lideres ´terroristas´ foram recebidos pelo então Papa Paulo VI, eu já estava completamente conscientizado. Inclusive enviei uma mensagem a Amílcar Cabral com um colega de Moçambique que fez questão de ir a Roma na altura”, pontuou o sacerdote, acrescentando ser natural que, voltando para Cabo Verde para ser ordenado padre, em , “não ficasse alheio ao que se passava nesse complicado momento de transição. Achei que não teria sido honesto comigo mesmo, se assumisse uma posição de neutralidade”.

Foi assim que decidiu então aceitar a proposta para ser deputado, tendo em vista ajudar a conseguir “essa meta importante da independência”.

“Padre e deputado? Não era propriamente uma novidade, apesar das reticências da minha igreja e das restrições que ela impunha nessa matéria”, sublinhou.

Instado sobre as razões que o levaram, mais tarde, a entrar em rota de colisão com os seus “camaradas” de então, explicou que tinha consciência de que a sua opção não tinha um “carácter absoluto”.

“Sabia que tarde ou cedo eu me afastaria. Era isso que eu dizia nas entrevistas que na altura eu dava”, indicou Fidalgo. 

Nessa época, acrescentou, havia correntes na Igreja que procuravam pontos comuns entre o Evangelho e o socialismo.

“Por algum tempo, esses ensaios foram feitos em países da Europa e América Latina. Eu também tentei ver até que ponto isso era possível”, assinalou o antigo director do “Terra Nova”. 

“Hoje posso dizer o seguinte: é como a água e o azeite. Não se misturam. Não quer dizer que não possa haver diálogo, o Evangelho dialoga com todos, mas sem deixar de ser aquela lâmpada colocada no alto para iluminar todas as realidades humanas, mostrando o que é bom para o ser humano e o que é contrário à sua dignidade”, enalteceu Fidalgo.

A certa altura, passou a ser um crítico do regime de partido único, o que lhe valeu alguns dissabores, nomeadamente uma condenação a dois anos de prisão, com pena suspensa. Recorreu da decisão do tribunal de primeira instância e, 13 anos depois, o Supremo Tribunal de Justiça “considerou que o jornal não cometeu crime nenhum”.

“Interessante é observar que o julgamento do ´Terra Nova ´foi precedido duma campanha feroz de recolha de assinaturas, na sequência dum editorial intitulado 'E nós duvidamos', em resposta a um discurso do então Presidente da República, Aristides Pereira. No fim desse 'tufão', recebi a convocação para comparecer no Tribunal e ser julgado”, afiança António Fidalgo.

Perguntado sobre o juiz que o julgou, responde que é partido único.

À pergunta se consegue perdoar aqueles que o condenaram, afirma: “Claro que sim. A história não se apaga, as lembranças ficam, mas no meu coração não existem mágoas nem rancores. Sou cristão e sou padre. Perdoo tudo, devo perdoar”. 

O seu sonho não era apenas ver o país independente, mas também democratizado. Cedo percebeu que isso não fazia parte dos desígnios do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde.

“O meu afastamento deu-se precisamente quando contestei o projecto da Constituição de 1980, que no seu artigo 4.º dizia que na República de Cabo Verde, o PAIGC é a força política dirigente da sociedade e do Estado”, explica o frei Fidalgo, que garante ter visto a desabar sobre si “tronos e dominações”.

“Senti-me como atirado para longe como um trapo. Mas não desisti e, no dia seguinte, estava eu outra vez a lançar pedras no charco, propondo que 50 % dos candidatos fossem independentes e, portanto, não do PAICV. Eu sabia que não podia mudar nada, queria apenas levar os colegas e a sociedade a refletirem”, revela o entrevistado da Agência Cabo-verdiana de Notícias, adiantando que não tinha corrido atrás de uma ilusão, “simplesmente o romper da aurora é que estava longe de acontecer”. 

Defende que a fundação do jornal Terra Nova, em Abril de 1975, portanto, poucos meses antes da independência, “foi providencial”. 

“Ao sair desse recinto, para levar motivos de reflexão para um terreno aberto, tinha comigo o jornal que bem cedo passou a ser chamado de ’jornalinho da oposição’”, enfatiza Fidalgo. 

Segundo ele, alguns artigos, que tinham a ver com direitos humanos e respeito pela vida, “começaram a incomodar”. 

“As páginas do jornal traziam homilias do bispo Dom Paulino [já falecido] e os pronunciamentos do então Papa João Paulo II, célebre pelas posições que tomava em relação a regimes autoritários”, releva António Fidalgo, exprimindo que havia também a página dos leitores [O leitor tem a palavra], “onde cada um podia dizer livremente, mesmo sob pseudónimo, aquilo que era proibido dizer. Deste modo, o jornal Terra Nova foi-se tornando uma espécie de oásis onde era possível experimentar, dentro de muitas limitações, a liberdade de expressão”. 

Lembra que ficaram célebres os textos do seu “corajoso amigo Teófilo Santos Silva”. 

“Para mim, foi um herói e devo-lhe muito. Mas fizeram-lhe a vida cara e a sua saúde ficou comprometida”, afirmou, referindo-se a Teófilo Santos Silva.

Confrontado com a pergunta se se pode considerar que o jornal Terra Nova teve um papel importante na democratização do País, o frei Fidalgo assevera: “É o que muitos dizem”. 

Padre António Fidalgo vive actualmente nos Estados Unidos e está lá, segundo ele, pelo tempo que os seus superiores em Cabo Verde quiserem e não pensa ainda em resignar. 

“Fui nomeado pelo anterior arcebispo de Boston, Cardeal Sean Patrick O’malley, vigário paroquial em St. Patrick e St. Peter (Roxbury e Dorchester, respectivamente). Estou ao serviço dos cabo-verdianos. Tenho 77 anos, mas no dicionário dos capuchinhos o verbo resignar não existe. Enquanto houver saúde, trabalha-se”, concluiu Fidalgo.

Partilhe esta notícia

Comentários

  • joão almeida, 19 de Mai de 2025

    aa

    Responder


  • * * * Unlock Free Spins Today: http://onlinetailors.co.uk/index.php?dvurzw * * * hs=993c6bd79310f0e1a10800b2ef5da19a* ххх*, 18 de Mai de 2025

    ue14xk

    Responder


  • * * * Claim Free iPhone 16 * * * hs=993c6bd79310f0e1a10800b2ef5da19a* ххх*, 18 de Mai de 2025

    ue14xk

    Responder


  • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

    O Frei Fidalgo é uma personagem curiosa, cheia de paradoxos, com um ego bem nutrido e uma memória muito conveniente. No meio do seu discurso cheio de autoelogios e romantizações da história, ele revela mais sobre si do que sobre a realidade de Cabo Verde. Dizer que “para Cabo Verde a pergunta se valeu a pena a independência não se põe” é uma afirmação arrogante e intelectualmente preguiçosa. Claro que se põe. Ainda por cima, com os pés bem assentes na terra.

    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      Especialmente quando a maioria da população vive com dificuldades, quando a juventude emigra em massa, e quando a corrupção, o desemprego e a justiça seletiva corroem o Estado. Não é negar a validade histórica da independência — é avaliar os seus frutos. Tapar o sol com a batina não ajuda. A independência, sem soberania económica, sem justiça distributiva e sem memória crítica, é só uma bandeira hasteada sobre desigualdade e ilusão.
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      O Frei enche a boca com palavras como “pluralismo”, “alternância” e “liberdade de expressão”, como se a mera existência de eleições e mudanças de partido fosse suficiente para legitimar o estado da democracia cabo-verdiana. Alternância sem justiça social e sem acesso equitativo aos direitos é só teatro. E a liberdade de expressão? Existe, sim — mas há um preço. Perguntem aos jornalistas perseguidos e aos funcionários silenciados.
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      É sempre engraçado quando ex-militantes de regimes de partido único se tornam “críticos de coragem” só depois de serem postos de lado. Frei Fidalgo não se opôs à Constituição de 1980 por princípio democrático — opôs-se porque não cabia no jogo de poder. A denúncia do partido único só se fez quando ele já não fazia parte do núcleo duro. O espírito crítico que aparece só depois da exclusão é, no mínimo, suspeito. Ou muito humano, vá.
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      A forma como fala do Terra Nova soa mais a vaidade do que a missão. Não há dúvida de que o jornal teve importância, mas a maneira como se autoatribui o estatuto de bastião da liberdade quase o transforma num mártir da democracia. Ora, muita gente lutou de forma bem mais anónima e sofrida. Fidalgo parece esquecer que o jornal resistiu porque muitos o sustentaram, e não só por causa das suas homilias impressas ou dos seus editoriais.
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      Havia leitores e colaboradores perseguidos, como o tal Teófilo Santos Silva que “pagou com a saúde”, segundo o próprio. Mas o Frei continua, aos 77, a dar entrevistas em paz nos EUA. O que nos diz muito sobre os privilégios de classe e de estatuto que sempre teve. Falar de democracia e liberdade quando se está confortável em Boston é sempre mais fácil. Era mais corajoso continuar em Achada Grande a dar luta, não?
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      Fidalgo apresenta-se como uma figura de grande nobreza moral — mas no fundo, é um produto da Igreja que tentou surfar na vaga revolucionária enquanto mantinha um pé no altar e outro na política. A sua reflexão sobre a independência peca por ser triunfalista, descolada das condições reais da população, e autocentrada. O discurso dele já vem embalado para consumo mediático, mas pouco acrescenta a uma crítica séria da nação.
    • Jorge Lopes, 16 de Mai de 2025

      Em vez de perguntares se valeu a pena, devias ter perguntado: valeu para quem? Porque para o povo, para os bairros esquecidos, para os que continuam a emigrar aos milhares, para os que vivem entre apagões, salários de miséria e promessas vazias — a resposta está muito longe de ser um “sim” automático. Fidalgo podes ter feito a tua parte, mas agora devias escutar mais e autoelogiar-te menos. Cabo Verde merece mais que nostalgia!
    • * * * Unlock Free Spins Today: http://onlinetailors.co.uk/index.php?dvurzw * * * hs=993c6bd79310f0e1a10800b2ef5da19a* ххх*, 18 de Mai de 2025

      rh8rcv
    • * * * Unlock Free Spins Today * * * hs=993c6bd79310f0e1a10800b2ef5da19a* ххх*, 18 de Mai de 2025

      rh8rcv
    • Luiz Roberto Nunes, 18 de Mai de 2025

      O senhor Jorge Lopes, melhor conhecedor da história do que eu, explicou bem o que o entrevistado não teve coragem de dizer!
      Não é de se admirar que o nome do mesmo é Fidalgo… e ele continua a usufruir, e bem, do nome e privilégios que tem!

    Responder


  • Bento Gonçalves, 15 de Mai de 2025

    Ficar do lado dos vencedores é sempre mais fácil. Queria ver estes indivíduos na Siria, Sudão, Afeganistão, Nigeria, Chade, etc a lutar pela democracia e liberdade religiosa das minorias.

    Responder


  • JOSÉ BENVINDO LOPES, 15 de Mai de 2025

    Para mim o Sr. Pe. Fidalgo é o maior democrata caboverdiano, lutou quando o PAIGC/CV castigava de
    qualquer jeito e todos tinham medo do PAI pq as coisas eram muito duras.

    Responder


Comentar

Caracteres restantes: 500

O privilégio de realizar comentários neste espaço está limitado a leitores registados e a assinantes do Santiago Magazine.
Santiago Magazine reserva-se ao direito de apagar os comentários que não cumpram as regras de moderação.