Igreja católica vai traduzir bíblia para crioulo
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Igreja católica vai traduzir bíblia para crioulo

A igreja católica vai iniciar, em setembro, os trabalhos para traduzir a bíblia para crioulo, projeto que deverá estar concluído até 2033 e que pretende abranger mais fieis através da língua materna.

"Já estamos decididos em avançar com a tradução [da bíblia]. Em setembro vamos elaborar um cronograma e promover um debate descomplexado a nível nacional" para se captar a reação ao projeto, disse à Lusa o coordenador, o padre José Eduardo Afonso.

Nessa mesma altura, serão criadas as subcomissões que vão começar a trabalhar de forma autónoma na tradução.

O projeto concentra-se na tradução do Novo Testamento, com conclusão prevista até 2033.

Segundo o sacerdote, a iniciativa tem uma "forte carga simbólica", por estar em sintonia com os princípios do Concílio Vaticano II, realizado na década de 1960, que incentivou o uso de línguas locais nas celebrações católicas, em vez do latim.

"É o cumprimento de um desejo antigo da igreja, não é um capricho. Traduzir a bíblia para crioulo é alinhar a fé com a realidade do povo", afirmou.

O crioulo cabo-verdiano é a língua materna da vasta maioria da população, falado em todas as ilhas do arquipélago, embora com variações regionais.

Existem duas grandes famílias linguísticas: as variantes do barlavento (norte) e do sotavento (sul), com diferenças sobretudo na fonética.

O português é a língua oficial e de ensino, mas não é o idioma usado no quotidiano pela maioria da população.

Esse facto levanta um dos principais desafios do projeto que é escolher uma variante do crioulo que seja compreendida por todos.

"A maioria das reações nas redes sociais questiona qual variante será usada. Se não for possível criar uma comum, teremos de tomar uma decisão. Mas tudo será estudado com seriedade e com base em investigação", referiu.

Durante anos, houve tentativas de adaptar a bíblia para crioulo, a partir da versão portuguesa, feitas por padres sem formação específica.

"Esses padres eram pastoralistas, não eram especialistas na sagrada escritura, nem em língua grega, que é a original em que foi escrito o Novo Testamento", afirmou.

"Agora temos padres formados, conhecedores do grego e hebraico, temos teólogos, arqueólogos, linguistas e antropólogos que poderão dar um contributo decisivo num trabalho desta natureza", acrescentou.

A tradução será coordenada por uma comissão central e diversas subcomissões especializadas: uma literária para a tradução direta, uma teológica para verificar a fidelidade à doutrina católica e uma linguística para garantir o rigor da língua crioula.

O processo envolverá também teólogos, linguistas, antropólogos e outros especialistas, residentes em Cabo Verde e na diáspora, que querem apoiar a iniciativa voluntariamente.

Segundo José Eduardo Afonso, o objetivo é criar um texto que possa ser usado na liturgia, mas sem obrigatoriedade.

"O uso dependerá do contexto celebrativo e das comunidades. O importante é oferecer aos fiéis a possibilidade de ouvir a palavra de Deus na sua língua materna", referiu.

A bíblia será publicada em formato físico, mas a igreja quer também disponibilizá-la em formato digital e em áudio.

Já há contactos com uma fundação americana interessada em apoiar o projeto financeiramente, o que poderá permitir maior rapidez e acessibilidade.

A igreja espera que a tradução da bíblia para crioulo tenha um impacto "visível na vida, na fé e na maneira como os fiéis vivem e compreendem a sua espiritualidade".

"Já o vemos com os cânticos em crioulo", concluiu.

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