Lajinha, um stória de encantar. A praia que era nossa, até deixar de ser
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Lajinha, um stória de encantar. A praia que era nossa, até deixar de ser

A Lajinha está a tornar-se propriedade emocional de uma marca estrangeira.
E nós?
Ficamos com os restos do buffet, os salários mínimos, os postos temporários e um outdoor bonito a prometer o que nunca entrega. Este não é um artigo contra o turismo.
É um alerta contra a falta de transparência e de comunicação entre governantes e o povo.
Porque quando se constrói um hotel com acesso exclusivo a uma praia pública, isso é arquitectura da desigualdade.
Quando se instala um bar gigante sobre o areal, isso é agressão paisagística.
Quando se cria um passadiço que evita o contacto com o povo, isso é APARTHEID SOCIAL com vista para o mar.

Há praias que se perdem por erosão e outras, por ganância.
A nossa Lajinha está a ser arrastada pelas duas.
Mas não é o mar que a leva, é o silêncio.

Na teoria, a praia é de todos.
Mas na prática, começou a ganhar grades invisíveis, escoltas privadas e um passadiço de ferro com destino marcado: “acesso directo e exclusivo à praia”, para hóspedes com pulseira no pulso e cartão magnético no bolso.
Lê-se em vários sites de turismo internacionais, e a ironia está em não o esconderem o que o Governo devia explicar.

Está prestes a ser inaugurado o Four Points by Sheraton, com 130 quartos “elegantemente decorados”, três restaurantes, piscina, salas de reunião e o primeiro modelo all-inclusive da ilha, que exclui mais do que inclui.
É um condomínio fechado à beira-mar, onde o turista entra, consome, dorme e parte, sem pôr um escudo fora da caixa.
Tudo se passa dentro dos muros do hotel.
Lá fora, a ilha continua com o estômago vazio e a esperança moribunda.

Chamam-lhe desenvolvimento.
Mas sabem os entendidos que é um desenvolvimento sem povo, sem economia local e sem vergonha.

Ninguém foi consultado.
Gente de Sóncent fcá ta sabê pela imprensa e pelas fotos renderizadas.
Eu vi a apresentação da maquete e do cronograma até à inauguração, que foi adiada devido à pandemia. No projecto constava um passadiço que ligaria o hotel a uma zona restrita na praia. Esse passadiço ou ponte aérea desapareceu aquando da apresentação do projecto pelo actual governo.

E do nada, como quem ergue uma sombra, surge uma estrutura metálica com 28 metros de extensão e 8,2 toneladas sobre o areal.
Esta “muralha social”, ligará o “Beach bar” que segundo a maquete, terá 421 metros quadrados e estará ligado ao hotel por esta passarela.
Será privado? Exclusivo?
Os sites respondem:

“...a bridge to provide guests direct access to a private and exclusive area of the popular Laginha Beach.”
Não fui mi que dzê ou inventál…
Está no cronograma oficial.
Do Governo, nem bons ventos e nem bons casamentos.
Mas quem cala, consente.

E quem fala, é insultado.
Vi há dias no Facebook, chamaram de “acéfalos” àqueles que questionam. Sim, bsot intendê dret…ACÉFALOS.
Porque, aparentemente, pensar em Cabo Verde é crime. E questionar, é uma ofensa.
Disseram ainda que a estrutura será revestida com madeira, para disfarçar o ferro.
Porque é disto que se trata: disfarçar.

Disfarçar o modelo, disfarçar a exclusão, disfarçar a entrega de mais uma praia nacional, sem debate, sem consulta e sem qualquer pudor.
Disfarçar um negócio feito à sombra da palmeira, com um contrato que ninguém viu, em nome de um turismo que só é sustentável para uma classe que não sabe o que é “remediá”.

A Lajinha está a tornar-se propriedade emocional de uma marca estrangeira.
E nós?
Ficamos com os restos do buffet, os salários mínimos, os postos temporários e um outdoor bonito a prometer o que nunca entrega.

Este não é um artigo contra o turismo.
É um alerta contra a falta de transparência e de comunicação entre governantes e o povo.
Porque quando se constrói um hotel com acesso exclusivo a uma praia pública, isso é arquitectura da desigualdade.
Quando se instala um bar gigante sobre o areal, isso é agressão paisagística.
Quando se cria um passadiço que evita o contacto com o povo, isso é APARTHEID SOCIAL com vista para o mar.

A Constituição de Cabo Verde diz que as praias são públicas mas, no Sal, já aprendemos que isso é só no papel.
Na prática, são concessionadas, vigiadas e segmentadas.
O povo é tolerado desde que não incomode.

E é isso que está a acontecer em São Vicente.

Não é progresso, é privatização disfarçada de modernidade.
Não é segurança, é segregação com boas maneiras.
Não é futuro, é o mesmo velho truque: tapar o céu com PowerPoints e chamar ao silêncio “desenvolvimento estratégico”.

Por isso, que se diga enquanto ainda há areia por onde passar, que a Lajinha não está a ser melhorada, está a ser vendida.
E quem não vê, talvez não seja cego, ou está só a fingir não ver.

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Comentários

  • Helena Fontes, 4 de Jun de 2025

    Caríssima Any!
    Não discordando de todo com o seu alerta pertinente, apenas pergunto:
    1. Quem autorizou essa "obra"? O governo central ou o local?
    2. Quem votou em ambos?
    No aguardo.
    Respeitosamente,
    Helena Fontes mcp Leta Fontes

    • Any Delgado, 4 de Jun de 2025

      Perguntas pertinentes e oportunas, que o povo quer saber, já que ninguém foi formalmente informado. Nem o passadiço metálico, nem a concessão do areal surgiram do nada…mas do nada apareceram.
    • manuel da Conceição, 5 de Jun de 2025

      parece que a nossa sociedade esta dooente, os politicos fazendo o que quer , e o povvo achando tudo isso normal, os paizes desenvolvido ja não estão mais investindo no turismo, o turismo vai acabar com esta terra, o turismo serva nada mais para tornar a vida das pessoas mais cara, o que ganhamos é muito pouco diante daquilo que gastamos, a vida das pessoas esta ficando cada vez mais dificil, cabo verde ja não é dos caboverdianos, ele é dos repetidos governos, estrangeiro, tambem da china.

    Responder


  • Ana Isabel, 4 de Jun de 2025

    Any felismente ainda há conciencias como a tua ,nada nem ninguém impede de dizer o obvio , haja paciência aos que consegue criticar so no insulto e em criolo. Haja saco para aturar esses idiotas que não vem o obvio

    • Xuxu Pé de Ferro, 5 de Jun de 2025

      Ó Senhora Isabel, que presumo que sejas a santa do mesmo nome, o que tens contra o crioulo, na sua terra onde ele já devia ser língua oficial? Há complexos, esses sim, que de tão ridículos e óbvios deviam ser guardados a sete chaves. Haja saco para quem como a senhora nem português sabe escrever e vem dar lições ignorantes a quem se rebela contra o analfabetismo e incultura pomposos. Dito isto, a laginha para o POVO. Aguarda-se um novo capitão Ambrósio.

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  • JVP, 4 de Jun de 2025

    Mais uma negociata ao jeito de Ulisses Correia e Silva e seus apaniguados do MpD.
    Folclore financeiro e pseudo-desenvolvimento do turismo. Numa terra onde uns comem e outros cheiram.

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  • Goly Barros, 4 de Jun de 2025

    Social apartheid.
    Couldn’t agree with you more.
    Sad to say but true. After 50 years of independence? Shameful to say the least.
    Great observation as always Any.

    • Jorge Lopes, 4 de Jun de 2025

      Estás a comentar uma notícia em português, a falar com pessoas que falam português, sobre um país lusófono, e decides dar o teu show em inglês? Que refinado! Aposto que também pedes pão na padaria dizendo "Do you have bread?" e depois ficas chocado quando te dão um pastel de nata. Ao menos aprende a língua da terra antes de tentares dar lições de moral. E já agora, com toda a fineza do mundo: vai tomar no cú, mas com sotaque britânico, que é para m
    • Ana Maria Delgado, 4 de Jun de 2025

      Jorge Lopes, o insulto parte sempre de quem é moralmente inferior e incapaz de argumentar. Já pensou que quem comenta terá crescido num país fora da lusofonia e que não domine o português?
    • Xuxu Pé de Ferro, 4 de Jun de 2025

      Any, há uma coisa chamada google tradutor que o nosso «inglesudo» poderia utilizar, respeitando também quem lê este espaço e não quer ser vítima de exclusão linguística. Esse comentário em inglês cheira-me a basofaria de crioulo: não sabe escrever português nem cabo-verdiano, mas vem exibir-se em inglês. Paxenxa!
    • Ana Maria Delgado, 4 de Jun de 2025

      Há tanto que falar sobre o artigo que isto é simplesmente um “não assunto”. A diáspora também é Cabo Verde e tem voz, seja lá qual for.
    • Jorge Lopes, 5 de Jun de 2025

      Ana Maria, insulto é vir num jornal cabo-verdiano escrever em inglês como se fosse cimeira da ONU. Se o comentador “cresceu fora da lusofonia”, que vá comentar no The Times! Aqui fala-se português — ou cala-se com dignidade. E sim, vai tomar no cú — com todo o respeito, claro. Porque há paciência que se esgota e ridículo que merece resposta clara.

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  • Lídia Gomes, 4 de Jun de 2025

    Excelente artigo.
    Sou uma frequentadora assídua da Lajinha
    Amo a minha Lajinha e achei de muito mau gosto aquela ponte.

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