Emigração Massiva dos Jovens cabo-verdianos. A falácia da Liberdade de Circulação e de facilitação de vistos - I
Ponto de Vista

Emigração Massiva dos Jovens cabo-verdianos. A falácia da Liberdade de Circulação e de facilitação de vistos - I

Se o governo não agir em várias frentes, continua apenas com narrativas para animar os mais próximos do poder, porque os jovens nem estão aqui para ouvir os discursos desgastados sobre a juventude e a causa da emigração que querem fazer passar para fora. Para reter os jovens, o governo precisa agir em várias frentes: economia forte, educação de qualidade, qualidade de vida e governança / governação eficiente e eficaz. Repetimos: ninguém é contra a emigração. Somos contra a tentativa de passar uma narrativa, desgastada de que os jovens saem do país, somente por gozarem de liberdade de circulação. A saída massiva dos jovens, deve-se em primeira mão a falta de oportunidade de emprego e a salários que não são atrativos em Cabo Verde.

Nos últimos anos temos assistido uma saída massiva, desenfreada dos jovens e de alguns funcionários públicos com longos anos de carreira na administração pública para países de acolhimento. Até aqui tudo normal! O estranho, é que se quer passar uma narrativa por parte do governo e das autoridades públicas e alguns políticos da praça, justificando, que a saída desenfreada da população cabo-verdiana para o estrangeiro está ancorada num direito fundamental que é a liberdade de circulação. Nada mais falso! Não há nenhum estudo, nem muito menos autores consagrados nas políticas de emigração que sustentam a tese de que a liberdade de circulação, ou o direito de ir e vir, seja a causa da saída massiva de qualquer cidadão para outras paragens. Outrossim, noutro dia, assistimos um governante na TCV, a querer enganar os mais incautos, argumentando, que a saída massiva dos jovens quadros de Cabo Verde, sobretudo, para Portugal, tem haver com o acordo de facilitação de vistos. Se alguém acreditar nesta narrativa, fica ainda mais atolado nesta narrativa do governo.

A saída massiva de jovens para o estrangeiro, conhecida como "fuga de cérebros" (brain drain), é um desafio complexo que exige políticas públicas abrangentes para reter talentos e melhorar as condições de vida e trabalho no país. Aqui estão algumas estratégias que o governo pode adotar para combater esse problema:

Melhorar as Oportunidades Econômicas – Desde os primórdios da humanidade, toda a emigração se enraizou na tentativa de buscar melhores condições de vida e de saber viver. Quem não se lembra da história, relatada na Bíblia,  dos filhos de Jacob e irmãos de José que viajaram para o Egito à procura de víveres para passar os anos de estiagem? “Ao ouvir que havia alimento no Egito, Jacob disse aos filhos: “Para que é que estão aí todos a olhar uns para os outros?  Eu ouvi que havia alimentos disponíveis no Egito. Vão já e comprem o que puderem, para não morrermos de fome!” Da mesma forma, os cabo-verdianos, desde a emigração para as roças de São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, Senegal, Estados Unidos, Portugal, França, etc, etc., sempre foram atrás daquilo que não conseguiam ter nas nossas ilhas, ou seja, trabalho digno, salário e condições de crescimento profissional, cultural, educacional e familiar que no país não eram possíveis de se garantir. Ao mesmo tempo procuraram a partir do estrangeiro alguma ascensão social, proporcionada através do investimento e das remessas dos emigrantes.

Hoje, a realidade é ainda mais triste e preocupante! 50 anos depois da Independência Nacional, o Estado não consegue garantir aos jovens, oportunidades e  condições laborais atrativas, e a única saída que lhes resta, é a emigração. Não há outra opção! Ninguém é contra a emigração, contudo, nós não podemos ter a emigração como solução para o problema do desemprego em Cabo Verde. Começamos a sentir o efeito negativo dessas saídas em massa, porque as empresas e instituições já estão a reclamar da falta de mão de obra e de recursos humanos qualificados e interessados em prosseguir uma carreira no país. A emigração deve e deveria ser uma opção e nunca uma fatalidade ou solução para os nossos jovens. O mais grave, é ouvir discursos de que os nossos jovens emigram capacitados, com diplomas e que é uma emigração qualificada. A minha pergunta é: alguém faz licenciatura para trabalhar como empregada doméstica ou para ser servente na construção civil em Portugal? Que Estado responsável é este que investe na qualificação dos seus recursos humanos e que hipotéticamente entrega de mão beijada, sem nenhum custo adicional a outro Estado?

Os jovens estão a sair de forma massiva de Cabo Verde, não por beneficiarem da liberdade de circulação e muito menos por causa da facilitação de vistos, mas sim,  por falta de oportunidades, ou seja, não conseguem ter um emprego digno, bem remunerado e com perspetiva de garantir um futuro risonho para ele e para sua família. O governo e os poderes públicos não conseguem, hodierna, efetivar uma política consistente de criação de empregos de qualidade e muito menos conseguem estimular o crescimento de setores inovadores (tecnologia, ciência, empreendedorismo) para oferecer salários competitivos e carreiras promissoras aos jovens.

Assistimos, durante muito tempo, nos discursos de certos governantes desta maioria conjuntural que está a governar o país, a teoria de Incentivos fiscais para empresas que contratam jovens, a redução de impostos para startups e empresas que contratem jovens qualificados. Só discurso mesmo! Na prática, onde é que elas estão?  Os jovens estão a deixar o país e a tentar realizar suas carreiras profissionais no estrangeiro porque na verdade notamos uma ausência total de apoio ao empreendedorismo, nomeadamente, financiamento público, incubadoras e acesso a crédito para jovens que queiram abrir negócios no país e quase nada de política de habitação para jovens.

Hoje, assistimos de forma impávido e sereno a saída massiva de jovens talentosos e de quadros da administração pública cabo-verdiana para o estrangeiro, porque naturalmente quando se comparam as oportunidades que se têm lá fora com as que esta maioria oferece, as que são oferecidas no país, não são atrativas. Outrossim, o que motiva a saída para o estrangeiro é a procura permanente de Melhorar a Qualidade de Vida, nomeadamente, Acesso à habitação: Programas de crédito habitacional acessível para jovens; Serviços públicos eficientes: Melhorar saúde, transporte e segurança, fatores que influenciam a decisão de permanecer no país. Cultura e lazer: Investir em infraestrutura cultural e espaços de convivência para tornar as cidades mais atraentes. Há teses vigentes na modernidade que defendem que a emigração massiva dos jovens, também acontece por causa de políticas e de governos que nada fazem para combater a Redução da Burocracia, a Transparência e o combate à Corrupção. Os jovens tendem a emigrar quando perdem confiança nas instituições. Ou seja, os jovens de Cabo Verde estão a querer emigrar todos os dias, porque já perderam a esperança neste governo e nas soluções desestruturadas e paliativas que elas oferecem para a problemática da juventude, do emprego, da habitação, saúde, educação e formação, entre outros. Podemos questionar, como está Cabo Verde e o governo neste quesito, ou seja, na questão da redução da Burocracia, na Transparência e na luta contra a Corrupção?

Se o governo não agir em várias frentes, continua apenas com narrativas para animar os mais próximos do poder, porque os jovens nem estão aqui para ouvir os discursos desgastados sobre a juventude e a causa da emigração que querem fazer passar para fora. Para reter os jovens, o governo precisa agir em várias frentes: economia forte, educação de qualidade, qualidade de vida e governança / governação eficiente e eficaz.

Repetimos: ninguém é contra a emigração. Somos contra a tentativa de passar uma narrativa, desgastada de que os jovens saem do país, somente por gozarem de liberdade de circulação. A saída massiva dos jovens, deve-se em primeira mão a falta de oportunidade de emprego e a salários que não são atrativos em Cabo Verde.

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Comentários

  • Zé P., 7 de Jun de 2025

    E em relação ao histórico de emigração, tenho ouvido muitos a dizer que é "normal" por isso, porém é preciso diferenciar bem o "normal" do "comum". Esse fenômeno pode até ser comum, mas apenas será normal se não dermos nenhuma importância a ela.

    Responder


  • Zé P., 7 de Jun de 2025

    E em relação ao histórico de emigração, tenho ouvido muitos a dizer que é "normal" por isso, porém é preciso diferenciar bem o "normal" do "comum". Esse fenômeno pode até ser comum, mas apenas será normal se não dermos nenhuma importância a ela.

    Responder


  • JOSE Lopes, 7 de Jun de 2025

    Euo pensando que os que estao na oposicao nao veem que quem deveria em primeiro lugar resolver o problema de falta de prospective e condicoes para que os jovens nao saiao e os que goernaram esta terra durante 30 Anos.
    Mas a questao da saida de jovens e menos jovens deve ser debatida sem tabus e nem cor politica.
    Se nao ha estudos ao pode haver conclusions de enhuma das parties e assim nao se procura tirar dividends politicos da SITUACAO .
    Sera fuga de cerebros???!!!

    • Zé P., 7 de Jun de 2025

      Empresas já andam a reclamar de falta de força de trabalho e o próprio governo assume importar mão de obra. O governo ou têm estudos escondidos ou não quer fazer para evitar que fique claro suas faltas de soluções.

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  • João Mendes, 7 de Jun de 2025

    A imensa maioria desses pseudo quadros jovens formados em CV, cerca de 95%, só vai sobreviver em Portugal, trabalhando nas obras, nas limpezas urbanas e industriais, vigilantes, cozinheiros, lavadores de pratos em restaurantes. Quando tiverem mais conhecimento do terreno, podem ser condutores de carrinhas de logística, operadores de caixas de supermercados. Mesmo assim, vão enfrentar dias amargos, porque não sabem trabalhar. Cabo Verde, infelizmente é uma terra de parasitas e trapaceiros.

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  • João Mendes, 7 de Jun de 2025

    É uma ignorância atroz e fantasia, pensar que esses pseudo quadros técnicos formados em Cabo Verde, nessas pseudo universidades, possam competir com as centenas de engenheiros indianos altamente preparados nos famosos Institutos de Tecnologia indianos, que estão em Portugal e um pouco por toda a Europa, aos milhares, à procura de trabalho. Para não falar dos próprios jovens europeus.

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  • João Mendes, 7 de Jun de 2025

    Deixem de ilusões. Indivíduos formados e treinados nas escolas do IEFP de Cabo Verde, não têm hipóteses diante dos indivíduos formados nas centenas de centros de formação profissional que existem de Norte a Sul de Portugal. Indivíduos formados nessas pseudo universidades de Cabo Verde, como a Uni-CV e outras, não têm hipóteses diante de indivíduos formados aos milhares, nas boas faculdades portuguesas de ciência e tecnologia existentes em Portugal.

    • Zé P., 7 de Jun de 2025

      Enfim, é natural querer se questionar a qualidade da educação, mas parece estar a querer envenenar a discussão. Há quadros que saíram do país, que se formaram no país e trabalham em instituições renomadas internacionalmente. Portanto reduza a dose de "veneno".
    • Zé P., 7 de Jun de 2025

      E olha que acredito que o nível e qualidade de educação poderia ser bem melhor.

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  • João Mendes, 7 de Jun de 2025

    Esta tragédia de emigração em larga escala, não só de jovens como de pessoas de meia idade, deve-se à miséria e falta de perspetivas que essas pessoas enfrentavam no dia a dia em Cabo Verde. O acordo de mobilidade, apenas permitiu que essa debandada seja feita de uma forma mais rápida.
    Dizer que os jovens que emigram para Portugal o fazem porque têm qualificação e vão "pintar a manta" no mercado de trabalho português e europeu, é uma mentira e ignorância atroz.

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  • Adelcides Carvalho de Barros, 7 de Jun de 2025

    Ezcelente analise do articulista!

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