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Definição de uma Política Nacional para a Docência: Um Imperativo para Cabo Verde
Colunista

Definição de uma Política Nacional para a Docência: Um Imperativo para Cabo Verde

A Política Nacional para a Docência é uma componente crucial da Política Nacional para a Educação e, com a qual, deve alinhar-se, para garantir a qualidade da Educação em todos os níveis do Sistema Educacional, incluindo o ensino superior. Afinal, é preciso ter em conta que a qualidade de um sistema educacional depende, especialmente, da qualidade da docência que se pratica.

Ser Professor deve ser o trabalho mais importante do século 21 Alex Beard[i]

O ritmo, sem precedentes, de mudanças no séc. XXI, num mundo globalizado, exige reformas profundas nas estratégias, nos sistemas e nas práticas, em todos os domínios das nossas vidas.

Especialistas em desenvolvimento são de opinião que, de entre os profissionais que devem estar na linha da frente desses desafios, são os Professores, com a missão de preparar as próximas gerações para lidar com este mundo complexo.

Nessa perspetiva, quem governa Cabo Verde deve estar com uma visão muito mais clara sobre a realidade desafiadora em que vivemos e, em face disso, apostar, de forma mais determinada: (i) numa melhor qualificação dos nossos Professores; (ii) em atrair os mais talentosos e comprometidos para a Educação e investir fortemente nas suas qualificações e valorizações, a fim de poderem impulsionar os nossos alunos e toda a nação cabo-verdiana para resultados económicos, sociais e culturais desejados. Sem isso, não faz sentido os nossos políticos continuarem com retóricas discursivas promissoras, ainda que dentro da moda, usando chavões da atualidade.

A qualidade do Professor é crucial para garantir o sucesso da Educação e evidências internacionais têm demonstrado que é o fator-chave em todo o processo, embora se reconhece que ela, por si só, não é suficiente. O bom desempenho profissional de um Professor na aprendizagem dos seus alunos é o resultado de uma complexa combinação de diferentes fatores, como:

-      A qualidade da formação inicial e da formação contínua para a integração e para o desenvolvimento profissional;

-      O tamanho da turma e o rácio Professor-aluno;

-      As condições do vínculo laboral, incluindo recompensas e incentivos;

-      As qualidades do ambiente de trabalho;

-      O acesso aos recursos necessários para o trabalho;

-      O engajamento dos pais;

-      O estatuto profissional e a estima pública (status social);

-      O envolvimento nas decisões que lhes afetam; e

-      A autonomia profissional.

Consciente do papel-chave do Professor no processo educacional e, consequentemente, no progresso da sociedade, a UNESCO, em 2019, produziu e disponibilizou aos Estados-membros um guia (Teacher Policy Development Guide)[i] para os apoiar na formulação de Políticas Nacionais para a Docência, visando a valorização dos Professores.

De acordo com esse instrumento orientador (que o nosso Governo deve conhecer e fazer uso) a estruturação e o desenvolvimento de uma Política Nacional para a Docência passam pela discussão (aberta) e definição, em parceria com os Sindicatos, os Professores e os diversos Parceiros Sociais, de um conjunto de concepções e orientações que, de forma integrada, envolve as seguintes dimensões:

-        O recrutamento (seleção) e a retenção de Professores;

-        A formação inicial e a formação contínua (aqui, vale a pena realçar que são dois conceitos diferentes e que o que o conceito que o Ministério da Educação tem usado em relação à formação contínua está errado!);

-        A colocação e integração de novos Professores;

-        Os planos de carreira; 

-        As condições de trabalho;

-        As remunerações e recompensas;

-        As normas profissionais;

-        A responsabilização, gestão de desempenhos e avaliação; e

-        A administração escolar.

Existem várias razões importantes para que os decisores políticos formulem e implementem uma Política Nacional para a Docência em Cabo Verde. Desde logo,

-        A importância, efetiva, que é preciso atribuir à Educação, face aos desafios atuais do país e do mundo;

-        A necessidade de se garantir, não apenas o acesso a jardins, escolas e Universidades, mas, sobretudo, o sucesso educativo;

-        A necessidade de se garantir ao país, particularmente às comunidades mais desfavorecidas, Professores competentes e motivados para uma maior justiça social.

A Política Nacional para a Docência é uma componente crucial da Política Nacional para a Educação e, com a qual, deve alinhar-se, para garantir a qualidade da Educação em todos os níveis do Sistema Educacional, incluindo o ensino superior. Afinal, é preciso ter em conta que a qualidade de um sistema educacional depende, especialmente, da qualidade da docência que se pratica.

A necessidade da existência de um quadro integrado de Política para a Educação e Política para a Docência é, também, reconhecida e defendida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) que, a esse respeito, em 2012, lançou o Manual de Boas Práticas de Recursos Humanos na Profissão Docente.[ii]

O entendimento subjacente é o de que um corpo docente altamente qualificado, bem apoiado, bem remunerado e altamente motivado, que trabalha num ambiente estimulante de ensino e aprendizagem, é o elemento mais importante para qualquer sistema educacional.

Longe foi o tempo em que ter 100% de crianças matriculadas, ou ter baixa percentagem de reprovações anuais ou, ainda, ter baixa taxa de abandono escolar eram motivos de regozijo, pois esses dados, hoje, têm um valor muito baixo e, em termos de resultados, simplesmente, não dizem nada!

Aliás, em 2017, a UNESCO publicou o relatório de um estudo feito, a nível mundial, sobre a Qualidade da Educação e a conclusão é de que, mais de metade das crianças e adolescentes que frequentam as escolas básicas e secundárias não estão a aprender quase nada, ou seja, não atingem o nível mínimo de proficiência em leitura e matemática.[iii] E são mais de 617 milhões de crianças e adolescentes, em todo mundo, sendo que, na África Subsariana, onde nos encontramos, a cifra é de 202 milhões.

Pessoalmente, julgo que, em Cabo Verde, precisamos clarificar melhor a nossa visão sobre o que é a Educação; reformar toda a nossa prática pedagógica (do Ensino Básico ao Superior, que urge mudar de: prática pedagógica tecnicista para prática pedagógica significativa) e compreender melhor a relação entre Educação e o progresso do país e do mundo.

Sem esses exercícios, fica muito difícil aos políticos tomarem uma série de medidas estruturantes, como por exemplo, a definição de uma Política Nacional para a Docência e a reconceptualização de uma nova Escola, isto é, de uma nova Educação para Cabo Verde.

Importa ter em conta as recentes recomendações da UNESCO, constantes do seu Relatório de 2021 (Reimaginar Nossos Futuros Juntos: Um Novo Contrato Social para a Educação)[iv] que projeta a Educação para os próximos 25 anos, chamando atenção, designadamente, para a necessidade de se desenvolver: (i) novas pedagogias; (ii) novas abordagens curriculares; (iii) um novo compromisso com os Professores; e (iv) uma nova visão da escola. São desafios prementes que se colocam a Cabo Verde.

Engraçado, é que, de todas as reformas levadas a cabo, nesses últimos anos, dos documentos produzidos, não há qualquer referência a esses instrumentos que mencionei e, tão-pouco, a questões sociais candentes que nos afligem. Razão para se perguntar: o que se pretende, realmente, com a Educação em Cabo Verde? 

 
[i] https://www.bbc.com/portuguese/geral-51457665
[ii] Teacher policy development guide - UNESCO Digital Library
[iii] 112B09_121_engl.pdf (unesco.org)
[iv] Microsoft Word - FS46-more-than-half-children-not-learning-en-2017-v20.docx (unesco.org)
[v] Reimaginar nossos futuros juntos: um novo contrato social para a educação; resumo executivo - UNESCO Digital Library

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