Bipartidarismo em Cabo Verde: Uma democracia sob controle ou um sistema em crise?
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Bipartidarismo em Cabo Verde: Uma democracia sob controle ou um sistema em crise?

...Cabo Verde está em um ponto de inflexão política. Para evitar que a democracia se torne apenas uma alternância de elites, é essencial imaginar novos mecanismos capazes de restaurar a confiança dos cidadãos e construir uma soberania verdadeiramente popular.

Introdução

Cabo Verde tem um sistema político baseado no bipartidarismo dominado pelo MPD e pelo PAICV. Este modelo, acompanhado por uma transição democrática do país após 1991, é visto por muitos como um garante da estabilidade política. No entanto, ele levanta uma questão essencial sobre sua aplicação, ou seja, a capacidade das instituições em representar uma democracia inclusiva, como evidenciado pela crescente taxa de abstenção, a falta de reformas profundas e uma governança que parece estática.

1. Uma crise da oferta política: A desconexão entre os líderes e o povo

A democracia, com base na definição de Robert Dahl (1971), é um sistema baseado na competição eleitoral e na participação cidadã. No entanto, em Cabo Verde, a taxa de abstenção nas eleições municipais de 2024 atingiu 49,8%, ilustrando uma perda de confiança e o rejeição dos partidos tradicionais pelo povo.

Este fenômeno afeta particularmente os jovens, que se sentem excluídos dos círculos e dos processos decisórios. As reivindicações dos professores, as constantes imigrações de jovens para Portugal em busca de melhores oportunidades ilustram bem essa frustração generalizada, que continua a crescer. Essa situação confirma a teoria das "elites fechadas" de Vilfredo Pareto (1916), segundo a qual os governantes tendem a reproduzir uma classe dirigente desconectada das preocupações do povo. Para a maioria da população, independentemente do partido, o Leviatã permanece o mesmo.

Isso mostra também que os discursos políticos parecem distantes das realidades diárias dos cabo-verdianos. É o caso da ilha de Maio, onde, eleição após eleição, o mesmo “Catxupa refogado” é servido. O caso de Maio é ainda mais profundo, pois a ilha foi dominada pelo mesmo partido por décadas. O transporte é um verdadeiro problema, o poder de compra diminui, mas o preço dos produtos continua a subir. A pobreza domina o cenário, marcada pela falta de oportunidades, e o desemprego juvenil é realmente preocupante, levantando questões sérias. De fato, até mesmo para um graduado com mestrado de uma grande universidade, conseguir um emprego estável em Maio é tão raro quanto encontrar água no deserto.

Isso não é apenas um sintoma de Maio, mas de Cabo Verde como um todo. Tudo isso tem suas raízes na “ineptocracia”. Em outras palavras, as pessoas menos capazes de ganhar a vida elegem as pessoas menos capazes de governar, e aqueles que empreendem veem o fruto de sua produção desaparecer em impostos. Não se trata apenas de criticar o sistema político, mas de ter um debate construtivo além de uma fratura social entre os governantes e o povo.

2. O bipartidarismo: Estabilidade ou confisco do poder?

Maurice Duverger (1951) afirma que os sistemas majoritários favorecem o bipartidarismo e garantem estabilidade institucional. No entanto, essa estabilidade também pode se tornar uma forma de status quo político, onde a alternância entre o MPD e o PAICV não leva a transformações estruturais reais.

Os recentes resultados das eleições municipais de 2024, onde o PAICV venceu 15 municípios, mostram um retorno do equilíbrio eleitoral mais do que uma verdadeira renovação de ideias. Essa situação lembra a crítica à “democracia cartel” de Richard Katz e Peter Mair (1995), onde os partidos dominantes mantêm sua posição limitando o surgimento de alternativas credíveis. Podemos afirmar que em Cabo Verde, não temos mais políticos, mas homens de Estado, ou seja, políticos mais preocupados com a preparação para futuras eleições do que com o futuro da nação e das futuras gerações.

3. Uma soberania econômica ilusória

A autonomia política não pode ser dissociada da independência econômica. No entanto, Cabo Verde continua a ser altamente dependente das remessas da diáspora e da ajuda internacional, o que limita sua capacidade de implementar políticas soberanas.

Os projetos de desenvolvimento, especialmente no turismo e na agricultura, são frequentemente financiados por organismos estrangeiros, e as decisões econômicas continuam a ser influenciadas por atores externos. O exemplo do projeto Little Africa em Maio é uma ilustração disso. Devemos esperar que sejam os estrangeiros que venham investir em nós?

Essa relação de dependência faz eco à dialética do “mestre e do escravo” de Hegel (1807) e à crítica de Frantz Fanon (1961) sobre a elite pós-colonial, que perpetua lógicas de dominação em vez de fortalecer uma autonomia e soberania genuínas.

Um exemplo claro disso são os acordos de pesca com a União Europeia, que beneficiam mais as grandes frotas estrangeiras do que os pescadores locais. Essas escolhas econômicas, impostas pela necessidade de manter relações diplomáticas e financeiras com a Europa, levantam sérias questões sobre a verdadeira soberania do país. A pergunta que fica é: estamos realmente independentes ou nossa independência foi apenas uma mudança de bandeira?

4. Uma identidade nacional fragmentada

O bipartidarismo cabo-verdiano reflete também uma realidade social complexa: uma identidade nacional em tensão entre as ilhas e a diáspora.

Os cabo-verdianos do exterior desempenham um papel crucial na economia nacional, principalmente por meio das remessas, mas muitas vezes permanecem excluídos das decisões políticas. A frase “teu dinheiro é bem-vindo, mas não você” reflete bem essa realidade. O debate sobre o direito de voto dos cabo-verdianos da diáspora e a fraca representação dos expatriados nas instâncias governamentais ilustram essa situação.

De fato, a diáspora africana tem dificuldades para encontrar emprego em Cabo Verde. Quantas vezes, durante entrevistas de emprego, me perguntaram sobre o meu sotaque e, quando disse que cresci no Senegal, os desdém começaram, indo até mesmo a ponto de cidadãos comuns dizerem que tinham alergias à presença de um cabo-verdiano nascido no Senegal... Sim, passei por tudo isso!! Pode-se ser cidadão, mas devemos ser cidadãos apagados. Se tivermos algo a dizer, devemos fazer isso "gentilmente". Essa é uma forma de tratar os descendentes de cabo-verdianos vindos da África como primitivos. É assim que alguns cabo-verdianos daqui tratam os da diáspora africana, um legado colonial bem presente.

Essa dinâmica lembra a noção de “estrangeiro íntimo” de Georg Simmel (1908), onde indivíduos pertencentes à mesma nação são paradoxalmente percebidos como “outros” quando retornam para se envolver na política local.

Conclusão: Quais alternativas ao bipartidarismo cabo-verdiano?

O bipartidarismo em Cabo Verde, embora tenha contribuído para a estabilidade do país, parece, segundo muitos cidadãos que se abstêm de votar, mais preocupado com a preservação de suas elites do que com a inovação política.

Diante desse cenário, várias alternativas podem ser consideradas:

• Fortalecimento dos partidos emergentes: Incentivar novas forças políticas e promover uma legislação eleitoral que não favoreça apenas o bipartidarismo.

• Maior engajamento cidadão: Desenvolver iniciativas para incentivar a participação dos jovens e dos cabo-verdianos da diáspora na vida política.

• Reforma institucional: Adaptar o modelo de governança para incluir mais atores da sociedade civil, especialmente por meio de consultas públicas e orçamentos participativos.

Em suma, Cabo Verde está em um ponto de inflexão política. Para evitar que a democracia se torne apenas uma alternância de elites, é essencial imaginar novos mecanismos capazes de restaurar a confiança dos cidadãos e construir uma soberania verdadeiramente popular.

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Comentários

  • pedro amado+, 12 de Fev de 2025

    Bipartidalismo existem este sistema-Exemplo:Nos estados unidos esitem apenas dois partidos,no entanto proclama-se várias vezes que a democracia nos estados unido é um exemplo para todo o mundo;Em Portugal existem dois partidos que contornam o poder;Na Noruega acntece mesma coisa.
    Quanto a mim ,se é o povo que mais ordena,temos de concordar que o sistema bipartidalismo é legal

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