O Governo pode controlar aviões, mas não deve tentar pilotar o país à margem da legalidade. Se a sociedade civil e os órgãos de comunicação social não levantarem voo agora, corremos o risco de ver os direitos fundamentais aterrados por decreto. Não é demais salientar que quando o Estado usa a força da lei para contornar a própria legalidade, todos perdemos. É nosso dever erguer a voz, antes que o silêncio se torne norma e os direitos, exceção. Está mais do que evidente que este Governo (e o MPD) não requisitou apenas pilotos — REQUISITOU O SILÊNCIO. Cabe-nos, EM ALTO E BOM SOM, recusar esse embarque forçado para um destino sem democracia.
No passado dia 23 de maio, o Governo de Cabo Verde aprovou a Resolução n.º 37/2025, impondo a requisição civil aos pilotos da Transportes Aéreos de Cabo Verde (TACV), que se encontravam em greve convocada pelo Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil (SNPAC). À primeira vista, poderia parecer uma resposta legítima a uma situação de emergência nacional. Mas a análise jurídica e constitucional da medida revela contornos preocupantes. Não estamos apenas perante uma decisão administrativa discutível; estamos, do nosso ponto de vista, diante de um atentado claro aos princípios do Estado de Direito, com consequências sérias para os direitos fundamentais dos trabalhadores.
Senão vejamos, o direito à greve é uma conquista civilizacional e um direito fundamental consagrado na nossa Lei Magna, a Constituição da República. É um instrumento legítimo de reivindicação laboral e de pressão coletiva, essencial à negociação equilibrada entre trabalhadores e empregadores.
Contudo, como todos os direitos, a greve pode conhecer limites — nomeadamente, quando colide com necessidades públicas absolutamente impreteríveis. Nestes casos, o Governo pode recorrer à requisição civil, nos termos do Decreto-Lei n.º 77/90, de 10 de setembro. Mas esse poder é excecional e só deve ser exercido em situações extremas, quando: i) o funcionamento de serviços ou a utilização de bens essenciais ao interesse público estejam efetivamente em risco, ii) não existam alternativas viáveis e iii) os trabalhadores sejam indemnizados pela imposição da requisição.
Então, por que razão existe preocupação quanto à conformidade jurídico-constitucional da supracitada resolução?
Pois bem, através da Resolução o Governo, alega que a greve inviabiliza as ligações internacionais e cria prejuízos para a economia nacional. No entanto, não demonstra — nem sequer tenta demonstrar — que a TACV seja a única operadora aérea capaz de assegurar essas ligações. Isto porque não o pode fazer, não tem argumento para suportar essa narrativa. Todos sabemos que operam em Cabo Verde várias companhias estrangeiras, capazes de garantir o transporte de passageiros. Assim, não estamos perante um serviço insubstituível ou impreterível nos termos exigidos pela lei.
Este recurso à requisição civil surge, nesta Resolução, como clara retaliação do Governo pela recusa dos trabalhadores em prestar serviços mínimos — quando essa recusa poderia e deveria ter sido resolvida pelos mecanismos de mediação previstos na lei. A requisição civil transforma-se, assim, num instrumento de força (o quero, posso e mando a que esta Governo nos acostumou) e não numa medida proporcional e justificada. A mensagem é clara: QUEM DESOBEDECE, SERÁ FORÇADO.
Ora, o uso abusivo de instrumentos excecionais mina a confiança nas instituições e fragiliza a democracia. O Governo do MPD que, por um lado, proclama respeitar os direitos fundamentais, e por outro impõe medidas unilaterais sem fundamento legal sólido, age com incoerência e compromete a legitimidade das suas ações.
Não se trata apenas de um conflito entre um sindicato e o Governo do MPD. Trata-se essencialmente de saber se, em Cabo Verde, os direitos fundamentais podem ser comprimidos ao sabor das conveniências económicas e políticas, ou se prevalecem mesmo quando incomodam o poder. É patente que o MPD advoga a primeira opção.
A Resolução n.º 37/2025 não protege o interesse público — ATROPELA-O. Em nome de um pretenso prejuízo económico e de uma leitura oportunista da lei, o Governo sacrifica o direito à greve, sem fundamento legal, sem proporcionalidade e sem respeito pelo princípio da indemnização. Este ato não é um exemplo de boa governação: é um sinal de autoritarismo institucional (assim como tantos outros a que vimos assistindo ao longo desses dois mandatos do MPD (vide o que sucedeu no quadro da aprovação do PCFR do Pessoal Docente).
Em democracia, o poder tem limites. E cabe-nos a todos — cidadãos, juristas, sindicatos e órgãos de comunicação social — garantir que esses limites sejam respeitados. Porque quando o Governo começa a impor, sem justificar, abre-se o caminho para um futuro onde o arbítrio suplanta o Direito.
O Governo pode controlar aviões, mas não deve tentar pilotar o país à margem da legalidade. Se a sociedade civil e os órgãos de comunicação social não levantarem voo agora, corremos o risco de ver os direitos fundamentais aterrados por decreto.
Não é demais salientar que quando o Estado usa a força da lei para contornar a própria legalidade, todos perdemos. É nosso dever erguer a voz, antes que o silêncio se torne norma e os direitos, exceção.
Está mais do que evidente que este Governo (e o MPD) não requisitou apenas pilotos — REQUISITOU O SILÊNCIO. Cabe-nos, EM ALTO E BOM SOM, recusar esse embarque forçado para um destino sem democracia.
Comentários
Carlos Vieira, 30 de Mai de 2025
Décio Carvalho, seu artigo de opinião é um verdadeiro grito contra o abuso de poder! E a Resolução n.º 37/2025 não é só um ataque aos pilotos da TACV, mas à própria liberdade laboral na democracia.
Tu estás absolutamente certo; é hora de erguer a voz contra a erosão dos direitos fundamentais e defender a justiça e um Estado justos para todos!
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