O PAICV e a encruzilhada da sua democracia interna
Ponto de Vista

O PAICV e a encruzilhada da sua democracia interna

A história do PAICV é maior do que qualquer estratégia momentânea. E é por respeito a essa história — e à esperança que milhares de cabo-verdianos depositam neste partido — que não podemos assistir calados à erosão da sua democracia interna. Cabo Verde precisa de um PAICV forte, coeso e fiel aos seus princípios. Que esta eleição seja um marco de afirmação democrática — e não um retrato de manobras para perpetuar o que já não representa a vontade do partido.

Por estes dias, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) vive um momento de grande significado político — não apenas pela iminente eleição da nova presidência do partido, mas pela forma como essa eleição poderá marcar o futuro do próprio PAICV e a sua relação com a militância e com o povo cabo-verdiano.

O que está em jogo não é apenas a escolha entre dois nomes. Está em causa o respeito pela vontade da base, a integridade do processo democrático interno e, acima de tudo, a coesão de um partido que tem um papel central na história e no futuro deste país.

A manobra da postergação

Tem-se falado, nos bastidores e fora deles, de uma tentativa da actual cúpula do partido de adiar o processo eleitoral. Isso seria uma estratégia de “ganhar tempo” para consolidar a candidatura de Nuias Silva, o candidato preferido da direcção cessante. No entanto, esta tentativa não resiste ao escrutínio da realidade política interna: Francisco Carvalho, presidente reeleito da Câmara Municipal da Praia com uma votação histórica, é hoje uma figura de consenso entre a maioria da base militante.

Adiamentos sucessivos ou alterações no calendário eleitoral sob o pretexto de “organização” ou “preparação” apenas alimentam a narrativa de que há uma tentativa de “ganhar na secretaria” aquilo que não se consegue conquistar no voto. Esse tipo de estratégia, além de profundamente antidemocrática, fere gravemente a confiança dos militantes na direcção do partido. Pior: mina a credibilidade do PAICV junto da opinião pública, num momento em que o partido finalmente começa a recuperar espaço no cenário político nacional.

A inevitabilidade de Francisco Carvalho

Francisco Carvalho não é um fenómeno isolado. A sua reeleição à frente da Câmara Municipal da Praia — capital do país e centro nevrálgico da política nacional — representa um símbolo da vitalidade renovada do PAICV. O seu desempenho, a sua postura e a sua ligação genuína com a base e com os cidadãos têm feito dele uma escolha natural, quase inevitável, para liderar o partido nesta nova fase.

Ignorar esse sentimento maioritário em nome de jogos de bastidores é pôr em causa não só a unidade partidária, mas também a legitimidade da futura liderança. Num partido com a história e o peso simbólico do PAICV, não se pode brincar com os princípios democráticos. A liderança tem de ser conquistada no voto, com ideias e com legitimidade — nunca pela manipulação dos prazos ou das regras.

Um apelo à consciência partidária

A base está atenta. E mais do que nunca, exige coerência, transparência e respeito. O PAICV, enquanto força que se apresenta como alternativa de poder e guardião de valores democráticos, não pode permitir que as suas lideranças internas actuem em contradição com esses mesmos valores.

Apelamos, por isso, à consciência dos actuais dirigentes: respeitem a vontade da base. Permitam que o partido siga o seu curso natural, que é o da renovação consciente, firme e democrática. Tentar impedir esse caminho em nome da preservação de cargos ou da manutenção de determinadas influências apenas contribuirá para a fragmentação do partido e para o afastamento dos militantes.

A história do PAICV é maior do que qualquer estratégia momentânea. E é por respeito a essa história — e à esperança que milhares de cabo-verdianos depositam neste partido — que não podemos assistir calados à erosão da sua democracia interna.

Cabo Verde precisa de um PAICV forte, coeso e fiel aos seus princípios. Que esta eleição seja um marco de afirmação democrática — e não um retrato de manobras para perpetuar o que já não representa a vontade do partido.

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