"Na última sessão da Assembleia Municipal, assistimos a mais um episódio de ilusão colectiva protagonizado pelo vice-presidente Júlio Lopes. Tentou justificar a asfaltagem indiscriminada de ruas e becos de Espargos e Santa Maria com comparações a cidades como Boston, Nova Iorque, Paris, Lisboa e... Luanda (porque não Tóquio ou Marte também?). A ideia foi o de fazer parecer que estamos a seguir o exemplo dos melhores, omitindo, convenientemente, que esses “melhores” estão precisamente a fazer o oposto e reconhecendo muitos erros feitos no passado."
A mediocridade da nossa classe política salense já não surpreende, o que choca é o descaramento com que exercem as suas funções, apoiando-se na ignorância e na iliteracia funcional de parte significativa da população. Não se preocupam em governar com seriedade, mas em governar com comparações absurdas, apoiando-se em cosméticas políticas e narrativas que soam bem apenas a quem não conhece o mundo para além da sua ilha. Muitos são por vontade de manter o “status quo”.
Na última sessão da Assembleia Municipal, assistimos a mais um episódio de ilusão colectiva protagonizado pelo vice-presidente Júlio Lopes. Tentou justificar a asfaltagem indiscriminada de ruas e becos de Espargos e Santa Maria com comparações a cidades como Boston, Nova Iorque, Paris, Lisboa e... Luanda (porque não Tóquio ou Marte também?). A ideia foi o de fazer parecer que estamos a seguir o exemplo dos melhores, omitindo, convenientemente, que esses “melhores” estão precisamente a fazer o oposto e reconhecendo muitos erros feitos no passado.
Tome-se Paris como exemplo: está a remover 40% do asfalto para devolver o espaço urbano às pessoas, com zonas verdes, ciclovias, praças e corredores de mobilidade suave. Não é preciso ir longe para perceber o absurdo desta comparação.
Lisboa, por sua vez, desde o final dos anos 90, passou por uma revolução silenciosa. As ruas começaram a ser pensadas para as pessoas, e não apenas para os carros. As zonas pedonais aumentaram, as áreas verdes expandiram-se, o transporte público foi reforçado, e as políticas de requalificação urbana passaram a priorizar o bem-estar, a inclusão e a saúde pública. A aposta foi nas pessoas, não no betão nem no alcatrão.
Parte dessa transformação teve como base a planificação da acessibilidade pedonal, consagrada no Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa (PAPL), que define como prioridade passeios com largura mínima de 1,5 metros livres de obstáculos, evitando os chamados mini-passeios que continuam a proliferar no nosso contextos urbano. Essa norma garante a passagem confortável e segura de todos os cidadãos, incluindo cadeiras de rodas, carrinhos de bebé e pessoas com mobilidade condicionada.
Em Lisboa é possível modernizar sem excluir, crescer sem destruir, e reabilitar apostando no espaço público como lugar de encontro, mobilidade segura e dignidade urbana.
Mas o mais caricato é invocar Boston. Não só a cidade americana não está a asfaltar cada beco da cidade, como está à frente em projetos ambientais e sociais que tornariam os nossos autarcas corar, se tivessem um pingo de vergonha. Eis apenas três dos projectos de sustentabilidade e qualidade de vida em Boston:
1. Green New Deal for Boston Public Schools
Um plano para transformar todas as escolas públicas da cidade em edifícios verdes, resilientes, com qualidade do ar monitorizada, eficiência energética e espaços exteriores acessíveis. O objetivo? Melhorar a saúde dos alunos e combater as desigualdades ambientais.
2. Heat Resilience Solutions for Boston
Boston está a implementar um plano de adaptação às ilhas de calor urbanas,(nós estamos a criar mais) plantando milhares de árvores, instalando coberturas vegetais e criando corredores frescos para pedestres. As zonas mais vulneráveis são prioritárias, numa abordagem que alia justiça climática à saúde pública.
3. Healthy Streets Program
Este programa inclui a reconfiguração de ruas, expansão de ciclovias, melhoria do acesso ao transporte público e aumento significativo do espaço pedonal. O objetivo é claro: reduzir o tráfego automóvel, promover modos de transporte mais sustentáveis e tornar o espaço urbano mais seguro e saudável para todos.
Além disso, Boston tem investido em materiais refletivos e superfícies porosas, tecnologias que ajudam a reduzir as ilhas de calor urbanas e minimizam o risco de inundações, ao permitir maior absorção e drenagem da água da chuva.
Em contraste, o uso indiscriminado de asfalto convencional, como se vê em certas decisões políticas locais, agrava exatamente estes problemas: contribui para o aumento da temperatura urbana, acelera o escoamento das águas pluviais e prejudica o equilíbrio ambiental das cidades.
Comparar Espargos e Santa Maria a Paris ou Boston é tão absurdo quanto comparar um charco a um lago alpino. Serve unicamente para manipular uma sociedade que, infelizmente, ainda vive na escuridão do desconhecimento. Serve para alimentar o ego dos que nunca viajaram, mas falam como se fossem especialistas em urbanismo. Serve para manter o poder de uns poucos à custa da ignorância de muitos porque um povo que não conhece alternativas, aceita qualquer coisa como se fosse o melhor.
Quem conhece estas cidades e não apenas pelos slides da desonestidade política sabe perfeitamente que qualidade de vida não se mede aos baldes de alcatrão, e que Lisboa já tinha ruas asfaltadas no final do século XIX. A verdadeira qualidade de vida mede-se pelas árvores plantadas, pelo ar que se respira, pela mobilidade acessível (sim, um tal de Decreto-Lei 20/2011), e pelos espaços públicos desenhados para as pessoas e não para alimentar a obsessão pelo automóvel.
A verdade é simples e desconfortável: essas comparações são uma farsa. Um truque político embrulhado em linguagem populista, feito à medida de quem nunca teve oportunidade de ver o que é uma cidade realmente pensada para os seus cidadãos. E pior do que cair nessa armadilha, é compactuar com ela. Muitos repetem o discurso do costume, “está bonito”, “as pessoas gostam”, mas esquecem que não se pode gostar daquilo que nunca se teve hipótese de conhecer.
Primeira dama de Santa Maria “Os nosso pezinhos, Viaturas, estética e beleza des graözinho de terra agradece”
Temos a obrigação moral, cívica e política de esclarecer o nosso povo. Porque o verdadeiro progresso começa pela educação, pela consciência crítica e pela coragem de romper com a mediocridade instalada. Só um povo esclarecido será capaz de exigir mais, de recusar migalhas embrulhadas em propaganda e de construir uma ilha mais justa, saudável e sustentável. O primeiro passo para o desenvolvimento da nossa ilha começa por aqui, pela vontade coletiva de deixar de aceitar o mínimo e passar a exigir o melhor. Para o bem de todos.
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A equipa do Santiago Magazine