2025, here we go again
Ponto de Vista

2025, here we go again

Na primeira crónica que escrevi este ano, decidi discorrer sobre a "Síndrome do Ninho Vazio" versus " a nova moda" dos pais irem levar os filhos no curso.

«Nós não temos filhos. São os nossos filhos que têm pais. Os filhos são do mundo. Se você tem filho para ter, para possuir alguma coisa, está tudo errado. A única coisa que nós temos de verdade nessa vida é mãe e pai. Se os nossos filhos souberem disso, o coração deles fica mais preenchido, e aí fica mais fácil conversarmos, mas enquanto eu achar que eu TENHO filho… tudo o que vem com “eu tenho”, tira deles (dos filhos). Esse exercício é uma mudança de paradigma, e muitos me crucificam por pensar assim. Porque o desejo da maternidade e da paternidade é o desejo de EU ter, e eu não tenho por eles, eu tenho por mim. Eu quero ser mãe, é a minha maternidade, daí não é a vida dele. Então, ele, meu filho precisa de mãe, eu não preciso de filho. O verbo ter é terrível, porque nos torna donos, e nós não somos donos dos nossos filhos.»

 Heloisa Capelas

 

 

Há 10 meses e uns dias, o meu ninho ficou vazio de filho. Sim, o meu “alecrim dourado” foi estudar fora do país. Ela está neste momento, a 5152 km de distância desta mãe que a ama mais que tudo, mas que não via a hora dela começar a aventura da sua vida adulta.

Lembro-me que a pergunta que mais ouvi foi: tens coragem de a deixar ir para tão longe? para um país tão diferente e um tanto ou quanto racista? Mas, vais acompanhá-la até lá, não vais?

O número de pessoas que me perguntaram se eu não iria acompanhar a minha filha, para ajudá-la a se instalar no novo lar, foi tão grande, que decidi lançar um debate num grupo de amigos para tentar entender o que leva a nós, pais que foram estudar fora sozinhos, com a cara e coragem, a ter o desejo imenso de proteger nossos filhos até nessa aventura que deveria ser vivida por eles, para que assim possam ter, pelo menos, uma estória própria para contarem?!

Do debate saíram algumas justificativas/conclusões: 

“Dependendo do país, é importante os pais acompanharem para facilitar o arrendamento das casas, no caso dos filhos serem ainda menores; 

“Se os pais têm condições financeiras para tal, devem ir sim, para ajudarem nos primeiros tempos e assim ficarem mais tranquilos, e é também um ato de amor e cuidado;”

“Com essa atitude os pais não deixam os filhos crescerem e amadurecerem;”

“Não deixamos os nossos filhos arriscarem para não perdermos a nossa tranquilidade. Somos bem egoístas. Na maioria das vezes eles querem viver aquela experiência para verem até onde são capazes de irem sem apoio.”

Outros ainda argumentam, que existem certos pais que acompanham os filhos, porque esses não sabem fazer nada por terem sido criados e educados em bolhas, onde os pais é que decidiam e faziam tudo por eles. Inclusive, muitos pais é que trataram de toda a papelada para as candidaturas dos  filhos, porque a esses não foram ensinados como deveriam proceder.

Ao comentar esta minha preocupação, sobre a superproteção dos filhos nessa fase da saída do ninho, tive conhecimento de alguns casos que me deixaram a pensar: num dos casos, um dos pais tirou licença sem vencimento durante um ano para acompanhar a filha, o outro caso, os pais se mudaram com a filha para a cidade onde ela foi colocada.

Neste último caso, a relação entre pais e filha desandou, os pais acabaram por se separar e posteriormente divorciaram-se. 

Acredito que nos dois casos a intenção era a melhor: garantir a segurança e o bem estar dos filhos. Mas eu entendo de outra forma, esses dois casos foi o mais puro ato de egoísmo dos pais: queriam garantir tão somente, a sua própria TRANQUILIDADE. Porque para muitos, os filhos são e serão sempre suas propriedades, logo, há que se garantir que não se estraguem, ou sofram danos de maior.

Provavelmente, o caro leitor, deve estar a questionar a razão pela qual eu não acompanhei a minha filha, na aventura que foi sair pela primeira vez de Cabo Verde, sozinha, com destino ao desconhecido onde irá passar, se Deus quiser, os próximos 4 anos da sua ainda jovem vida.

As razões são duas: primeiro, porque ela assim quis, segundo eu precisava que assim fosse, pois ao trazer-lhe para esse mundo, tenho desde o dia que ela nasceu, tentado me tornar uma mãe desnecessária.

Criei e eduquei minha filha para ser um ser humano independente de mim. Eu vivi a aventura que foi sair de Cabo Verde e ir estudar no Brasil, onde não tive ninguém à minha espera, num tempo em que não existiam nenhuma das facilidades de comunicação que existem hoje.

Claro que não sou uma mãe irresponsável ao ponto de não ter tentado localizar uma rede de apoio local (no país onde ela está a estudar). Fizemos essas diligências, e ela, depois de 12 horas a viajar sozinha, foi recebida no aeroporto por um casal que a orientou até o seu destino final. 

Ah, ainda há mais uma razão para não a ter acompanhado: eu tenho mais o que fazer com os recursos financeiros que eu teria que despender, só para poder ficar “mais tranquila”. 

Li uma vez que ” Quem somos e a maneira como nos relacionamos com o mundo são indicadores muito mais seguros de como nossos filhos serão, do que tudo o que sabemos sobre criar filhos". Em se tratando de ensinar as crianças como viver com ousadia na sociedade da escassez, a questão não será “estarás a educar seus filhos da maneira certa?, mas sim, “será que és o adulto que desejas que os seus filhos se tornem um dia?“.

Criar filhos é um campo minado de vergonha e julgamentos porque muitos de nós, pais, temos dificuldades em lidar com incertezas e dúvidas. 

Se queremos filhos plenos devemos lutar para criar filhos que: se relacionam com o mundo como pessoas que se valorizam; acolham a vulnerabilidade e imperfeições; tenham profundo amor e compaixão por si mesmos e pelos outros; valorizem o trabalho, a perseverança e o respeito; Carregam um sentimento de autenticidade e aceitação dentro de si, em vez de procurar isso do lado de fora; Tenham coragem de ser imperfeitos, vulneráveis e criativos; não tenham medo de passar vergonha ou sofrer se forem diferentes ou se estiverem em dificuldades; e que saibam viver nesse mundo de mudanças rápidas com coragem e flexibilidade.

Deixar um filho sair do ninho dói. Dói mais em nós do que neles. Dói porque com essa saída, somos obrigados a “nascer” de novo enquanto pais, e enquanto o ser social e profissional que somos. Dói porque ficamos vulneráveis e não fomos ensinados a ser vulneráveis. Dói porque precisamos mudar o nosso foco da nossa vida, mudar para dentro e tentar encontrar o que fazer com aquele tempo que antes era dedicado ao filho. 

Ao contrário do que eu estava à espera, o meu ninho vazio não me deixou chorosa, triste, angustiada. É que a Vera mulher, amiga, profissional, sempre existiu lado a lado  com a Vera mãe que sou. Como já escrevi algures, a maternidade não me anula como pessoa, porque a minha filha nunca me impediu de fazer o que quer que seja: minhas aventuras caminhantes, ida ao ginásio treinar, vida artística, vida cívica ativa, e mais recentemente, a vida de ciclista amadora.

O ninho vazio dói, mas impedir que nossos filhos vivam a experiência que é se atirarem ao mundo adulto sozinhos, sofrendo arranhaduras, erros de rotas, mas levantando-se e recalculando a rota correta, é adiar o inadiável: a dor que é crescer e ser dono do próprio destino.

Termino como comecei, com uma frase da Heloisa Capelas: ” Eu sou mãe, eu não tenho nada, e o meu filho precisa saber disso porque o que ele tem de ter é uma vida própria. Ter mãe e pai é a única coisa que eu tenho na minha vida, e meus filhos precisam saber disso, porque precisam querer a vida deles, e eu só posso mostrar isso se eu puder dizer aos meus filhos, que eu desejo muito a minha vida, mas eu a desejo para eles.”

 

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