Futuro da CEDEAO incerto com saída do Mali, Níger e Burkina Faso
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Futuro da CEDEAO incerto com saída do Mali, Níger e Burkina Faso

A saída do Mali, Níger e Burkina Faso da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) torna-se hoje formalmente efetiva, culminando um processo que suscita interrogações sobre o futuro daquela organização sub-regional.

Para marcar a data do que dizem ser uma "decisão irreversível", os três países lançam hoje um passaporte comum, salvaguardando que os antigos, da CEDEAO, permanecem válidos até à data de expiração para não porem imediatamente em causa a liberdade de circulação na região e anunciaram a formação, em breve, de um exército unificado de 5.000 homens para combater o terrorismo fundamentalista islâmico.

Em 29 de janeiro de 2024, os três países governados por regimes saídos de golpes militares notificaram formalmente a CEDEAO da sua vontade de se retirarem “imediatamente”, mas os documentos constitutivos da organização impõem o prazo de um ano para que a saída produzisse efeitos.

Num derradeiro esforço para tentar salvaguardar a unidade interna,os remanescentes 12 Estados membros – Benim, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné-Bissau, Guiné-Conacri, Libéria, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo -, deram, na sua última cimeira, em dezembro passado, seis meses (até 29 de julho) para que os três países reavaliem a decisão de deixar a organização.

Os três países, agora unidos na denominada Aliança dos Estados do Sahel (AES), acusam a CEDEAO de ter imposto sanções “desumanas, ilegais e ilegítimas” contra eles na sequência dos golpes que colocaram os militares no poder.

Mali, Níger e Burkina Faso queixam-se ainda de falta de apoio da CEDEAO para ações concertadas de combate ao terrorismo fundamentalista islâmico que assola e ameaça a estabilidade da região e de subserviência relativamente à França, antiga potência colonial.

Com o fim das relações com a França, que foi obrigada a retirar os efetivos militares que mantinha nos três países, estes passaram a privilegiar parcerias com países como a Rússia, a Turquia e o Irão.

Em entrevista à Lusa, o antigo chefe da diplomacia portuguesa e atual representante especial da UE para o Sahel, João Gomes Cravinho, considerou que “a esperança do lado da CEDEAO é que [a saída] seja temporária (…) para que daqui por algum tempo, um ano, dois, quatro, possa haver uma reintegração dos três países”.

Gomes Cravinho salientou que não se negociou nada relativamente aos termos de saída e classificou a decisão dos 12 países membros, em dar seis meses para se negociarem os termos de saída, como “estranha”.

“É uma situação um pouco estranha, pouco ortodoxa do ponto de vista jurídico, mas com uma intencionalidade política que é o de comprar tempo para o diálogo, porque o diálogo está praticamente inexistente”, explicou.

A rutura foi consumada após o golpe de Estado no Níger, em julho de 2023, quando a CEDEAO ameaçou intervir militarmente para restaurar no poder o Presidente deposto e impôs pesadas sanções económicas a Niamey, entretanto levantadas.

A viabilidade da CEDEAO será uma questão central e aqui o papel de países como o Togo ou o Gana serão determinantes.

No caso do Togo, cujo porto de Lomé abastece os três países, o chefe da sua diplomacia, Robert Dussey, declarou recentemente que o seu país não enjeita a possibilidade de aderir à AES.

Para Gilles Yabi, fundador do ‘think tank’ Wathi, citado pela AFP, o Togo tem uma “visão a curto prazo”, baseada em “cálculos de interesses económicos” que irão “enfraquecer a CEDEAO”.

Outro analista, Rinaldo Depagne, diretor-adjunto para Africa do International Crisis Group (ICG), disse que, se a CEDEAO perder um quarto membro como o Togo, com o seu acesso marítimo, fica a questão da própria sobreviência da comunidade.

Prova da reconfiguração que ameaça a continuidade da organização sub-regional, está o facto de o Gana, do recém-eleito Presidente John Dramani Mahama, ensaiar igualmente uma aproximação à AES.

Em funções desde 07 de janeiro, Mahama recebeu, na sua tomada de posse, o líder da junta militar do Burkina Faso, Ibrahim Traoré, seguido do primeiro-ministro do Mali, Abdoulaye Maiga, e já anunciou a nomeação de um enviado especial para a AES.

“O novo Presidente não tem a mesma posição de princípio em relação aos golpes de Estado que os seus antecessores. A questão agora é saber se podemos estar com a AES e a CEDEAO ao mesmo tempo”, questionou Rinaldo Depagne.

Ouvido pela Lusa, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Guiné-Bissau, Carlos Pinto Pereira, desafiou o Mali, o Níger e o Burkina Faso a permanecerem na CEDEAO como uma nova entidade, à semelhança do que já acontece com outras organizações africanas.

“Nós veríamos isso com muitos bons olhos e dizemos isso com alguma responsabilidade, porquanto o impacto da saída seria grave para todos, para os que saem e para os que ficam”, afirmou.

O ministro guineense concretizou que a proposta que faz é para que os três países permaneçam dentro do espaço da CEDEAO à semelhança do que já existe, e concretizou com exemplos como a UEMOA (União Económica e Monetária do Oeste Africano) ou a OMVG (Organização para o Aproveitamento do Rio Gâmbia).

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