Linguistas defendem a continuidade da educação linguística rumo a oficialização do crioulo
Cultura

Linguistas defendem a continuidade da educação linguística rumo a oficialização do crioulo

A linguista Ana Karina Moreira defendeu hoje a necessidade de se continuar a educar o povo em matéria linguística para que este possa entender a necessidade e o valor do crioulo para “pressionar” o Governo a oficializá-lo.

Esta linguista falava à imprensa, no âmbito da conferência "Língua Cabo-verdiana e Identidade Nacional", realizada hoje, na Universidade de Santiago, em Assomada, Santa Catarina, organizada pela curadoria científica e organização do ciclo de conferências/debate em comemoração do 50.º aniversário da independência de Cabo Verde.

Segundo esta conferencista, a não oficialização do crioulo limita o acesso a recursos e investimentos necessários para o ensino e promoção da língua.

“Enquanto não está oficializado, o crioulo continua a ser desprezado”, alertou, defendendo que o povo tem de trabalhar nessa luta, e que, para poder exigir os seus direitos linguísticos, é essencial que a educação sobre a importância do crioulo seja “disseminada amplamente”.

Questionada sobre a necessidade do ensino obrigatório do crioulo nas escolas, Ana Karina Moreira argumentou que a abordagem deve ser natural, semelhante ao ensino de outras línguas maternas em países ao redor do mundo, ou seja, que não é um ensino obrigatório ou impor algo obrigatório no ensino das crianças, mas sim deva ocorrer naturalmente.

“As crianças devem aprender na língua que se fala no país”, afirmou, citando recomendações da Unesco e do Banco Mundial.

Na ocasião, Ana Karina Moreira também abordou o preconceito enfrentado pelo crioulo, ressaltando que a variação da língua não deve ser vista como um problema, mas sim como uma riqueza, e que nem deve ser vista como uma “língua pobre” ao se comparar com o português.

Aliás, neste quesito, ressaltou que a ideia que se tem que as variações do crioulo em Cabo Verde é um problema deve ser desmistificada, justificando que “a variação é uma propriedade de todas as línguas e que não há nenhuma língua que não possui variação”, realçando que esta variação é a riqueza da língua. 

“A oficialização é da língua, do crioulo, assim como o português é a língua oficial de Portugal, mas não dizem se é a variante de Lisboa de Algarve ou do Norte, mas sim a língua em si”, disse, explicando assim que a oficialização não depende de nenhuma escolha.

Mas, explicou, o que muitas vezes se confunde é com a padronização, que é criar a partir da diferente variação que se tem aqui no país, uma forma comum para escrever todos da mesma forma para facilitar a comunicação. 

E, para isso, avançou que é preciso conhecer todas as variações, afirmando que “não é impossível” uniformizar a escrita crioula, exemplificando que o Mandarim, tendo em conta o tamanho da China, deve ter várias variações, mas conseguiram o padrão, questionando assim “porque é que Cabo Verde não consegue ter”. 

“Toda a língua possui variação, e a oficialização do crioulo não depende de uma escolha específica, mas sim de um reconhecimento da língua na sua totalidade”, finalizou.

Amália Lopes, a outra palestrante do evento, destacou a evolução do papel da língua cabo-verdiana na sociedade, observando que, durante o período colonial, o crioulo era marginalizado, enquanto o português predominava entre as elites.

No entanto, a linguista observou que, após a independência, a geração que lutou pela liberdade utilizou o crioulo como símbolo de identidade e resistência.

Sobre os desafios para a sua oficialização, salientou que estes são mais de natureza cultural e mental do que académica, uma vez que “já existem estudos e documentação suficiente” para apoiar a sua “legitimação jurídica”.

“A oficialização da língua é fundamental para garantir que não haja entraves ao seu uso no ensino e em outros contextos”, concluiu.

Esta conferência teve como conferencistas Amália Melo Lopes, Ambrizeth Lima e Karina Moreira, com moderação do Luís Rodrigues.

Foi realizado em formato híbrido, com debate presencial e na plataforma zoom, e reforçou a necessidade de um “compromisso contínuo” com a educação linguística e a valorização do crioulo, fundamentais para a construção de uma identidade nacional forte e inclusiva em Cabo Verde.

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