O que foi feito, de facto, desde 2019? Quantas escolas ensinam morna como parte da identidade cabo-verdiana? Onde estão os centros de estudo, os arquivos sonoros acessíveis, as formações para os mais jovens? Quantos investimentos foram feitos que não sejam apenas placas, festas ou discursos vazios? Por que é que quem levantou esta bandeira com tanto suor foi sistematicamente ignorado? Por que é que muitos nomes foram varridos para baixo do tapete pelo antigo ministro da cultura que preferiu a vaidade à memória coletiva? A morna tem sido preservada sim, mas por teimosia e amor de particulares.
Fiz da morna o meu lar, o meu fôlego, o meu combate, o meu grito e o meu silêncio. Fiz dela missão (sem salário, sem apoios, sem promessas e sem conveniências), porque acreditei, e continuo a acreditar, que a morna é mais do que património de Cabo Verde: é bússola, é raiz, é saudade que se traduz numa lágrima doce; é história cantada por um povo que sempre soube sobreviver dignamente.
Quando a candidatura à UNESCO parecia distante, fui à frente. Mobilizei quem pude, onde pude, com microfone, com corpo e, principalmente, com alma. Em rádios, jornais, praças, cafés, salas modestas e palcos improvisados, mobilizei cabo-verdianos, de dentro e da diáspora, a fazerem parte dessa travessia. Dei rosto e dei voz. E não apaguei a luz depois da conquista. Continuei…
Porque a morna não é um troféu, é um organismo vivo, que exige cuidado, prática, afeto, memória.
E agora? Agora pairam rumores. Sussurra-se, com inquietação abafada, que a morna pode estar em risco de perder o estatuto de Património Cultural Imaterial da Humanidade.
Sim, perder.
De acordo com a Convenção da UNESCO, um bem pode ser retirado da Lista Representativa se deixar de cumprir os critérios que justificaram a sua inscrição. Isto pode ocorrer se as comunidades deixarem de praticar o elemento, se não forem implementadas medidas eficazes de salvaguarda ou se houver uma violação dos princípios fundamentais da Convenção, como o respeito mútuo entre comunidades.
E onde está a indignação nacional? Onde estão os responsáveis por garantir a salvaguarda? Onde estão os planos concretos, sustentáveis, públicos e participativos?
Paulino Vieira, um dos maiores nomes da música cabo-verdiana, já alertou, com toda a razão, que o "status de Património Cultural Imaterial não é para ser visto como um fim, mas sim como o começo de um trabalho constante de preservação". Ele foi claro ao afirmar que "a morna precisa de um verdadeiro programa de salvaguarda, que envolva escolas, famílias e a sociedade em geral". O que se fez, até agora, para garantir isso?
O que foi feito, de facto, desde 2019? Quantas escolas ensinam morna como parte da identidade cabo-verdiana? Onde estão os centros de estudo, os arquivos sonoros acessíveis, as formações para os mais jovens? Quantos investimentos foram feitos que não sejam apenas placas, festas ou discursos vazios?
Por que é que quem levantou esta bandeira com tanto suor foi sistematicamente ignorado? Por que é que muitos nomes foram varridos para baixo do tapete pelo antigo ministro da cultura que preferiu a vaidade à memória coletiva?
A morna tem sido preservada sim, mas por teimosia e amor de particulares.
Há muito que tenho vindo a alertar… se nada mudar, se continuarmos a fingir que tudo está bem, se o Estado continuar ausente da salvaguarda ativa e estruturada da morna, sim, poderemos perdê-la. E será mais do que uma perda cultural, será uma traição à nossa própria história.
Se a morna morrer, não digam que não avisei.
Para quando o slogan: “Morna sta na moda”?
Comentários
José Lima Borges, 17 de Abr de 2025
Infelizmente a Sra. Any, tem toda razão, a nossa morna tem caído em desuso. Apesar da fraca visibilidade, Boa vista e São Nicolau são as únicas ilhas onde ainda tentem impulsionar a morna e não o deixar cair no esquecimento. Um exemplo claro é o que se nota nas várias rádios, onde a morna é quase esquecida. Como disse a morna “ é raiz, é saudade que se traduz numa lágrima doce; é história cantada por um povo que sempre soube sobreviver dignamente”.
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Caboverdiano atento, 16 de Abr de 2025
ANY
Bela reflexão que deve ser ponderada pelos responsaveis governamentais e municipais.
O atual Ministro parece predisposto a isso; ele não parece pomposo , nem folclorico só para outras vertentes culturais..
Any, continua a iluminar certas mentes.
A caravana passa ...
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