É preciso dizer, sem medo e com firmeza, que Cabo Verde não pode ser governado com base em anúncios de última hora, nem com políticas copiadas às pressas da oposição. Governar exige convicção, antecipação e responsabilidade. E é precisamente essa trindade que falta ao governo de Ulisses Correia e Silva, hoje refém do sucesso retórico de Francisco Carvalho – um opositor que, sem querer, tornou-se o verdadeiro motor das poucas reformas que o país começa a ver. Assim, ao tentarem ridicularizar o "populismo" de Francisco, os governantes tornaram-se vítimas de seu próprio sarcasmo. Pois ao fim e ao cabo, como diria Friedrich Nietzsche, “aquilo que se combate com ódio acaba por ser aquilo que se copia com vergonha.”
A política cabo-verdiana, tal como o arquipélago que lhe serve de palco, vive sob ventos que ora sopram com previsibilidade, ora se agitam em tempestades de contradições. E talvez nada simbolize melhor essa turbulência do que o curioso – e intelectualmente desonesto – processo de apropriação das propostas do líder da oposição, Francisco Carvalho, por parte do governo de Ulisses Correia e Silva. Um fenômeno que poderíamos denominar, com propriedade, de efeito franciscano: a paradoxal dinâmica em que ideias previamente escarnecidas como "populistas" tornam-se, em questão de dias, pilares improvisados de uma governação em declínio.
A anatomia do Cinismo Político
Nas últimas semanas, assistimos a um curioso ballet institucional. A cada declaração de Francisco Carvalho – seja sobre transportes aéreos, acessibilidade universitária ou qualificação profissional – segue-se, como que por reflexo condicionado, um anúncio urgente por parte do executivo, proclamando soluções miraculosas e inéditas para os problemas apontados pela oposição. É um padrão demasiado reiterado para ser coincidência, e demasiado mal executado para parecer estratégia. Quando Carvalho denunciou a precariedade dos transportes entre ilhas e a ausência de uma visão logística coerente, foi imediatamente alvejado por acusações de populismo e de desconhecimento técnico. Contudo, no dia seguinte, o próprio primeiro-ministro – como se impulsionado por súbita epifania – percorreu os corredores do poder anunciando a aquisição de novos aviões e, pasme-se, a construção de barcos. A política pública, nesse momento, pareceu tornar-se peça de teatro amador: improvisada, inflamada e desesperadamente tardia.
A Universidade Gratuita:
Outra cena exemplar desse teatro de simulacro foi a repentina conversão do governo à ideia de ensino superior gratuito. Francisco Carvalho propôs – com audácia e fundamentação – a gratuidade do ensino universitário para estudantes de baixo rendimento, como forma de romper com os ciclos geracionais de exclusão. O governo, inicialmente, reagiu com desdém tecnocrático, questionando a viabilidade orçamental da proposta. Não obstante, poucos dias depois, surge o executivo com um “plano de bolsas para estudantes carenciados” – uma réplica disfarçada da proposta franciscana, sem a elegância conceitual e sem a coragem de assumir a fonte. O que se observa não é um diálogo democrático de ideias, mas sim um desespero político a céu aberto, alimentado por panico eleitoral e pela ausência de um projeto próprio.
Formação Profissional:
A cereja sobre o bolo deste processo de imitação estratégica disfarçada foi colocada esta semana, com o anúncio feito pelo Ministro Eurico Monteiro sobre a gratuitidade total da formação profissional, em todos os níveis do Cadastro Social. O tom da intervenção foi triunfalista, como se esta iniciativa brotasse de uma linha programática sólida e longamente gestada.
Nada mais falso.
Esta medida, embora louvável, surge como resposta tardia à crescente pressão social e ao discurso crítico de Francisco Carvalho. É como se, subitamente, o líder oposicionista tivesse se tornado o verdadeiro assessor de governação – ainda que involuntário. A ausência de um plano estruturado por parte do governo torna-se patente: improvisa-se, adapta-se, copia-se... tudo em nome da sobrevivência política.
O Desespero Pré-Eleitoral
O que está em curso, com traços quase tragicômicos, é a derrocada simbólica de uma governação que esbanjou uma década sem imprimir ao país uma narrativa de futuro. Ulisses Correia e Silva chegou ao poder prometendo eficiência, reformas estruturantes e um Estado moderno. Mas termina o ciclo atolado em respostas tardias, planos improvisados e, sobretudo, numa dependência parasitária das ideias alheias.
A ausência de um ideário autêntico, de uma estratégia de desenvolvimento coerente e de uma visão inclusiva para o país, obriga agora o governo a vestir – com o desespero de quem se afoga – os trajes do opositor que outrora desdenhou. Mas nenhuma indumentária emprestada disfarça a nudez de conteúdo. Como bem escreveu o filósofo francês Michel de Certeau: “A estratégia pertence àquele que detém o poder; a tática é a arte do fraco.” No caso cabo-verdiano, é a oposição que, paradoxalmente, formula a estratégia, enquanto o governo se arrasta taticamente.
O Risco da Demagogia Institucional
O efeito franciscano, portanto, não é mera coincidência nem produto de convergência de ideias. Trata-se de uma constatação inequívoca de falência programática. E, mais grave ainda, de um risco profundo à saúde democrática de Cabo Verde: quando governos adotam, de forma oportunista, medidas que criticaram apenas por conveniência eleitoral, sem planeamento adequado, não só insultam a inteligência do eleitorado como descredibilizam a própria função da política como instrumento de transformação.
É preciso dizer, sem medo e com firmeza, que Cabo Verde não pode ser governado com base em anúncios de última hora, nem com políticas copiadas às pressas da oposição. Governar exige convicção, antecipação e responsabilidade. E é precisamente essa trindade que falta ao governo de Ulisses Correia e Silva, hoje refém do sucesso retórico de Francisco Carvalho – um opositor que, sem querer, tornou-se o verdadeiro motor das poucas reformas que o país começa a ver.
Assim, ao tentarem ridicularizar o "populismo" de Francisco, os governantes tornaram-se vítimas de seu próprio sarcasmo. Pois ao fim e ao cabo, como diria Friedrich Nietzsche, “aquilo que se combate com ódio acaba por ser aquilo que se copia com vergonha.”
Comentários
Cezinando Semedo, 30 de Mai de 2025
farinhas do mesmo saco. kkkk
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Luiz Nunes, 30 de Mai de 2025
E agora?
O que o povo vai escolher: a cópia ou o original?
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Luiz Nunes, 30 de Mai de 2025
E agora?
O que o povo vai escolher: a cópia ou o original?
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Zé P., 29 de Mai de 2025
GOVERNAÇÃO Ctrl-C Ctrl-V.
Luiz Nunes, 30 de Mai de 2025
Resumo perfeito!!!Responder
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Rolando De Jesus Melo, 29 de Mai de 2025
Perfeito analize sem lingua de pau ???
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