Mas sejamos francos: terá o país sequer condições para acolher emigração estrangeira? Temos hospitais suficientes, escolas capazes, políticas de integração, e habitação digna? Ou vamos apenas empilhar seres humanos em bairros clandestinos, onde a miséria é mais fácil de ignorar? Não é só incoerente, como é indecente! É urgente que perguntemos: a quem serve esta política? Quem lucra com este “intercâmbio de misérias”? E sobretudo, quem nos defende de quem nos governa?
Por vezes a realidade supera a ficção e em Cabo Verde, essa máxima é aplicada com um rigor quase artístico.
O governo, que se diz preocupado com a taxa de desemprego e com os jovens sem perspectivas, anunciou que a melhor maneira de colmatar a falta de mão de obra em sectores como a agricultura e a construção civil… é contratá-la fora do país.
Sim, leu bem. Não se trata de uma das minhas piadinhas. É mesmo a mais recente façanha do “bom senso” institucional.
Num país onde milhares vivem na precariedade, onde jovens qualificados servem cafés ou deambulam entre formações financiadas pela cooperação internacional e promessas políticas vazias, a solução encontrada é importar mão de obra.
Talvez o governo tenha confundido o diagnóstico: o problema nunca foi falta de gente para trabalhar mas sim a falta de políticas sérias para valorizar o trabalhador cabo-verdiano. Mas isso dá muito trabalho, não é? Melhor é trazer uns quantos de fora, pagar-lhes qualquer coisa, e fazer de conta que se resolveu o problema.
Quando li esta notícia foi inevitável estabelecer um paralelo com o Reino Unido que pagou ao Ruanda para receber migrantes e requerentes de asilo, numa espécie de outsourcing humanitário.
Será que Cabo Verde se prepara para o mesmo papel?
Já vimos esse filme: primeiro são incentivos para "acolher", depois vêm os contratos discretos, e quando dermos por isso, estamos a fazer de armazém de seres humanos descartados pelas potências europeias. Tudo com um sorriso nos lábios e uma bandeirinha da ONU no peito.
Vamos receber “migrantes económicos” para fazer o trabalho que dizem que os cabo-verdianos não querem fazer, enquanto os nossos vão procurar vida lá fora, fugindo do desemprego que consome o país?
Ironia maior não há: um país pobre a importar mão de obra. Talvez o plano seja mesmo esse: transformar Cabo Verde num entreposto de mão de obra internacional. Uma espécie de “hub” para gente descartada, mal paga e sem voz.
Mas sejamos francos: terá o país sequer condições para acolher emigração estrangeira? Temos hospitais suficientes, escolas capazes, políticas de integração, e habitação digna? Ou vamos apenas empilhar seres humanos em bairros clandestinos, onde a miséria é mais fácil de ignorar?
Não é só incoerente, como é indecente!
É urgente que perguntemos: a quem serve esta política? Quem lucra com este “intercâmbio de misérias”? E sobretudo, quem nos defende de quem nos governa?
FORTE APLAUSO.