Casa dos Estudantes do Império foi fundamental para independentistas das ex-colónias
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Casa dos Estudantes do Império foi fundamental para independentistas das ex-colónias

O historiador António Ventura considerou que a Casa dos Estudantes do Império, fundada em 1944, "teve um papel fundamental” na formação das elites que estiveram na base das independências das ex-colónias portuguesas.

"Era uma instituição perfeitamente legal de estudantes, mas permitiu o contacto entre elementos das várias colónias, o que se refletiu nas relações futuras entre os movimentos de libertação desses territórios [as atuais ex-colónias portuguesas]", explicou à Lusa o professor de História Contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

A Casa dos Estudantes do Império (CEI), em Lisboa, foi fundada para que os jovens das regiões ultramarinas pudessem prosseguir os seus estudos superiores. 

A sua origem radica na Casa dos Estudantes de Angola, fundada em 1943 para receber os alunos vindos desta região. Esta instituição é replicada por casas de estudantes de várias origens do império.

Estas foram unificadas na CEI, apadrinhada pela Mocidade Portuguesa, cujo comissário nacional era Marcelo Caetano, tutelada e financiada pelo Ministério das Colónias, cujo ministro era Francisco José Vieira Machado.

Foi criada para assegurar o futuro do império e formatar a classe intelectual que vinha das colónias, fomentando atividade cultural, recreativa e desportiva. 

Todavia, a instituição rapidamente se tornou num centro de consciencialização de liberdade, democracia e, posteriormente, dos movimentos de libertação, disse António Ventura. 

A CEI foi "uma espécie de alfobre" de parte da elite independentista desses territórios, referiu.

Amílcar Cabral, que veio estudar para Lisboa com bolsa de estudo em 1945 para o Instituto Superior de Agronomia, cuja licenciatura terminou com 15 valores, fez parte da primeira geração dos estudantes desta casa.

Foi aqui que Amílcar Cabral, cujo centenário do nascimento se celebra este ano, em setembro, conviveu com Agostinho Neto, figura histórica do movimento independentista angolano, mas também com figuras importantes de Moçambique, Goa ou São Tomé e Príncipe, segundo o professor.

Este convívio fez com que "houvesse um estreitamento de relações entre estas nações no futuro, porque a proximidade pessoal permite a criação de laços de amizade que, normalmente, antecedem depois as relações políticas", explicou.

Muitos destes estudantes reencontram-se, posteriormente, nos anos 1960, em conferências internacionais, como elementos da direção dos movimentos independentistas, disse o historiador. 

"A Casa dos Estudantes do Império é o início, digamos assim, desse relacionamento", reiterou.

O historiador frisou ainda que o caso de Amílcar Cabral - que foi presidente do Comité da Cultura da CEI entre 1948-51, secretário-geral em 1950 e vice-presidente em 1951 - é semelhante ao de outros estudantes, que em Lisboa passam a ter contacto com movimentos oposicionistas portugueses e ganham consciência antifascista.

Esta geração não começou, necessariamente, com movimentos de libertação - que na altura ainda não existiam em Portugal -, mas sim de oposição, em que participaram ativamente, explicou António Ventura. 

Amílcar Cabral funda em Lisboa, em 1951, com José Tenreiro e Alda Espírito Santo, de São Tomé e Príncipe, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto e Lúcio Lara, de Angola, Marcelino dos Santos e Noémia de Sousa, de Moçambique, Vasco Cabral, da Guiné-Bissau e Aquino de Bragança, de Goa, o Centro de Estudos Africanos (CEA), que posteriormente é encerrado pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). 

Alguns foram presos em Portugal pela participação na luta política contra o Estado Novo ao terem aprendido sobre marxismo e ao terem tido contacto com o Partido Comunista Português, disse.

A partir de 1952, surge a ideia de encerrar a CEI porque a instituição ameaçava o futuro da própria unidade nacional, segundo uma carta do ministro do Ultramar, Manuel Sarmento Rodrigues, a Salazar.

A CEI acabaria por ser encerrada pela PIDE em 1965 porque, apesar de a geração de Amílcar ter saído há muito tempo, continuava a haver, em Portugal, nessa altura, muitos estudantes vindos das colónias ligados aos movimentos independentistas, que mantinham estruturas clandestinas, explicou o historiador.

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