POESIA ORAL – BATUKU DI KABU BERDI - III
Cultura

POESIA ORAL – BATUKU DI KABU BERDI - III

“Batuku e aima di povu” (KD) & “Batuku sta na moda” (OP)

«A música cabo-verdiana é das mais ricas que temos no país. A música tradicional é fabulosa» (algures)

 

Na senda da qualidade da música cabo-verdiana que a sociedade está a discutir, em que vários leigos e, sobretudo, os conhecedores desta matéria trazem à toma muitos aspetos importantes para análise relacionadas com a música de Cabo Verde. Alcançámos que o povo das ilhas é resultante de um povo em cujo quotidiano a música sempre teve peso, abarcando a totalidade das circunstâncias da vida, da fome à fartura, da partida ao regresso, do lirismo esfusiante à depressão, da alegria à tristeza, da dor à euforia, da morte à vida, da religiosidade ao senso da eternidade (Cf. Iº Encontro da Música Nacional, E.Lima da Cruz – Org).

A música cabo-verdiana, um dos veículos privilegiados de expressão da identidade cabo-verdiana resulta da convergência e sobreposição de elementos musicais europeus, sobretudo, de origem portuguesa, com elementos musicais africanos, que (Monteiro, 2011) afirma se deu aquando do povoamento das ilhas. Contudo, não se sabe ao certo o momento em que se teria verificado na sociedade cabo-verdiana o processo de miscigenação musical resultante do encontro destas populações portadoras de diferentes tradições musicais.

A música, no espaço cultural cabo-verdiano, para além do papel que universalmente lhe está reservado, destina-se a ser cantada, tocada e dançada. Outros, porém, dizem confinando-se unicamente à dança não deixam, todavia, de construir um forte traço cultural, pois espalham a ossatura da identificação de um povo (Tavares 2005).

A tradição oral está sempre integrada aos diferentes aspetos da vida social, desempenhando funções múltiplas e variadas. Ela atua como memória da sociedade e transmite códigos de ética e expressão estética[1]. É o que se verifica com os diversos grupos/associações de Batuku da atualidade: cada um apresenta trajes multicolores e/ou pretendem ao menos (ao nosso ver) combinar a sessão de batuku com roupagens modernas. O que verificamos com o grupo RAMANTXADAS: em termos de letras, composições e da própria apresentação (vestuário) é simplesmente fenomenal e que precisa de maiores atenções/estudos/análise aprofundadas da forma como transmitem as suas emoções, sentimentos empreendidos nas suas composições típicas nesta (re)elaboração perfeita e da fusão dos elementos que traz à música tradicional – Batuku – uma dimensão ainda maior fazendo dele uma variedade de coisas ao mesmo tempo. Nota-se no grupo RAMANTXADAS há um jogo de expressões, de representações comunicativas, para além de outros domínios que o espírito humano por si só, não consegue exteriorizar. A linguagem sem voz. Será necessário um esforço de imaginação para reconhecer a presença da poesia oral que está bem viva no nosso meio e cada vez mais com maior qualidade. A voz é querer dizer e vontade de existência, lugar de uma ausência que, nela, se transforma em presença. A voz é uma coisa: descrevem-se suas qualidades materiais, o tom, o timbre, o alcance, altura, o registo.

Tal acentua as formas poéticas ligada, de modo direto ou indireto, às tradições antigas e às culturas pré-industriais – portanto, ligado ao homem do campo – meio rural – muitas vezes recebidos como os iletrados.

A existência do Batuku em Cabo Verde, na ilha de Santiago está documentada desse o início do século XIX. Antes da Independência Nacional este género era praticado, sobretudo, pelas populações rurais do interior montanhoso das ilhas, (Gonçalves, 2006) onde historicamente se refugiavam escravos negros foragidos e onde se foram consolidando comunidades em algum grau de conservação de memórias e práticas da cultura africana.

Mas, nas ideias de (Spínola, 2004) o Batuku terá nascido praticamente com o homem cabo-verdiano e vem sendo praticado, apesar da tentativa colonial-fascista em silenciá-lo, sendo já em si uma manifestação popular de liberdade, alegria, afã de viver. Batuku é ao mesmo tempo poesia, cântico, música e dança, conclui o autor.

Afirma-se que o Batuku é a forma musical mais antiga de Cabo Verde – uma das primeiras descrições é dada pelo Engº José Conrado Carlos de Chelmickri em 1841:

«toda esta negraria senta-se em círculo (…),

e no meio entra a balhadeira, vestida à moda do país,

largando somente o pano dos ombros e apertando-o bem à cintura.

O coro começa mui lentamente as suas cantigas,

graduando e ora cantando com certa languidez ora gritando apressadamente; todos acompanham (…)

batendo com palmas das mãos e nas pernas».

Diz-nos a prof Gomes (2008) na sua reflexão sobre a cultura e literatura Cabo-verdianas afiança que apesar do peso de uma dominação cultural que durou cinco séculos:

«o cabo-verdiano cedo começou a resistir, reivindicando a sua identidade. Essa resistência expressa-se através da fala (Kriolu), das vozes entoando mornas, das cantigas de trabalho, dos repiques do batuku, da euforia do funaná dançado, dos poemas engajados, dos cantos ‘di boka tardi’ que, junto às manifestações coletivas como a tabanca, se somavam à resistência organizada que desencadeou as lutas de libertação nacional».

Muitas coisas sobre a cultura – Literatura, música, tradições orais, manifestações culturais… - cabo-verdianas já foram estudadas e investigadas. Contudo, acreditamos que há ainda muito por estudar e pesquisar, uma vez que as ilhas possuem riquezas maiores em termos culturais e outros.

Por se encontrar num bom caminho, numa fase inquietante, criativa e de firmação, modernização, em todos os géneros, graças em parte ao despontar de uma geração muito forte no país e na diáspora que ainda não pegou, mas vai pagar e há uma valiosa presença de uma nova leva de artistas preocupados com o estudo e o aprofundamento da teoria musical – já dizia Norberto Tavares (1956-2010) – voltar à fonte ‘volta pa fonti’. Portanto, a música cabo-verdiana está de saúde, mas precisa de uma progressão, evolução positiva com o surgimento de uma nova música, devendo tal estar associado ao projeto «Ayan» arrancado com Orlando Pantera que fez em ralação ao Batuku aquilo que Catchas (Katxás – ALUPEC[2]) fizera em relação ao funaná.

Não obstante o bom momento de muita imaginação por que passa a música de Cabo Verde consegue-se entender que ela está a ‘vestir uma roupagem nova’ (Teté Alinho). Esta roupagem nova deveu-se ao grupo localizado na ilha de Santiago representado por Orlando Pantera, Princezito, Vadú e Txeka que privilegiam o retorno à raíz, através nomeadamente do Batuku e finason, do funaná – com uma nova roupagem.

 

Referência Bibliográfica

GOMES, Simone Caputo, Cabo Verde: Literatura em Chão de Cultura. Coita SP: ateliê Editorial; Praia: IBNL, 2008.

GONÇALVES, Carlos Filipe, Kab Verd Band. IAHN. Praia, julho, 2006

MONTEIRO, César Augusto, Música Migrante em Lisboa: trajectos e práticas de músicos cabo-verdianos. Ed Mundos Sociais. Lisboa, set 2011.

TAVARES, Manuel de Jesus Fortes, Aspectos Evolutivos da Música Cabo-verdiana. Ed Centro Cultural Português/Instituto Camões. Praia, 2005.

 



[1] Conclusão da Conferência Intergovernamental sobre Políticas Culturais na África – Acra, 1975 apud Filho 1985.
[2] Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano.

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