“(…) precisamos de uma Revolução na Educação”   
Colunista

“(…) precisamos de uma Revolução na Educação”  

...a reconceptualização da Educação e de toda a sua administração se impõe, para que possamos ter, em Cabo Verde, uma Educação que, de facto, sirva o país, à semelhança daquilo que muitos países, como Singapura, Finlândia, ou a Coreia do Sul, conseguiram, num espaço temporal relativamente curto. A adoção e o desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas e o foco na metacognição, ao invés da mera transmissão do conhecimento, que valoriza apenas a parte cognitiva e a sua reprodução, constituem desafios sérios para o sistema educativo cabo-verdiano.

No seu discurso de encerramento do XVII Congresso do PAICV, o Novo Presidente, Rui Semedo, de entre as suas preocupações para com o país, defendeu uma Revolução para a nossa Educação. Considerando que a Educação é a base do progresso humano, o seu apelo fez-me lembrar o discurso do antigo Primeiro-Ministro do Reino Unido, o Tony Blair, no congresso do seu Partido, em 1996, nas vésperas das eleições em 1997, onde defendeu que tinha três prioridades para o seu país: 1ª – Educação; 2ª - Educação; e 3ª – Educação. Na altura, muito dos seus compatriotas do Partido não compreenderam as suas três prioridades e, ao ser questionado sobre a economia, a segurança, a saúde, etc., explicou que todo o resto vem de uma boa Educação. E foi com essas três prioridades que venceu as eleições.

Um outro país que podemos tomar como referência, onde a Educação foi e é considerada a prioridades das prioridades, por terem percebido, desde os primeiros momentos da independência nacional, em 1965, como a única maneira de impulsionar o progresso do país, é a Singapura. Desde então, até hoje, a Educação naquele país conheceu quatro fases: (I) a fase orientada para a sobrevivência; (ii) a fase orientada pela eficiência; (iii) a fase orientada pela capacidade; (iv) e a fase centrada nos alunos, numa Educação voltada para o Séc. XXI. Importa observar que Singapura, em 1965, aquando da independência, vivia de uma economia de subsistência, baseada na pesca artesanal, com uma população formada por três grupos étnicos e viciados no consumo do ópio. O seu PIB per capita rondava os 200 dólares norte-americanos, portanto, quase igual a de Cabo Verde, em 1975, em que rondava os 180 dólares. Hoje, aquele país asiático, de tamanho inferir à ilha de Santiago (portanto, sem escala, na conceção clássica), é dos mais desenvolvidos do mundo e tem um PIB per capita superior a 50.000 dólares, quando o de Cabo Verde é ainda pouco mais de 3.000 dólares. O Primeiro-Ministro de Singapura, entre 1990 a 2004 (Goh Chok Tong) dizia que o país foi “abençoado” por falta de recursos naturais. Enquanto, nós por cá, andamos sempre a desculpar que o país não dispõe de recursos naturais e, por conseguinte, …

Tenho chamado atenção pela forma muito amador como a nossa Educação tem sido tratada.  Tem faltado uma visão mais estruturante, mais científica e mais qualificada nas definições das políticas educacionais e na sua materialização. Evidências várias têm demonstrado isso e, senão, vejamos: em 2019, o Banco Mundial, no relatório de um estudo (“Analisando a Eficiência da Despesa Pública para Reduzir a Dívida e melhorar o Desempenho dos Sectores da Saúde e Educação”), a pedido do Governo de Cabo Verde, refere que, “apesar dos gastos mais elevados, outros países que gastam menos, como Butão, Samora ou Seychelles, alcançam melhores resultados educacionais” (p. 65). Mais, desde 2013, o Brasil passou a exigir que estudantes cabo-verdianos que desejem fazer o curso no Brasil têm de fazer o teste de proficiência em Língua portuguesa, por terem constatado que estão a chegar com um nível muito baixo, o que lhes têm dificultado nos cursos. Ademais, dados dos relatórios da Direção-Geral do Ensino Superior em Portugal têm revelado que, do total dos nossos estudantes que vão para Portugal, todos os anos, apenas cerca de 24% é que tem conseguido aguentar os cursos e ter sucessos. Enfim, são casos e mais casos que poderemos referir. Olhando, transversalmente, para a nossa realidade socioeconómico e cultural, temos problemas que, quando bem analisados, ilustram, direta ou indiretamente, problemas educacionais de fundo. Imagino que compreender isto, não é fácil e não está ao alcance de qualquer um, mas temos de ter capacidades para o compreender! Caso contrário, os problemas continuam a avolumar-se e o país vai continuar a arrastar os pés, por muito tempo.

Medidas de “recauchutagem” tem sido tomadas, através de reformas e mais reformas, com custos significativos, mas a verdade é que, ao que parece, a Educação tem piorado neste país. Os alunos pouco se interessam pelas escolas e os professores andam, na sua maioria, stressados e angustiados com a sua profissão.  Ora, um sistema desse não estará a servir o país e, deste ponto de vista, a perspetiva do Líder do PAICV, o Rui Semedo, em defender uma Revolução para a Educação, é assertiva.

De facto, face à realidade atual em que vivemos, e face às profundas transformações que o mundo sofreu nos últimos 30 anos, em todas as dimensões das nossas vidas, a conceção da Educação e o modelo escolar que temos se revelam inadequadas e, consequentemente, incapazes de servir as nossas necessidades e os nossos propósitos do desenvolvimento. Não podemos continuar a querer a proporcionar às gerações do séc. XXI, um modelo educacional escolar do séc. XX e que já vinha do séc. XIX. Grosso ao modo, as nossas escolas, do básico ao superior, continuam, praticamente, a se organizar e a funcionar nos moldes tradicionais, desde a organização das salas, as aulas ministradas pelos professores, o sistema de avaliação, tudo configurado num sistema em que os alunos estão ali, mais para ouvir, memorizar e reproduzir (e quanto mais fiel, melhor) os conhecimentos que lhes foram passados pelos professores. No geral, os alunos pouco falam e quando falam é para reproduzir o que o professor disse, ou o que o professor, previamente, já sabe que ele vai dizer e, por isso, tentam satisfazer o professor. O pior, nas nossas escolas, é que o “fazer”, o elemento mais forte no processo de aprendizagem, anda ausente. Isto significa que as nossas crianças, os adolescentes e os jovens passam, em média, 16 a 18 anos “cercados” em espaços que os constrange, pela forma como são organizados em turmas e em salas de aula; pela forma como se estabelece a relação pedagógica professor-aluno; e pela forma como são avaliados.  A tónica é posta, basicamente, na transmissão, assimilação e reprodução de conhecimentos (desgarrados da realidade do aluno), e não no desenvolvimento de competências e habilidades para a vida individual e coletiva. Ainda assim, no final, deseja-se que sejam adultos criativos, inovadores, empreendedores, resilientes, etc. etc., quando, na verdade, não estão a ser preparados para isso.

Este modelo, baseado na perspetiva pedagógica tecnicista/burocrática, deu os seus resultados no passado, é certo, mas o problema é que o mundo mudou profundamente, nos últimos anos, e isto deve ser reconhecido. No passado, a escola também se limitava à transmissão dos conhecimentos e os alunos eram, praticamente, meros ouvintes, assimiladores e reprodutores desses conhecimentos. No entanto, em questões educacionais e de desenvolvimento de competências e habilidades, havia uma contribuição muito forte das famílias, em casa e nas comunidades. Essas contribuições decorriam de uma realidade socioeconómica própria que caracterizava a vida individual e coletiva. Os meninos encontravam em casa um ambiente de trabalho e tomavam parte, desde os primeiros momentos, enquanto membro social e familiar. Esse ambiente lhes proporcionava um conjunto de oportunidades e condições para “fazer” (trabalhar) e vivenciar experiências diversas. Tudo isso, por sua vez, lhes faziam adquirir e desenvolver o gosto pelo trabalho, mas também um conjunto de competências, habilidades e valores pessoais e sociais indispensáveis à vida individual e coletiva, como o senso de responsabilidade, o respeito, a solidariedade, etc., decorrentes do trabalho e das relações sociais que estabeleciam, de forma natural e por exigência da vida de então. Portanto, o ambiente familiar e comunitário constituía uma autêntica escola de preparação para a vida. Mas era assim a vida e assim obrigava.

Hoje, os contextos nacionais e internacionais, mudaram-se e com implicações profundas na vida familiar, comunitária e nacional. O Estado deve compreender essas alterações e levá-las em consideração nas suas políticas educacionais. Cada vez mais, se justifica que, nos processos de aprendizagem estejam presentes, e com muita intensidade, o ato de falar e o ato de fazer, para além do tradicional ato de ouvir.  A neurociência tem demonstrado que as aprendizagens efetivas e o desenvolvimento de competências transversais e habilidades decorrem das práticas do experimentar, do fazer e do conviver. Ora bem, a vida socioeconómica tradicional, se repararmos bem, proporcionava às crianças essas oportunidades em casa e na comunidade, superando as lacunas da escola. Com as transformações verificadas mundialmente, e com os ganhos de algum progresso no país, associados à imperiosa necessidade de se acelerar esse progresso, para dar vasão às necessidades e proporcionar o bem-estar aos cabo-verdianos, torna-se necessária, efetivamente, uma Revolução na nossa Educação, à semelhança do que vem acontecendo um pouco por todo mundo. Aliás, autores de referência dizem que a Educação está a passar por uma “Revolução silenciosa”, a nível mundial. Basta ver que hoje, se fala num conceito de escola em que é uma escola sem paredes, sem turmas e sem provas. Parece estranho, mas já há estas escolas em Portugal, Brasil, EUA, Espanha e por todo lado.

A grande aposta é no saber-ser, saber-estar e, sobretudo, no saber-fazer. Por exemplo, na Áustria, as crianças, dos 6 a 10 anos, frequentam apenas a escola, mas, de 10 a 14 anos, passam entre as escolas e as fábricas, empresas, serviços, oficinas, etc., isto é, entre a escola e o mercado de trabalho, para verem e conhecerem a vida real e a luta diária que as pessoas travam para levar a vida. A partir dos 14 anos, aos 16, ou 18, passam entre a escola e o mercado de trabalho, a trabalharem como estagiários, tudo para ganharem o gosto pelo trabalho; descobrirem as suas vocações; e aprenderem a FAZER coisas e, consequentemente, a desenvolverem aquele conjunto de competências e habilidades transversais, para a vida numa sociedade, a favor do bem-estar coletivo. Por esta razão, a Áustria é um dos países de maior sucesso no emprego jovem, junto com os Países Baixos e a Alemanha. Quando interrogados sobre esse sucesso, justificam que eles fazem as duas coisas (educação e a formação para o emprego) em simultâneo.

Na Suécia, um outro exemplo mundial, junto com a vizinha Finlândia, o componente trabalho faz parte do plano curricular. Por exemplo, as atividades domésticas, desde de limpar, cozinhar, costurar, pregar botões, a carpintaria, tricotagem etc., fazem parte do trabalho escolar. E não é por acaso que os Suecos são os donos das famosas lojas IKEA.

Portanto, a reconceptualização da Educação e de toda a sua administração se impõe, para que possamos ter, em Cabo Verde, uma Educação que, de facto, sirva o país, à semelhança daquilo que muitos países, como Singapura, Finlândia, ou a Coreia do Sul, conseguiram, num espaço temporal relativamente curto. A adoção e o desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas e o foco na metacognição, ao invés da mera transmissão do conhecimento, que valoriza apenas a parte cognitiva e a sua reprodução, constituem desafios sérios para o sistema educativo cabo-verdiano.

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