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Julgamento de Amadeu - parte II. Arguido prescinde de testemunhas "para não escangalhar o sistema"
Sociedade

Julgamento de Amadeu - parte II. Arguido prescinde de testemunhas "para não escangalhar o sistema"

A segunda parte do julgamento de Amadeu Oliveira, esta sexta-feira, 5, seguiu o mesmo trilho: o arguido a manter as acusações contra os juizes Benfeito Mosso Ramos e Fátima Coronel e, desta vez, a pegar nos estatutos do advogado para dizer que é obrigado a denunciar sempre violações dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, o que, a seu ver, sucedeu com processos decididos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Detalhe: respondia às perguntas dos advogados de acusação, num ping-pong que Oliveira soube aproveitar para mostrar que, mais do que as suas desavenças com os juizes do STJ que o têm nas barras do tribunal por 14 crimes de ofensa à honra, o que está em causa é todo o sistema judicial cabo-verdiano, que acusa de "organização criminosa".

A abrir a sessão desta tarde, Amadeu Oliveira disse que prescinde de três testemunhas suas - que estarão na posse de documentos ainda mais  graves contra o STJ, na linha e em consonância com o falecido Felisberto Vieira Lopes, também ele ex-testemunha - "para não escangalhar todo o sistema judicial".

Feita esta observação, coube então ao Ministério Público iniciar o interrogatório ao arguido. O procurador Carlos Gomes questionou Amadeu Oliveira se quando acusa o Supremo Tribunal de Justiça de uma certa má interpretação do artigo 261º nº 3 do Código do Processo Penal - que proíbe a prisão preventiva ou qualquer medida de coação havendo indícios de legítima defesa, no caso de Arlindo Teixeira - responsabiliza o STJ, o advogado-arguido respondeu: "O Supremo faz interpretações truncadas, manipula para manter inocentes presos. Aqui (nº 3 do artigo 261º do CPP) não há interpretação, está lá tudo bem definido. E não sou eu que o diz, é o Tribunal Constitucional", respondeu Oliveira.

O MP também quis saber se Teixeira chegou a reagir ao Acórdão do STJ, tendo Oliveira afirmado que sim, acrescentando ainda que a "medida de coação aplicada contra Arlindo Teixeira foi feita e assinada por uma única juiza, e não pelo colectivo dos juízes. Isso é gravíssimo!", apontou.

Manuel Miranda, advogado assistente do juiz Benfeito Mosso Ramos, perguntou ao arguido por que "quase sempre ataca Benfeito" e Amadeu Oliveira justificou que o faz porque esse magistrado, que voltou a apelidar de "fraudulento", "escreveu artigos em jornais" onde teria feito afirmações falsas, além de atacar o próprio arguido, segundo disse. "O dr Benfeito Mosso Ramos escreveu artigos em jornais a dizer que tentei exercer influência ilegítima sobre ele para favorecer o Arlindo Teixeira. Aí se viu que ele era manipulador, porque faltou à verdade. Para além disso, numa carta aberta publicada em jornais, ele afirmou que a afirmar que o processo relativo ao caso Arlindo Teixeira estava decidido - e não estava - e chegou a insinuar que eu, Amadeu, sou aldrabão. Ele é que começou".

Miranda perguntou então ao arguido se acha correcto mandar a juizes "cartas fechadas" sobre processos em julgamento. O advogado de acusação referia-se a cartas que, supostamente, Amadeu Oliveira teria enviado a Mosso Ramos a pedir que despachasse o processo do Arlindo Teixeira e que não terá entgrado pela via normal. Resposta: "Dei entrada a vários requerimentos, mas o STJ nunca decidia. Usei todas as formas de luta para tirar Arlindo da cadeia. A carta a que se refere existe sim mas entreguei na secretaria do STJ e não pessoalmente ao dr Benfeito. Ora, respondendo à sua questão, acho sim correcto o que fiz, porque perante situações anormais - prorrogação injustificada do prazo de prisão preventiva e outras atrocidades - a rfeacção tem de ser proporcional. Se o processo tivesse demorado 60 dias acharia normal num país como Cabo Verde, mas demorar de forma anormal, deixando um arguido preso fora do quadro legal, exigia todas as formas de luta. É meu dever, enquanto advogado, procurar todas as formas legais de luta para proteger e salvaguardar os interesses de um cidadão injustamente preso, ferido na sua honra e dignidade".

Manuel Miranda perguntou então a Amadeu Oliveira se a liberdade de Arlindo Teixeira vale mais do que a honra e bom nome de Benfeito Mosso Ramos, ao que o arguido retrucou dizendo o seguinte: "O Estatuto do Advogado é que me obriga a isso, ou seja, de acordo com o Estatuto do Advogado, eu sou obrigado, veja bem, obrigado, a denunciar situações em que haja violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Não é se eu quiser denunciar, sou obrigado a isso."

Miranda insistiu nas questões e confrontou Amadeu Oliveira se quando escreveu as cartas ao Benfeito Mosso Ramos estaria à espera de tratamento especial ou favorecimento por causa das suas relações familiares. Amadeu disse: "Do dr Benfeito, directamente,  não esperava nenhum favor enquanto profissional ou qualquer gesto de bondade. Até por que comete erros técnicos e não domina o Direito Constitucional, erros de palmatória".

Manuel Miranda prossegue: "Como é que o dr Benfeito chega então ao cargo de presidente do Supremo Tribunal de Justiça se, como diz, não domina o Direito?". "Vá perguntar ao PAICV", respondeu de pronto Amadeu Oliveira.

O advogado Yolando Barbosa, que defende a juiza Fàtima Coronel, quis saber quais são concretamente as fraudes cometidas pela sua constituinte e amiúde referidas por Amadeu Oliveira. Este respondeu que as responsabilidades da juiza Fàtima Coronel são praticamente identicas às que aponta a Benfeito Mosso Ramos. "Resultam das assinaturas dos acórdãos do STJ que assinavam e onde havia inserção de falsidades. A responsabilidade é conjunta e também individual, salvo se desse voto vencido. Devo dizer que o caso do Benfeito só é maior porque ele escreveu mentiras em jornais. Mas a dra Fátima Coronel, era presidente do Supremo, logo tem responsabilidade acrescida", alegou, anuindo que "Fátima Coronel é sim criminosa" face à pergunta insistente do advogado Yolando Barbosa.

Num dado instante, Amadeu disse que o sistema judicial cabo-verdiano funciona tal qual uma organização criminosa. Yolando Barbosa perguntou então ao arguido, a haver uma organização criminosa, quem seria o o líder. Oliveira não respondeu.

O julgamento de Amadeu Oliveira continua na segunda-feira, 8, com Barbosa a questionar o arguido, e também a audição das testemunhas arroladas pela defesa.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine