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Amadeu Oliveira apresenta queixa-crime contra juíza do processo. Julgamento continua esta terça-feira com arguido ainda detido
Sociedade

Amadeu Oliveira apresenta queixa-crime contra juíza do processo. Julgamento continua esta terça-feira com arguido ainda detido

A defesa de Amadeu Oliveira alegou, entre outros, a existência no Conselho Superior de Magistratura Judicial de um processo de suspeição contra a juiza Ivanilda Varela "por manipulação de provas", e também de uma queixa-crime interposta por Oliveira na Procuradoria Geral da República contra a mesma magistrada, para pedir a sua escusa deste julgamento que arrancou hoje no 4º juizo-crime do Tribunal da Praia. Varela recusou declarar-se impedida porque, disse, os argumentos são falsos, pois, segundo ela, não há nem reclamação contra si no CSMJ, nem queixa-crime na PGR, daí considerar não haver razão para pedir escusa do processo. A verdade é que existem sim esses processos e há provas disso.

Começou hoje, 22, com quase duas horas de atraso, o aguardado julgamento de Amadeu Oliveira, que, depois de faltar às sessões agendadas para os dias 6, 7 e 8 de Janeiro em que está acusado de 14 crimes de ofensa à honra dos juizes do Supremo Tribunal de Justiça, foi detido no sábado, 20, para ser apresentado à audiência de julgamento. Numa sala com péssimas condições acústicas, boa parte das intervenções, sobretudo as da juiza, ficou incompreensível de tão baixo o som, para descontentamento da plateia que chegou a reclamar mas em vão.

Ainda assim deu para perceber que essa sessão inaugural do julgamento de Amadeu Oliveira - que demorou quase cinco horas ininterruptas e com várias pessoas a assistir entre os quais o líder da UCID, António Monteiro, que filmou o video da dentenção do advogado -, teria um atacante e um defensor, ou seja, o arguido a pôr em causa a legitimidade da juiza para condizir o processo e esta a rechaçar as acusações.

Efectivamente, logo que se deu início aos trabalhos, a equipa de defesa de Amadeu Oliveira, liderada pela advogada Zuleica Cruz, pediu a palavra para solicitar a suspensão da juiza Ivanilda Mascarenhas Varela por ser do 4º juizo crime do Tribunal da Praia, instância que, segundo os argumentos da defesa de Oliveira, por ser destinada apenas para deliberar sobre casos especiais e sumários, não é competente para julgar o presente caso, que é um processo ordinário, logo, com a possibilidade de todo o julgamento, caso continue nestes moldes, vir a ser declarado nulo.

Oliveira chegou a queixar-se disso junto do Tribunal da Relação de Sotavento - dando como exemplo o pedido de escusa da anterior juiza nomeada para o julgar, Sara Ferreira, que apontou precisamente para o facto de o 4º juizo crime não ser tribunal competente para julgar este processo - que, entretanto, haveria de confirmar a juiza Ivanilda Mascarenhas Varela como magistrada indicada para presidir o julgamento.

Só que, as advogadas de Amadeu Oliveira, Zuleica Cruz e Ema Gomes, protestam esse despacho por não ter sido notificado o arguido a tempo de poder contestá-lo, na base do principio do contraditório previsto na lei, o que, no seu entender, justificaria a suspensão da audiência para consultar o referido despacho do tribunal da Relação de Sotavento.

MP não obsta

O representante Ministério Público, chamado pela defesa a tomar um posicionamento, disse que sobre o incidente de incompetência do 4º juizo-crime não há nada a acrescentar, uma vez que o Tribunal da Relação de Sotavento já decidiu sobre esta questão, quando justificou que na redistribuição de processos por substituição coube ao 4º juizo julgar o processo. Mas afirmou não se opôr a um eventual recurso da defesa em relação à falta de notificação. O mesmo defendeu o advogado da juiza conselheira do STJ, Fátima Coronel, e do STJ, e o advogado do juiz conselheiro Benfeito Mosso Ramos, Manuel Miranda.

A juiza visada, firme e assertiva num primeiro momento, também socorreu-se desse despacho do tribunal da Relação de Sotavento, que Amadeu Oliveira contesta por não ter sido notificado, para afirmar que não se vai declarar impedida, pelo que continua a presidir este julgamento.

As tentativas de Amadeu Oliveira para falar ele próprio foram sempre rejeitadas pela magistrada, numa inteligente estratégia, diga-se, para retirar voz ao arguido e manter os diálogos apenas entre a defesa e o tribunal, sem oportunidade ao Amadeu Oliveira que, como se sabe, consegue e sabe defender a sua causa como ninguém, independentemente de estar certo ou errado - no decorrer, ou no fim, do julgamento poder-se-á saber de que lado está a razão.

Contra-ataque com armamento pesado

Aparentemente, perdido o primeiro round, a advogada Zuleica Cruz, depois de curta concertação com Amadeu Oliveira, trouxe então armamento pesado para a audiência. Primeiro pediu para introduzir na Acta um requerimento, também a pedir a suspensão imediata de Ivanilda Varela, no qual cita uma notícia do Santiago Magazine a denunciar a existência de um processo de averiguação a decorrer no Conselho superior de Magistratura Judicial contra a juiza por "manipulação de provas" quando exercia as funções de magistrada na Comarca de Santa Cruz. Processo esse que foi remetido ao CSMJ pelo próprio juiz-presidente do tribunal de santa Cruz, depois de receber denúncias de alguns advogados.

Depois, Zuleica Cruz anunciou a existência de um processo-crime, que deu entrada na PGR na semana passada, movido por Amadeu Oliveira contra a juiza Ivanilda Varela, pelos crimes de "prevaricação de magistrado" e "inserção de falsidades em processos".

A defesa de Oliveira aproveitou o mesmo requerimento para, reforçando a ideia de impedimento legal da juiza Ivanilda Varela, referir à sua detenção ilegal, por ordem dessa magistrada judicial, facto que, inclusive, sublinhou a defesa, mereceu reparo público da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, que, segundo reza a lei, deve ser previamente comunicada da detenção de qualquer advogado.

Reacções do MP e da acusação

O representante do MP disse que os argumentos da defesa não se sobrepõem às leis da república e às instituições da República, isto é, que a detenção de Amadeu Oliveira aconteceu porque faltou ao julgamento anterior e poderia voltar a faltar. Sobre os processos disciplinar e queixa-crime na PGR, afirmou não ter chegado ao seu conhecimento, de modo que não pode se pronunciar, até que o arguido apresente as provas do que diz.

Manuel Miranda, que representa o juiz conselheiro Benfeito Mosso Ramos, entende que todos esses argumentos apresentados pela defesa, são "manobras dilatórias" para inviabilizar este julgamento e desafiar o sistema judicial, mesma ideia defendida pelo advogado de Fátima Coronel e do STJ, para quem se na Casa Parlamentar um debate pode ser ganho com repetição de frases "até à exaustão", mas "na Casa do Direito, os Tribunais, não se aceita", referindo-se ao facto de Amadeu Oliveira, recorrentemente, usar das mesmas frases e expressões depreciativas para caracterizar os juizes do STJ.

A juiza Ivanilda Varela, agora aparentemente um pouco mais nervosa, negou outra vez a pedir escusa, porque, disse, não existe nenhum processo de averiguação no CSMJ por "manipulação de provas", como denunciou a advogada de Amadeu Cruz, nem tãopouco uma queixa-crime contra ela a correr seus trâmites na PGR. Acontece que os dois processos existem sim e Santiago Magazine está na sua posse.

Aliás, a defesa de AO não só ajuntou aos autos cópias da notícia e da posição da OACV, como arrolou como tetemunhas o presidente do CSMJ, Bernardino Delgado, o juiz-presidente do Tribunal da Comarca de Santa Cruz, Anilson Silva, e Santiago Magazine.

Por indeferir este último requerimento, a defesa iria preparar novo protesto, mas a sessão, devido a adiantado da hora, foi suspensa para ser retomada esta terça-feira, às 8h30. E porque continua o impasse sobre a legalidade da juiza indicada ser ou não competente para conduzir o processo, Amadeu Oliveira foi mantido detido até que se ultrapasse essa questão e aí então poder-se-á dar início ao julgamento propriamente dito ou outra solução alternativa que se vier a adoptar.

Arlindo Teixeira como pano de fundo

Ainda antes de o julgamento iniciar, Santiago Magazine conseguiu falar com Amadeu Oliveira, que minimizou o seu processo alegando que o que está em jogo é uma nova condenação de Arlindo Teixeira, o emigrante que depois de condenado a onze anos de cadeia, baixado entretanto pelo STJ para nove, acabaria por ser solto por ordem do Tribunal Constitucional por admitir que o mesmo teria agido em legítima defesa.

É que, segundo diz Oliveira, "o sistema preparou tudo para o condenar. Marcaram o julgamento do Arlindo para o dia 25, dia em que estarei a ser julgado. Ora, a única pessoa que conhece o seu dossier, que sabe de todas as folhas e falcatruas introduzidas sou eu. Portanto, eles não me querem a mim, querem é afastar-me da sua defesa para o poderem condenar novamente a nove anos de prisão, já que não estarei lá para o ajudar. É que não o podem absolver, porque senão como justificariam os 2 anos, oito meses e 26 dias que ele passou na cadeia? O objectivo é confirmar a sua condenação mesmo depois de o Tribunal Constitucional o libertar por reconhecer a sua inocência. É insana esta nossa Justiça", disse.

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SOBRE O AUTOR

Hermínio Silves

Jornalista, repórter, diretor de Santiago Magazine