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A violência urbana na cidade da Praia e a urgência de novos rumos   
Ponto de Vista

A violência urbana na cidade da Praia e a urgência de novos rumos  

O problema não é violência em si. O problema é como encarrar e abordar as questões subjacentes a esta violência na nossa comunicação social. Pode-se, muito bem, promover debates tendo como pano de fundo os acontecimentos relacionados com a violência urbana. Com certeza, sairão contributos valiosos para o entendimentos das mensagens por detrás desta violência e quais os seus efeitos no dia-a-dia da população e na construção de um “novo sentido coletivo” de se estar. Também, ajudaria na perceção de como engendrar a “nova” normalidade, após os danos colaterais que a vida dos citadinos sofreu com a exposição aos riscos e aos efeitos desta violência.

Há pouco mais de um ano, igual ao resto do Mundo, Cabo Verde enfrenta uma das maiores crises sanitária e social da sua história moderna. O responsável é a pandemia causada pela covid-19.

Tem sido um desafio enorme encontrar mecanismos de respostas satisfatórios para mitigar os efeitos nefastos desta doença. Por um lado, por conta da insuficiência de recursos e, por outro lado, por ser algo novo, portanto, desconhecido, que exige reajustes constantes. Por conseguinte, toda a esperança está nas vacinas… Até chegarmos a imunidade de grupo, a nível mundial, vamos todos fazer a parte que nos cabe, com compromisso e responsabilidade.

Todavia, uma outra crise tem dado cartas entre nós e constituído uma verdadeira “dor cabeça” às autoridades nacionais, não por falta de recursos e nem pela sua “novidade”. Referimo-nos à VIOLÊNCIA URBANA.

A literatura e as evidências históricas vêm confirmando que a violência tem acompanhado a humanidade (e os caboverdianos) desde sempre, sendo considerado, por muitos, como parte da condição humana. No entanto, algo inaceitável. E os motivos são mais do que óbvios.

Naturalmente, toda a forma de violência, pelos danos que acarreta, deve preocupar qualquer sociedade civilizada, onde se quer se impere a paz e a ordem. Contudo, o objeto do nosso interesse, por ora, e da nossa reflexão é a violência urbana, concretamente a que deriva da ação dos denominados grupos thugs na cidade da Praia. Interesse este despoletado, sobretudo, pelos últimos acontecimentos numa das zonas periféricas da Cidade, cujo vídeo viralizou nas redes sociais – uma verdadeira “batalha campal” entre supostos grupos rivais de uma mesma localidade.

Apesar dos discursos dos nossos governantes e das autoridades, responsáveis pela Segurança Pública, que aponta para um controlo deste tipo de violência na cidade da Praia, o que aconteceu nesse dia, e tem acontecido um pouco pelas diversas localidades da periferia, direciona-nos para um sentido contrário. A situação não está, em absoluto, sob controlo.

Infelizmente, não nos basta, apenas e simplesmente, o nosso firme desejo e nem o continuado discurso de que tudo vai bem, para nos vermos, efetivamente, livres desta preocupante onda de violência que, para o nosso desgosto, grassa na nossa Capital.

Reconhece-se, no entanto, o esforço e as medidas “estratégicas” empreendidas pelas nossas autoridades para pôr cobro à esta (quase) crónica situação de violência na cidade da Praia, protagonizada pelos denominados grupos thugs. Mas, a verdade é que os resultados não têm coincidido com o desejado - o esperado - e nem têm tido concordância com os discursos institucionais, de que a situação vai bem.

Pois, por mais localizada que seja essa violência, ela tem-se mostrado, cada vez mais, com mais espectacularidade, o que atemoriza qualquer um. E o alcance que estas ocorrências têm conseguido, por “culpa” do poder e da rapidez de disseminação das redes sociais, tem provocado um conjunto de agitação social, que não se consegue “domar” com estatísticas, por mais “simpáticas” que sejam.

Não fosse esta disseminação, por conta das redes sociais, as estatísticas e os discursos seriam o q.b. para tranquilizarem e baixarem no espírito dos citadinos o tão almejado sentimento de segurança. Aliás, fosse em outros tempos (não esta dos TICs), quando  não havia a internet, a medida estratégica de “banir” da pauta informativa das estações públicas da rádio e da televisão este tipo de acontecimento / notícia, teria servido perfeitamente os seus intentos. A visibilidade que se pretende coarctar a esses acontecimentos e, por consequência, tirar o protagonismo aos seus perpetradores, por um lado, e evitar o inflacionar destes fatos, o que, em tese, potencializaria o pânico generalizado, por outro lado, redundou sem efeito. A internet não o permitiu.

O que significa que se deve mudar e reajustar as estratégias. Não seria uma “vergonha nacional”. Pelo contrário, a acontecer, seria o bom senso e a sabedoria a prevalecerem e a falarem mais alto.

Ou seja, deve-se, sim, incluir na pauta informativa nacional o fenómeno da violência urbana, não só numa perspetiva “valor-notícia”, mas porque é necessário, fundamental e urgente debater, enquanto se fizer presente entre nós, este assunto que tem sequestrado, pelo medo e pelo terror que gera, a tão distinta e cobiçada morabeza deste país – desta cidade. É aceitável, até dir-se-ia razoável, que uma ou outra pessoa, uma ou outra entidade discorde desta abordagem. O que não seria sábia.

Continuar nesta abordagem é, e tem mostrado, contraproducente. Se as estações públicas da rádio e da televisão não a incluir na sua pauta informativa, a “estação do público” e democrática – as redes sociais – fará este serviço, com as consequências negativas que daí resultam. Pois, nas redes sociais não há o “filtro jornalístico”.

O problema não é violência em si. O problema é como encarrar e abordar as questões subjacentes a esta violência na nossa comunicação social. Pode-se, muito bem, promover debates tendo como pano de fundo os acontecimentos relacionados com a violência urbana. Com certeza, sairão contributos valiosos para o entendimentos das mensagens por detrás desta violência e quais os seus efeitos no dia-a-dia da população e na construção de um “novo sentido coletivo” de se estar. Também, ajudaria na perceção de como engendrar a “nova” normalidade, após os danos colaterais que a vida dos citadinos sofreu com a exposição aos riscos e aos efeitos desta violência.

Fora este aspeto importante, não nos devemos esquecer que estamos a combater um problema, cuja eficácia não se compadece com ações meramente reativas e nem com medidas paliativas e / ou emergenciais. No caso concreto do fenómeno da violência urbana, qualquer intervenção, para que tenha eficácia e seja efetiva, deverá ser “pensada” e integrada num âmbito preventivo. Contudo, nunca limitado aos momentos de maiores piques ou, apenas, para prevenir “o problema”, o que seria uma visão redutora “tratar” o fenómeno.

A intervenção deverá, quanto menos, partir da perspetiva de que, igual a muitos outros comportamentos, esta modalidade de violência acontece pela concorrência e convergência de vários fatores de risco, que comportam aspetos individuais, familiares e sociais. O mesmo é dizer que as respostas à esta problemática devem incidir, sobretudo, sobre a redução do impacto destes fatores de risco ou a redução do impacto negativo da sua exposição.

Deve-se, entretanto, reconhecer que muitos destes riscos são extremamente difíceis, e mesmo impossível de sanar, pelo que é fundamental promover os fatores de proteção, que passa, essencialmente, pela melhoria das condições sociais da população que vive excluída e à margem das oportunidades.

Em suma, é preciso, é urgente, enfrentar a realidade de frente. É preciso, é urgente, restituir aos cidadãos a confiança nas autoridades. É preciso, é urgente, resgatar o sentimento de segurança, a paz social e a tranquilidade individual. E cabe ao Estado fazê-lo. Tem legitimidade, é Dele a responsabilidade maior, resultado do “contrato social”. O perpetuar desta violência é inaceitável, pelo que deve e pode ser evitada, com políticas e estratégias acertadas.

*Licenciado em Criminologia e Segurança Pública

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