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Joana D'Arc – Terceira parte
Cultura

Joana D'Arc – Terceira parte

XVI CENA

JOANA – Que tal o novo exército que foi organizado na cidade de Blois?

ALENÇON – Não é um bom exército. Os homens são preguiçosos, jogam e bebem em demasia. Os oficiais sentem-se incapazes de fazer deles bons soldados: não sabem impor-se. Ouvi dizer que esse exército vos será entregue e, que com ele ireis a Orleães. E eu irei convosco, Joana.

JOANA – Quando será isso?

ALENÇON – Quando o delfim o decidir.

JOANA – Desejaria ir já. Esta demora impacienta-me. Meu Deus! Porque se mostra o delfim tão cauteloso?!

ALENÇON – Ele dá a Trémouille o direito de decidir tudo.

JOANA – Trémouille não passa de um velho peralvilho.

ALENÇON – Tenho receio de que seja mais perigoso que um peralvilho.

JOANA – Que quer dizer? Julga-o um traidor?

ALENÇON – Uma certeza não tenho, mas sei que tem amigos entre os traidores. Penso que mantém correspondência com o nosso inimigo, o duque de Borgonha. Não me parece digno de confiança.

JOANA – É necessário que eu parta. O delfim tem de autorizar.

ALENÇON – Se os ingleses tomarem Orleães, marcharão logo sobre Tours, e, é preciso que não aprisionem o nobre príncipe.

DELFIM (entra e dirige-se para Joana) – Pois bem, vai a Blois onde o novo exército está em formação, prepara-o e segue para Orleães. Dunois, o comandante de Orleães, é meu primo e um experimentado homem de armas. Dir-lhe-ás que tu e Alençon comandarão o novo exército.

JOANA – Partimos imediatamente. (Entram Bertrand e Metz) aprontem-se. Vamos partir!… (Alguém bate à porta, ela vai abrir) João! Pedro! (Abraça-os) Que surpresa maravilhosa! Mas que fazem vocês em Tours?

JOÃO – Viemos procurar-te, mana.

PEDRO – Queremos ser soldados e combater contigo pela nossa França.

JOANA – Chegaram a tempo. Vamos partir para Blois e vocês poderão vir também. (Ajoelha-se e reza com devoção. Levanta-se depois, eleva as mãos para o Céu) «Cidadãos e padres de Tours, rezem com devoção e ofereçam a Deus as vossas orações».

Todos se ajoelham e oram por Deus.

XVII CENA

Joana discursa perante o exército.

JOANA – Com a ajuda de Deus, seremos fortes e venceremos o inimigo. Mas, para termos essa ajuda, precisamos, primeiro, merecê-la. Por isso, de hoje para o futuro, acabaram-se os jogos e a embriaguez, neste exército. Também não quero mais blasfémias, nem insultos. Entre nós, haverá sacerdotes que nos guiarão, e, todos os dias, se celebrarão cerimónias religiosas. Confessai os vossos pecados e orai. (Abre um grande mapa) Senhores oficiais, vamos estudar um pouco o mapa da cidade de Orleães e as respetivas fortificações.

Os oficiais sentam-se a volta do mapa.

ALEÇON – A cidade está cercada de altas muralhas e há quatro portas de acesso. O capitão Dunois conseguiu defender uma dessas portas, a única ainda em nosso poder. Todas as outras estão nas mãos do inimigo.

JOANA – E os borgonheses onde estão?

ALEÇON – Ocupam pequenos fortes que circundam a cidade e dominam a única ponte sobre o rio; alguns ingleses estão também nesses postos e outros na grande fortaleza de Tourelles.

JOANA – Então, se há só uma ponte, que está em poder dos inimigos, como vamos chegar a Orleães, a outra margem do rio?

ALEÇON – Limitei-me a obedecer às instruções enviadas pelo capitão Dunois ao delfim: indicava-nos este caminho como sendo o melhor e prometia-nos encontrar-se, aqui, connosco.

Enquanto estão a estudar o mapa, chega um homem alto, moreno, de aspeto severo. Mal vestido e cheio de lama, com um sorriso acolhedor. A Joana levanta e dirige-se a ele.

JOANA – Sois o capitão Dunois?

DUNOIS – Sou. Sou Dunois e sinto-me contente com a vossa chegada.

JOANA (abrutamente) – Porque nos aconselhastes a que viéssemos para Orleães pela estrada de Sul?

DUNOIS (muito sereno) – Porque achei que era um bom conselho.

JOANA – Pois, eu acho-o péssimo. Ou talvez penseis que o meu exército vai atravessar o Loire a nado, para entrar em Orleães!

DUNOIS – Não, menina. As nossas tropas e provisões serão transportadas, em barcos, para o outro lado.

JOANA – Barcos? Mas não vejo nenhum!

DUNOIS – Não, porque o vento tem soprado violentamente todo o dia em Direção contrária, de forma que as velas de nada serviriam; mas, espero em Deus que amanhã o vento terá mudado, e então seguiremos todos e desembarcaremos perto de Orleães.

JOANA – Mas, senhor, o vento sopra justamente na Direção desejada!

DUNOIS (observa um pouco) – É verdade! Confesso que isto me surpreende. Ainda agora, quando atravessei o rio, o vento soprava na Direção oposta. Vou chamar os barqueiros, mas, antes, quero conduzi-la a um lugar seguro, onde poderá passar a noite descansada.

JOANA – Prefiro ficar com os meus homens, senhor.

ALEÇON – Vá com o capitão Dunois. Eu ficarei com eles.

DUNOIS – Amanhã à noite conduzi-la-ei a Orleães. O povo espera-a, ansiosamente, e prepara-lhe uma receção.

Partem-se.

XVIII CENA

DUNOIS – Joana, agora temos que equipar os seus soldados para a batalha. Há, aqui em Orleães, muitos canhões, alguns até bastante pesados, que atiram enormes pedras com cerca de cinquenta quilos. A batalha que vamos travar será mais um combate corpo a corpo e os soldados precisam, portanto, de lanças, espadas, punhais, bestas, flechas, setas, fundas e escudos grandes, e também escadas para escalar as muralhas das cidades e dos fortes.

JOANA – Capitão, escrevei, em meu nome, uma carta ao duque de Bedford, regente da Inglaterra, que suponho esteja no forte de Tourelles. Mas, se acaso não estiver lá, o capitão do forte encarregar-se-á de lha fazer chegar às mãos. Quero que lhe digais que fui escolhida pelo Rei dos Céus para libertar Orleães, e, por isso, lhe imploro que se retire, com os seus exércitos, para Inglaterra, ou ver-me-ei na contingência de os aniquilar.

Dunois escreve a carta e Joana assina. De seguida ele chama Metz e entrega-lha.

DUNOIS – Sodado Metz, levai-a a Tourelles e peça uma resposta.

O solado sai.

XIX CENA

ALEÇON – A batalha de Saint-Loup foi formidável. Joana é uma valente incomparável. Graças a ela, nesta última semana atravessamos o Loire e tomamos mais dois fortes na margem sul.

DUNOIS – Estamos contentes, muito bem, mas não nos consideremos salvos enquanto Tourelles se conservar em poder dos Ingleses.

METZ – Quando eu fui lá levar a carta, ficaram a caçoar, a chamar Joana de atrevida, guardadora de vacas, bruxa… e coisas mais.

DUNOIS – Precisamos de ocupar a ponte mas, como isso é uma operação árdua devemos esperar que as tropas se refaçam e se animem, para que possamos marchar sobre Tourelles, com confiança.

JOANA (levanta-se como que movida por uma mola) – Não, Dunois, a ponte tem de ser ocupada imediatamente.

ALENÇON – Nós não concordámos.

DUNOIS – Seria uma temeridade inútil.

ALENÇON – Era melhor esperarmos.

JOANA (decidida) – Os cobardes que esperem, os outros sigam-me. (Olha para Dunois) Capitão, vem comigo?

DUNOIS (embaraçado) – Vou. Confio em vós.

JOANA – Capitães, a batalha será feroz.

DUNOIS – Parte da ponte ao norte de Loire, que liga a fortaleza à cidade está destruída. Temos de reparar a ponte de modo a poder atacar Tourelles do lado de Orleães.

JOANA – Não podemos perder mais tempo. Atravessaremos o rio e atacaremos do lado sul.

DUNOIS – Mas os ingleses fortificaram também o extremo sul da ponte. Cavaram um profundo fosso e, para além desse fosso, ergueram uma alta muralha que tem o rio por detrás. Para atacar Tourelles teríamos primeiro de atravessar o fosso, galgar as muralhas e passar uma ponte levadiça.

JOANA – Porque não?

ALENÇON – Pensa ainda que seremos capazes de ganhar uma tal batalha?

JOANA – É a vontade de Deus, capitão.

DUNOIS – Pois seja feita a Sua vontade.

XX CENA

Joana ferida, deitada na relva, rodeada por Metz, Bertrand e os irmãos.

DUNOIS (limpa o suor da testa) – Fiz muito mal. Nunca deveria ter consentido nesta loucura. Era impossível vencer!

Joana está num canto, a ser tratada, João chega com um frasco de azeite e unto.

JOÃO – Apliquem-lhe este azeite e este unto na ferida.

JOÃO DE METZ – Envolvam-na nestas ligaduras.

BERTRAND (chega-lhe, aos lábios, um frasco com uma bebida) – Isto faz com que ela se reanime num instante.

PEDRO – Ela já está a mexer-se.

JOANA (com a voz débil) – Ide. Deixai-me aqui e voltai para o vosso posto. A luta continua.

Joana fica sozinha. Pouco depois ela levanta e segue-se. Encontra com Dunois.

DUNOIS – Como vos sentis, Joana?

JOANA – Melhor. Não receie por mim. Então, ainda não ganhamos a batalha?

DUNOIS – Não venceremos. Quando ficaste ferida, os nossos homens desanimaram e o seu espírito combativo esmoreceu. Mandei agora mesmo chamar um clarim para dar o sinal de retirada.

JOANA – Retirada? Oh, não! Isso não pode ser. Suspenda essa ordem! (Sai a correr como se não tivesse sido ferida, vai ao encontro de Alençon) Alençon, Alençon! A minha bandeira! Dê-me a minha bandeira! Soldados, segui-me! Todos os homens à muralha! Atacai! A vitória será nossa.

E todos seguem-na cheios de entusiasmos.

XXI CENA

METZ (levanta o braço numa saudação) – «Capitão» Joana, trago-vos a resposta da carta que mandastes ao delfim.

JOANA (olha para a carta) – É uma letra bonita, mas eu não sei ler.

ALENÇON (Alençon pega na missiva, lê e explica) – O delfim agradece-lhe a vitória de Orleães e chama-lhe o mais valente dos seus comandantes.

JOANA – E que diz acerca da ida a Reims para ser coroado?

ALENÇON – Nem sequer fala nisso!

JOANA – Pois é preciso que se decida. Irei a Tours.

XXII CENA

Ao aproximarem-se da Tours, vêm-se do outro lado o delfim e o Trèmouille.

JOANA – Oh, o delfim veio esperar-nos! Como é gentil!

ALENÇON – Desengane-se. Deve ir à caça com o seu fidalgo. Repare como estão vestidos.

JOANA – Não pode ir à caça antes de eu lhe falar. (Vai em direção ao delfim, que lhe estende a mão) Agora, nobre senhor, falemos da vossa coroação.

O sorriso do delfim desaparece e, numa tela, vê-se um vídeo com Trémouille frente a frente com o delfim. É a imaginação do Delfim.

TRÉMOUILLE [V. O.] – «Joana d’Arc venceu uma batalha importante mas não ganhou ainda a guerra. Lembrai-vos de que não passa de uma pobre rapariga do campo. Não confies demasiado nela, pois nada mais poderá fazer por vós. Será muito melhor que me escuteis a mim. A propósito, acabo de receber notícias do duque de Borgonha. Começa a compreender o erro que cometeu, tomando o partido dos Ingleses. Julgo que, se tivermos paciência de esperar mais um pouco, em breve conseguiremos vê-lo do nosso lado e então os nossos inimigos serão completamente derrotados sem precisarmos dessa visionária».

Fim do vídeo.

DELFIM – Estou informado de que o exército inglês é hoje muito mais forte do que era há um mês!

JOANA – É, de facto. Mas o exército francês aumenta de dia para dia.

DELFIM – A jornada para Reims é comprida, Joana…

JOANA – Não, meu senhor, a vós não vos deve parecer comprida, pois só em Reims podereis ser sagrado e coroado rei.

DELFIM – Eu ia à caça… (olha para Trémouille, coça a cabeça e responde irritado) Está bem, irei a Reins para ser coroado, mas não agora.

JOANA – Então quando, sire?

DELFIM – Quando mais algumas cidades entre Orleães e Reims passarem para as nossas mãos: Jargeau, Meung e Beaugency, que estão ainda em poder dos Ingleses, e, então, far-se-á a tua vontade. Irei a Reims, para ser coroado.

JOANA – As vossas ordens serão cumpridas.

Retira-se com os companheiros.

XXIII CENA

DUNOIS – Paris será o nosso próximo alvo. Expulsemos os borgonheses da capital.

ALENÇON – Não temos tempo a perder. Podemos avançar já, sobre a grande cidade.

JOANA – Sei que é preciso expulsar o inimigo de Paris, mas, antes, o delfim deve ser sagrado e coroado em Reims. O povo francês quer e precisa dum rei. Escoltemos, pois, o delfim, de Tours a Reims.

DUNOIS – Se assim o quereis, assim se fará.

XXIV CENA

Tudo apostos para a cerimónia de coroação do rei. Joana olha para a multidão, desce e vai cumprimentar algumas pessoas. Surpreende-se ao ver que o pai e o primo estão entre os presentes.

JOANA – Oh, meu pai! (Salta-lhe ao pescoço e abraça-o. Depois volta para o primo) Oh, meu primo! (Abraça-o também com muita ternura) Se soubesse, pai, como todos os dias penso em si!… Perdoa-me a minha desobediência?

JACQUES (beijando-a com ternura) – Há muito que te perdoei, minha filha.

JOANA – E a mãe? Ainda gosta de mim?

JACQUES – Gosta de ti e sente-se orgulhosa de ter-te por filha. Pediu-me que te abençoasse.

DURAND – Nunca tens medo? Nunca tens medo de nada?

JOANA – Receio apenas os traidores, primo Durand. (Fica calada um pouco) Mas estou demasiado ocupada para poder pensar neles.

Joana cumprimenta toda a gente, depois sobe à tribuna onde se encontra o delfim. O delfim põe-se de joelho perante um arcebispo que o unge com a água benta e coloca-lhe na cabeça a coroa real.

ARCEBISPO – Caros cidadãos franceses, em representação da divina graça, acabo de investir ao cargo mais elevado do poder temporal, Sua Majestade o rei da França, que a partir de agora passa a chamar-se Carlos VII. Amem.

Palmas.

ALENÇON – Sua Excia. Senhor Majestade, Reverendíssimo Arcebispo de Reims, caros franceses e patriotas, acabamos de celebrar um momento especial para a França e para todos os franceses. Mas, não podemos esquecer, nunca, que assim como o Rei é ungido nesta cerimónia, é necessário, também, reconhecer o mérito e o grande contributo de uma donzela, que de uma valentia inigualável, tudo fez para que este momento se concretizasse. (Todos batem palmas e gritam [JOANA, JOANA, JOANA…]) Ora, para terminar, resta-me desejar ao nosso Rei, Carlos VII, os votos de um reinado brilhante.

Palmas, seguidas de altos gritos [REI DE FRANÇA… CARLOS VII, REI DE FRANÇA… CARLOS VII…].

REI – Caros concidadãos, é verdade que hoje é um dia importante para a França, nosso país querido. Mas também, não é menos verdade, que esse dia, tão importante é, como tão importante são duas pessoas, dois arquitetos deste empreendimento. (O discurso é interrompido pelas palmas e altos brados [SENHOR REI… JOANA D’ARC; SENHOR REI… JOANA D’ARC; SENHOR REI… JOANA D’ARC…] O rei continua) Não… não, meus conterrâneos. Entre estas duas pessoas, eu não me incluo… (toda a gente fica estarrecida, a olhar por todos os lados, tentando adivinhar quem seja) Pois, seria injusto, não destacar o nome do meu conselheiro, que tudo fez para me manter esclarecido sobre toda a situação que o país atravessava. Este conselheiro, entre muitos, também dignos de reconhecimento, é o duque de Trémouille… (poucas palmas se ouvem) e, o outro reconhecimento, como não podia deixar de ser, vai para a jovem…

O público não o deixa concluir. [JOANA, JOANA, JOANA, JOANA…] o Rei sorri e não diz mais nada.

JOANA – Que Deus abençoe o nosso Rei… (palmas fortes) que Deus abençoe cada um dos franceses… (palmas) que Deus abençoe a França… (palmas) e que perdoe todos aqueles que não sabem o que fazem. Caros franceses, muito obrigada pela vossa gentileza, muito obrigada senhor Rei, muito obrigada meu pai, muito abrigada minha mãe, obrigada meus irmãos, obrigada meus familiares e, muito, muito, muito obrigada meu Deus, Santa Margarida, Santa Catarina e o Arcanjo São Miguel. Pois, todos os louvores que me fazem, são a eles que eu remeterei. Eu apenas servi de plataforma para executar as suas vontades. Amem. (Palmas) Mas, antes de terminar, Sua Majestade, concedeis-me uma graça? (Olha para o Rei) Sim?!

REI – Que quereis de mim, Joana? Bem sabeis que nada vos recusarei.

JOANA – Nobre príncipe, o povo da minha aldeia é muito pobre. Queria que o isentásseis do pagamento dos impostos, este ano.

Palmas.

REI – Este e todos os mais. De hoje para o futuro, os habitantes de Domrémy ficam livres de qualquer imposto.

Palmas e gritos.

JOANA – Obrigada.

TRÉMOUILLE – Senhor rei, vou tentar ser breve, porque eu não sou lá, muito dos discursos. Só queria agradecer-lhe pelo reconhecimento dos meus préstimos e, para afirmar que estive e estarei sempre às suas ordens. Faço votos que não se esqueça da nossa última conversa: França é muito religiosa, para que o próprio rei se venha a dar crédito à bruxaria e mendicidade. França é um país de nobres, e de espíritos elevados, que não pedem contrapartida pelo que fazem à nação. Muito obrigado.

Apenas o rei bate palmas.

 

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Redação