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Morte de bebés no HBS. E as mães? Quem paga as suas perdas?
Sociedade

Morte de bebés no HBS. E as mães? Quem paga as suas perdas?

Únicas a registar baixas na tragédia que abateu sobre o Hospital Baptista de Sousa, em São Vicente, as mães dos sete recém-nascidos falecidos, supostamente, por uma infecção generalizada, sofrem a duras penas pelo sucedido: primeiro a perda de um filho, um trauma difícil de digerir; depois, o sentimento de culpa, já que o relatório de inquérito chamou atenção para a sua gravidez de risco. Especialistas defendem que o Estado deve não só indemnizá-las como responsabilizar-se pelo seu acompanhamento psicológico imediato, a fim de evitar que entrem em depressão pós-parto, essa linha ténue entre a vida e o colapso.

A Psicóloga Perinatal, Rosana Carvalho, defende que as mães e os familiares dos sete recém-nascidos no Hospital Dr. Baptista de Sousa (HBS), em São Vicente, carecem de acompanhamento psicológico o quanto antes.

Em entrevista ao Santiago Magazine, Rosana Carvalho começou por afirmar que a morte em si é bastante delicada e que qualquer perda engloba vários factores. “Tratando-se já da mãe, que vivenciou todo o período da gestação e ainda do parto, sonhando, idealizando e dando à luz a uma criança, a chegada do bebé era um momento bastante esperado e com grandes expectativas”, explicou esta especialista, para quem, aquelas mães de São Vicente estarão profundamente afectadas psicologicamente, por verem o seu sonho desaparecer repentinamente e tendo que lidar com a frustração e com uma dor imensa e de uma forma brusca.

Uma perda gera pensamentos, sentimentos hostis e disfunções emocionais na mãe, que reflecte directamente no comportamento dela e na relação desta consigo mesma e com os demais. A perda impacta o emocional e a auto-estima da mãe”, explicou.

Segundo disse, toda a mulher grávida e após o parto vivencia esse medo em qualquer período da sua gravidez e do pós-parto. Quando tal acontece, elucida Rosana Carvalho, ela se culpabiliza pelo sucedido, mas se for uma mulher que já teve várias tentativas de engravidar e com sucessivos insucessos esse momento é ainda de maior impacto. “A morte perinatal é a morte de um sonho”, enfatiza.

A psicóloga nota ainda que, além da mãe e do pai, a família também sofre com a perda, desde consequências com os gastos económicos, como por exemplo despesas com o funeral e a investigação da causa da morte do bebé. Acentua a especialista que o sofrimento mais crítico está relacionado com o psicológico, o emocional destas famílias, sendo a tristeza, ansiedade e o medo vivenciado.

Questionada se o facto de haver vários casos no mesmo período tem mais impacto, Rosana Carvalho respondeu que “sim, obviamente”, afirmando acreditar que esses casos de morte neonatal em São Vicente impactaram não só em Cabo Verde como também a nível internacional.

A perda de um filho é irreparável, impagável, sem preço. Emocionalmente, essas senhoras estão arrasadas, abaladas, podem entrar numa espiral que gira ao contrário levando a soluções e ideias trágicas”, observa, por sua vez, um outro psicólogo que prefere não se identificar, alegando proximidade com os envolvidos.

Por isso defendeu acompanhamento psicológico às mães, destacando que se tratando do luto perinatal é necessário que seja um psicólogo especialista na área Perinatal a trabalhar com esse facto.

Cabo Verde hoje conta com três psicólogos especializados na área Perinatal, mas apenas um se encontra a serviço do Ministério de Saúde para todo Cabo Verde. É algo que é preciso ser revisto pelo Governo, a contratação de mais psicólogos para responder à demanda e principalmente rever e priorizar as especialidades”, acrescenta Rosana Carvalho.

Nessa senda, há quem também defenda que o Governo deve assumir as despesas de tratamento psicológico dessas mães e inclusive indemnizá-las pela perda num caso de falha de cuidados de atendimento no Hospital Baptista de Sousa. “Repare, a causa identificada (sepse neonatal tardia) ocorre após o parto, logo a responsabilidade deixou de ser da gestante para passar ao Hospital onde aconteceu o parto. Isto significa que elas não podem ser acusadas pelas mortes havidas, razão pela qual elas podem muito bem intentar uma acção contra o Estado por danos morais, já que foram acusadas por uma situação que lhes é alheia”, pontua um jurista, reforçando que o Estado deve assumir as suas responsabilidades e encarar o quadro psíquico dessas mães devido à sua perda como um caso de preocupação e de amparo imediato.

Sentimento de culpa dos profissionais de Saúde

“Os profissionais de saúde que estavam à frente e no momento também vivenciam esse sentimento, porque simboliza o fracasso profissional e, muitas vezes, diante a tanta dor e tristeza da mãe e dos familiares, esses sentem-se despreparados para lidar com a situação, e existe estudos internacionais que confirmam esses sentimentos por parte de profissionais de saúde. E acredito que assim como a mãe, os familiares, esses profissionais de saúde também carecem de acompanhamento psicológico, uma vez tratando de vários casos e da imagem que ficará do local e desses profissionais”, defendeu.

Instada a comentar se a estrutura nacional de Saúde está em condições de preparar as mães para estas situações, Rosana Carvalho respondeu que o que se pode dizer é que são necessários estudos e dados que possam confirmar ou refutar tal questão.

“E em Cabo Verde no que tange a questão à volta da perinatalidade não há dados nem estudos nacionais, embora se tem estado a fazer esforços para melhorar os serviços na área da saúde, obviamente requer melhorias.  E para mim é urgente essa melhoria porque sem saúde mental não existe saúde, e defendo muito a ideologia do médico obstetra francês Michel Odent em ‘o Parto Humanizado’ e como ele mesmo diz ‘mudar o mundo é preciso primeiro mudar a forma de nascer’, e para mudar cabo verde é necessário mudar e melhorar as assistências oferecidas às mulheres desde o período da gestação até o pós parto”, concluiu.  

 

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