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Alienação do navio da maior apreensão de cocaína envolta em polémica. Empresa concorrente pede impugnação por "tráfico de influência e irregularidades graves"
Economia

Alienação do navio da maior apreensão de cocaína envolta em polémica. Empresa concorrente pede impugnação por "tráfico de influência e irregularidades graves"

Há suspeitas de tráfico de influência e outras ilegalidades na venda do navio ESER, apreendido pelas autoridades judiciais ano passado na maior operação de tráfico de droga (10 toneladas de cocaína no porto da Praia), e arrematado pelo emigrante nos EUA, Damião Barros, no início deste mês por 78 mil contos. A D'Regina Investment, que desde há cinco meses vinha tentando fretar a embarcação, impugnou o negócio alegando que os prazos estabelecidos para a apresentação das propostas não cumpriram os preceitos legais, pelo que se considera "preterida propositadamente".

Em carta de recurso endereçada esta semana ao vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, a D'Regina Investment, propriedade de um grupo cabo-verdiano ligado ao sector, não só contesta os resultados do concurso de alienação do navio ESER, como pede a impugnação imediatada do acto por "graves irregularidades e ilegalidades" - a Provedoria da Justiça também já está ao corrente.

Na missiva, a que Santiago Magazine teve acesso e que sucede a uma outra enviada semana antes à Direcção Geral do Património do Estado e Contratação Pública, porém, sem efeito, o grupo relata que há mais de cinco meses enviou "via e-mails, uma carta aberta e outros documentos, aos Ministro das Finanças e Director Geral do Património e de Contratação Pública, para Fretamento do N/M do Navio Porta-Contentores ESER".

Em vez de analisar a proposta, continua o documento, "a Direção Geral do Património e de Contratação Pública (DGPCP) decidiu abrir o concurso público mediante proposta em carta fechada para alienação deste navio". O problema, contam, éque "a publicidade para a alienação do Navio Porta-Contentores ESER foi feita, sobretudo via Rádio Nacional de Cabo Verde (RNCV) e publicado no facebook, somente no dia 22 de Dezembro de 2020, às 17h11 e o Edital sobre o anuncio desse concurso foi afixado apenas no Ministério das Finanças".

Mais denunciam que "o Presidente do Conselho de Administração e representante legal desta Empresa teve conhecimento sobre concurso no dia da sua publicação no facebook, ou seja, no dia 22 de dezembro de 2020 e foi informado, verbalmente, que o prazo-limite para apresentação de candidatura termina no dia 04 de janeiro de 2021, violando o legalmente estabelecido na legislação cabo-verdiana sobre os procedimentos para alienação de bens móveis do património do Estado, sobretudo no concernente a publicidade e a concorrência"

Assim sendo, advogam que o não cumprimento por parte da Direção Geral do Património e de Contratação Pública (DGPCP) sobre os procedimentos para alienação do Navio Porta-Contentores ESER, "nomeadamente sobre publicidade e concorrência", ficou evidente que não se garantiu igualdade de oportunidades entre os interessados, a Empresa “D´Regina Investiment”, foi preterida e, sendo assim, impossibilitada de apresentar a sua candidatura no prazo estabelecido.

Isto porque no edital para alienação do Navio Porta-Contentores ESER não constam a data do término do concurso e a assinatura do Diretor Geral do Património e da Contração Pública. A agravar o caso, lê-se na carta, "no dia 12 de janeiro de 2021, o Presidente do Conselho de Administração da “D´Regina Investiment” deu entrada, Direção Geral do Património e de Contratação Pública (DGPCP), o pedido de impugnação do resultado de alienação do Navio Porta-Contentores ESER e, no dia 14 do mês em referência, o pedido para se considerar os documentos comprovativos sobre o pedido de impugnação em questão".

"Até a presente data, a DGPCP, apesar de ter violado o legalmente estabelecido na legislação cabo-verdiana sobre os procedimentos para alienação de bens móveis do património do Estado, não deu o provimento ao pedido de impugnação do resultado de alienação do Navio Porta-Contentores ESER". continua o documento da D'Regina investment, que diz ter sido a única emporesa a cumprir com a sua presença na visita agendada ao navio (condição primeira) e também de ser a única a apresentar, por isso, o relatório da visita, a inventariação do navio e o parecer técnico exigidos.

"No dia vinte e nove de dezembro de dois mil e vinte pelas 10:00 am, a comissão de gestão chegou no cais número dois onde acosta o n/m “ESER”. A D´REGINA INVESTIMENT, foi a única e singular empresa que assistiu a visita, acompanhado dos senhores Paulo Monteiro, Ivandra Benchimol (comissão de gestão do n/m “ESER”) ambos da DGPE - CP e os Senhores João Elias Araújo (responsável do cais da Praia e João Barros Júnior, Capitão de rebocador “Praia Maria” ainda que identificado como responsável pela segurança do navio “ESER” no cais. Concedeu-se uma tolerância minutos de trinta (aconselhado pelo representante da empresa D´REGINA INVESTIMENT) aguardando para outros candidatos ao concurso de visita que não compareceram", diz a carta endereçada a Olavo Correia.

Interesses obscuros

Ora, a D'Regina Investment, que também queria adquirir a embarcação, nota que os artigos 12º e 55º da Portaria n.º 61/98, de 2 de novembro, estabelecem que, "para alienação dos bens móveis do Património do Estado, devem ser respeitados os princípios de publicidade e concorrência, o que não se verificou com o Navio Porta-Contentores ESER. De acordo com o n.º1 do art. 12º da Portaria supra estabelece que a alienação dos bens móveis do património do Estado é sempre feita mediante publicidade e concorrência, visando obter melhores condições económicas para o tesouro e garantir a igualdade de oportunidade aos interessados, sob pena de responsabilização disciplinar e financeira do dirigente que submeter proposta em sentido contrário para efeitos de autorização".

Por isso, alegam que as autoridades não respeitaram os prazos legais, apenas para permitir que outro concorrente vencesse, no caso o emigrante Damião Barros, que arrematou o navio por 78 mil contos. Montante que a D'Regina Investment acredita não ter entrado nos cofres do Tesouro dado os prazos estabelecidos. De facto, um dos pontos dos cadernos de encargos define que "o adjudicatário ou seu representante ao acto, deve entregar como sinal, no acto 10% do mesmo preço para despesas de publicidade e de venda, devendo o remanescente os 75% ser liquidado no prazo máximo de 10 dias a contar da data da notificação da homologação da ata respetiva, sob pena de perda do sinal, nos termos da alínea a) do n.º 2 do art.° 13.° da Portaria n.º 61/98, de 2 de novembro, que regulamenta o processo de alienação dos bens móveis, semoventes, e imóveis que integram o património do Estado". 

Há mais: "Nesse concurso a afixação de edital é obrigatória, deveria ter sido feita com antecedência mínima de 10 dias, conforme o estipulado no n.º 3 do art. 12º do Diploma em referência, contrariando assim o procedimento seguido para a realização do concurso em menção, visto que, o anúncio foi afixado apenas no facebook do Ministério de Finanças/DGPCP, no dia 22 de Dezembro de 2020, às 17h11 e, nesse mesmo dia, na parte exterior desse Ministério. Uma via do edital desse concurso deveria ser colocada na porta principal do Ministério das Finanças e outra via deveria ser remetida para afixação na porta da Câmara Municipal da Praia, por ser a área onde estão o Navio objecto de alienação e o Serviço afectarário (n.º 3 do art. 12º, Portaria n.º 61/98, de 2 de Novembro). Contrariando o estipulado no n.º4 do art. 12º do Diploma em referência, para a alienação desse navio, não foram difundidos ou publicitados os anúncios em dois números seguidos de um dos jornais de maior circulação da localidade da situação de bens ou de âmbito nacional", pontua o documento, que sugere ter havido irregularidades graves, ilegalidades e tráfico de influência nesse negócio, o que leva a empresa D'Regina a acreditar que "houve propósito claro" para a afastar, "em detrimento de interesses por esclarecer", como confessou um dos promotores a este jornal.

O grupo cabo-verdiano denuncia ainda que "não constam do edital do concurso para alienação desse navio, nem a assinatura do Diretor Geral do Património e de Contratação Pública, ficando patente que não foram cumpridos as als. e) e f) do art. 9º do Decreto-Legislativo 15/97, de 10 de novembro".

E assim, conclui o texto, "com base nas ilegalidades nos procedimentos para alienação Navio Porta-Contentores ESER, fazendo uso do direito da “D´Regina Investiment” e nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 4º e da al. c) do art. 6º do Decreto-Legislativo n.º16/97, de 10 de novembro, solicitou, à Direção Geral do Património e de Contratação Pública (DGPCP), a impugnação do resultado de alienação desse navio e, não foi dado provimento ao pedido. Te ndo como fundamento as ilegalidades do acto praticado pela DGPCP, apresenta-se o recurso hierárquico para a impugnação do resultado desse concurso, nos termos dos dispostos nas als. a), e c), n.º1 do art. 2º, no art. 3º, nos n.os1 e 2 do art. 4º, nos arts. 9º, no n.º do 11º e no art.13º. Face ao exposto, a empresa “D´Regina Investiment” apresenta o presente recurso para que se dê provimento ao pedido para impugnação do resultado desse concurso".

Santiago Magazine tentou ouvir o director geral do Património do Estado e Contrataçáo Pública, mas até à hora em que este texto estava a ser editado, não foi possível chegar à fala com João Tomar.

O navio ESER, recorde-se, foi surpreendido no porto da Praia no dia 31 de Janeiro de 2019 com 10 toneladas de cocaína a bordo, quando fez uma escala técnica obrigatória para reportar o falecimento de um dos 13 tripulantes russos. Foi a maior apreensão de estupefacientes em Cabo Verde, mas a operação foi toda ela monitorada pelo MAOC-CV que forneceu os dados da embarcação com bandeira do Panamá que saíra daquele país da América latona com destino a Marrocos.

Os 12 russos foram detidos, mas outro deles morreu na cadeia de são Martinho. Os onze restantes acabaram julgados e condenados a 10 e 12 anos de prisão e o ESER confiscado a favor do Estado, que viria a alienar a embarcação no início deste ano por 78 mil contos, a favor de Damião Barros, emigrante nos EUA, e representante de um grupo americano, mas que segundo a D' Regina Investment não apareceu na visita obrigatória, nem terá conseguido a tempo o financiamento bancário para efectivar o negócio, garante a empresa cabo-verdiana.

O ESER tem 99,29 metros de comprimento, 14 de largura e dispõe de um porão corrido com capacidade para transportar 194.000 cbf de carga seca a granel/contentores. Foi construído em 1984 na Alemanha com motor principal da marca MWM em
linha com 6 cilindros.

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