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RASTREIO DO CANCRO DA PRÓSTATA: UMA MISSÃO QUASE IMPOSSIVEL
Ponto de Vista

RASTREIO DO CANCRO DA PRÓSTATA: UMA MISSÃO QUASE IMPOSSIVEL

Esta odisseia pôs-me a refletir sobre até que ponto o nosso serviço publico de saúde quer realmente que homens com mais de 40 atendam aos apelos das autoridades e se dirijam aos centros de saúde para o rastreio do cancro da próstata? Qual é percentagem da população masculina cabo-verdiana que tem disponibilidade para deslocar 6 a 7 vezes ao centro de saúde e gastar perto de 3 mil escudos para algo que as próprias autoridades reconhecem como uma das principais causas de morte entre os homens em Cabo Verde, e que ainda carece de maior consciencialização e sensibilização junto do público-alvo? Ponho-me a pensar nos profissionais liberais, nos taxistas, hiacistas, trabalhadores da construção civil e todos os profissionais que não têm disponibilidade de tempo e de recursos para tantas idas (e custos) aos centros de saúde? Se atualmente morrem cerca de 45 homens por ano com esta doença, a continuar assim muitos mais morrerão nos próximos tempos.

Em finais de novembro do ano passado - impactado por toda a pressão publicitária e de sensibilização desenvolvida pelas autoridades da saúde nos meios de comunicação social (a campanha novembro azul) e estando na faixa etária de risco - decidi dirigir-me a um centro de saúde para voluntariamente submeter-me ao rastreio do cancro da próstata. 

Chegando no centro de saúde, depois da espera normal, fui atendido e encaminhado para marcação de uma consulta de clínica geral. Foi-me explicado que este é o procedimento normal e que todo atendimento de especialidade começa com uma consulta de clínica geral. 

A referida consulta ficou marcada para a segunda semana de dezembro. No dia indicado apresentei-me no centro de saúde, depois do tradicional ritual de espera, fui informado que teria que pagar 170 escudos (em dinheiro vivo) antes de ser atendido pela médica clínica geral. Estranhei a cobrança, pois se se trata de um cancro de que tem aumentado entre os homens (que mata cerca de 45 indivíduos todos os anos no nosso país), se há um forte apelo para os homens aderirem à campanha de rastreio e mesmo assim todo o serviço é pago?

Enfim, paguei e fiz a consulta normalmente. A médica passou-me uma requisição solicitando um exame de sangue (350 escudos) e um outro exame denominado PSA (2000 mil escudos). 

O exame do PSA ficou agendado para última semana de dezembro, enquanto que o exame de sangue foi marcado para a segunda semana de janeiro. 

Portanto, a realização dos dois exames representaram mais duas idas ao centro de saúde, com as habituais esperas e os custos já indicados (sem incluir os custos de deslocação). 

Em relação ao exame PSA recebi os resultados logo de imediato após ter sido atendido pelo técnico. Já em relação ao exame de sangue foi preciso aguardar mais duas semanas para que os resultados estivessem disponíveis. Porém só consegui levanta-lo em meados de fevereiro depois de uma grande ginástica para conseguir ajustar os meus compromissos profissionais ao horário disponibilizado pelo centro de saúde para levantamento dos resultados dos exames. Se a memoria não me falha, só podia levantar os exames no horário das 12h30 às 14h00 e em dias específicos (segunda e quarta-feira, se bem me lembro). Por duas vezes não consegui levantar os exames, primeiro por ter chegado no centro de saúde depois da hora indicada, na segunda tentativa por ter confundido o dia da semana indicada para o efeito. Só foi possível em meados de fevereiro, na terceira tentativa. 

Na posse dos dois exames o próximo passo seria regressar ao centro de saúde para marcar uma nova consulta de clínica geral (que provavelmente seria agendado para duas semanas mais tarde) com vista a apresentar à medica os resultados dos dois exames. Em função do resultado dos exames a médica tomaria a decisão de encaminhar-me a um médico especialista em urologia no hospital central da Praia, caso fosse detetado algo de anormal nos meus exames, caso contrário o processo estaria concluído ali mesmo. 

Já cansado de tantas idas e vindas decidi apresentar os exames a um amigo profissional da saúde e o mesmo tranquilizou-me afirmando que os resultados dos meus exames estão dentro do padrão. Assim, dei por concluído as minhas idas ao centro de saúde.

Esta odisseia pôs-me a refletir sobre até que ponto o nosso serviço publico de saúde quer realmente que homens com mais de 40 atendam aos apelos das autoridades e se dirijam aos centros de saúde para o rastreio do cancro da próstata? Qual é percentagem da população masculina cabo-verdiana que tem disponibilidade para deslocar 6 a 7 vezes ao centro de saúde e gastar perto de 3 mil escudos para algo que as próprias autoridades reconhecem como uma das principais causas de morte entre os homens em Cabo Verde, e que ainda carece de maior consciencialização e sensibilização junto do público-alvo? Ponho-me a pensar nos profissionais liberais, nos taxistas, hiacistas, trabalhadores da construção civil e todos os profissionais que não têm disponibilidade de tempo e de recursos para tantas idas (e custos) aos centros de saúde? 

Se atualmente morrem cerca de 45 homens por ano com esta doença, a continuar assim muitos mais morrerão nos próximos tempos.

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