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Familiares das Vítimas de Serra Malagueta. Pensão de preço de sangue é tudo que lei garante?   
Ponto de Vista

Familiares das Vítimas de Serra Malagueta. Pensão de preço de sangue é tudo que lei garante?  

A “PENSÃO DE PREÇO DE SANGUE” - ARTIGO 181.º, SEÇÃO IV, DO TÍTULO VII DO ESTATUTO DOS MILITARES APROVADO PELO DECRETO-LEGISLATIVO N.º 1/2020, DE 31 DE JANEIRO vs “INDEMNIZAÇÃO POR DANO DE MORTE” – REGIME JURÍDICO DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABIULIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, NA REDAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 57/2018, DE 14 DE NOVEMBRO.

1.       O Governo de Cabo Verde atribuiu, por resolução do Conselho de Ministros de N.º 28/2023, de 4 de abril, aos familiares (leia-se herdeiros hábeis) dos 8 (oito) militares vítimas mortais do acidente de viação do dia 02 de abril, a “pensão de preço de Sangue” prevista no artigo 181.º do Decreto-legislativo n.º 1/2020, de 31 de janeiro;

2.      Lê-se na referida resolução estes fundamentos para atribuição das “pensões de preço de sangue aos herdeiros hábeis dos oito militares vitimas mortais do acidente de viação ocorrido no dia 2 de abril de 2023:

 

 

3.      Ora, em se tratando de um acidente de viação, in casu, envolvendo viatura do Estado, como a própria resolução o reconhece, o qual é regulado pelo Regime Jurídico de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel (SORCA), com a última alteração aprovada pelo Decreto-lei N.º 57/2018, de 14 de novembro, importa questionar e verificar, à luz dos preceitos desse regime em conjugação com os termos dos Estatutos dos Militares, se a resolução n.º 28/2023, de 4 de abril, abrangeu ou cobriu todos os direitos que, eventualmente têm, ou podem ter os familiares (herdeiros hábeis) dos militares mortos no fatídico acidente do dia 02 de abril de 2023;

4.      De entre os direitos dos militares previstos na Secção II do Capítulo II (Deveres e Direitos) sobressaem, para além dos direitos, liberdades e garantias (artigo 20.º), os direitos específicos, dentre os quais destacamos estes que julgamos relevar para este propósito: d) o direito a receber do Estado assistência jurídica, que se traduz na dispensa de pagamento de preparos e custas e das demais despesas do processo, para defesa dos seus direitos e do seu bom nome e reputação, sempre que sejam afetados por causa de serviço que preste às FA ou n o âmbito destas; h) o direito a reparação dos efeitos de acidente ou doença adquirida ou agravada em razão do desempenho das suas funções militares, através de uma compensação financeira e da recuperação física que necessite; i) o direito a que o cônjuge, descendentes menores ou ascendentes na sua dependência usufruam de uma pensão de preço de sangue, nos termos definidos no presente Estatuto; k) o direito a que os encargos com funeral sejam, quando falecido em serviço, suportados pelo Estado; l) a assistência médica, medicamentosa e hospitalar, nos termos do regime de segurança social; e, n) aos demais benefícios, direitos e regalias comuns ao funcionário público, que sejam compatíveis com a sua condição militar e respetiva situação”;

5.      Ora, salvo devido respeito por entendimento mais avisados, a resolução n.º 28/2023, de 4 de abril cobre apenas uma ínfima parte dos direitos específicos dos militares previstos no artigo 21.º do EM, a saber o direito à pensão de preço de sangue (artigo 181.º do CM) e deixa de fora os demais direitos previstos e garantidos pelos EM supra inserto em 4 (v,g. o direito à reparação dos efeitos do acidente do dia 02.04.2023 - al. g));

6.      Nos termos do artigo 1.º do Decreto-lei n.º 17/2003, de 19 de maio, alterado pelo Decreto-lei n.º 57/2018, de 14 de novembro, doravante (SORCA), “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros, em acidente em que esteja implicado um veículo terrestre a motor, seus reboques e semirreboques, deve encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”

7.      Nos termos do artigo 7.º do SORCA “O seguro de responsabilidade civil previsto nos artigos 1.º e 3.º, garante a obrigação de indemnizar estabelecida na lei civil até ao montante do capital obrigatoriamente seguro por sinistro e veículo causador e relativamente aos danos emergentes não excepcionados no presente diploma”; e,

8.     Nos termos do artigo 9.º (pessoas cuja responsabilidade é garantia) o n.º 1 dispõe que “O contrato de seguro garante a responsabilidade civil do segurado, das pessoas sujeitas à obrigação de segurar, nos termos previstos no artigo 4.º, e dos legítimos detentores e condutores do veículo”;

9.      Impendendo sobre o Estado, enquanto proprietário do veículo implicado no acidente (vide o n.º 1 do artigo 4.º e al. b) do artigo 2.º do SORCA), recai sobre o Estado o dever de indemnizar aos familiares dos militares vítimas do acidente de viação do 02 de abril pelos danos materiais e corporais que sofreram; e que danos e quem?

10.  Nos termos do artigo 30.º /1 do SORCA “O direito à reparação, por lesões corporais e morte, compreende, em conformidade com o regime do seguro obrigatório de acidentes de trabalho e doenças profissionais, as seguintes prestações:

10.1.        Em dinheiro: indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares dos lesados; despesas de funeral no caso de morte que assume a natureza de uma prestação única;

10.2.       No caso de dano de morte (n.º 4) os beneficiários legais podem receber por danos não patrimoniais com limite previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 508.º do Código Civil até à concorrência do capital seguro;

11.   Nos termos do artigo 10.º/2 do SORCA, “O capital obrigatoriamente seguro para as lesões corporais tem por limite ECV 50.000.000$00 (cinquenta milhões de escudos) por sinistro, seja qual for o número de vítimas;

12.  Ora, abstraindo da afronta e desprezo pelas vidas das pessoas que o limite do capital seguro (imposto ao Estado pelas seguradoras) representa, quando em termos comparados, esse limite, desde 1 de junho de 2012 é fixado num mínimo de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), o equivalente a ECV 551.325.000$00 (quinhentos e cinquenta e um milhões, e trezentos e vinte e cinco mil escudos); e de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), o equivalente a ECV 110.265.000 (cento e dez milhões, duzentos e sessenta e cinco mil escudos) para os danos materiais;

13.  São, ainda, devidos aos familiares (herdeiros hábeis) de cada um dos militares vitimas do acidente de 02 de abril de 2023, para além da “pensão de preço de sangue a que se refere a resolução n.º 28/2023, de 04 de abril, e nos termos conjugados das h), k) e l) do EM, com a al. b) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 30.º do SORCA, as seguintes prestações:

1.      Em dinheiro, a título de indemnização por danos não patrimoniais (dano de morte), no valor de entre um mínimo de ECV 2.500.000$00 (dois milhões e quinhentos mil escudos), até ECV 6.250.000$00 (seis milhões, duzentos e cinquenta mil escudos) atento ao capital seguro a que se refere o n.º 2 do artigo 10.º do SORCA, e o número de vítimas mortais (oito);

2.     Em dinheiro, a título de encargos/despesas com o funeral a pagar em prestações únicas; e,

3.     Ainda, o direito a assistência médica, medicamentosa e hospitalar, nos termos do regime de segurança social.

 

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