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Este país não é para aviões
Ponto de Vista

Este país não é para aviões

Dir-se-ia, dir-se-ia...

Ora bem, neste Domingo, retomo um assunto sobre o qual tenho feito referências incidentais, a mais recente tendo ocorrido no texto que pronunciei, e depois publiquei, quando, em Agosto de 2019, fui distinguido com a ‘Ordem do Mérito Naval’, no Grau de Grande Oficial, da Marinha do Brasil. Enquanto registo na primeira pessoa de um período histórico marcante nas relações entre os dois países em matéria de Defesa e Segurança, em tal texto estão elementos substanciais de compreensão, por parte da sociedade, do que está (estava...) em causa. De todo o modo, bem sei que esse tipo de registos é infrequente entre nós. Ou melhor, são em Cabo Verde raríssimos os casos de relatos escritos e publicados de situações de ‘Diplomacy in the making’...

O assunto muito em concreto a que hoje me refiro é o do processo de doação de duas aeronaves ‘Bandeirante’ a Cabo Verde. Tal processo teve enquadramento e arranque durante a visita de trabalho que o Ministro da Defesa Nacional efectuou ao Brasil em Junho de 2012. Vieram em seguida etapas várias de articulação com vista à materialização desse entendimento. Por exemplo, ficou assente que as aeronaves seriam adaptadas à realização de intervenções de emergência/ evacuação de acidentados. Que o pessoal necessário receberia formação/ treinamento. Pela sua natureza e importância para o país, essa doação despertou logo o interesse da opinião pública nacional e da Imprensa. Só não se recordará quem não queira. Ficou sempre claro para todos que, pelo perfil dos bens em causa, teria de haver beneplácito parlamentar. Lembro-me de como, aquando da sua visita a Cabo Verde, em Novembro de 2013, o então Ministro de Estado da Defesa, Embaixador Celso Amorim, no encontro com os Jornalistas a bordo do navio ‘Guardião’, no Mindelo, confirmou que o ‘dossier’ em apreço já havia sido autorizado por uma das duas Comissões do Senado brasileiro com competência na matéria. Ou seja, havia ainda um pedaço de caminho a percorrer. E, no essencial, era esse o ponto da situação quando deixei de exercer o cargo de Ministro da Defesa Nacional, em 2014.

Entretanto, antes disso, e dentro da acção concertada em curso, vários passos foram sendo dados. Em particular no relevante plano diplomático, o Plenipotenciário cabo-verdiano no Brasil, Embaixador Domingos Mascarenhas, empreendera um conjunto de importantes diligências.

Igualmente, em outro momento e em alçada superior, o Chefe do Governo, Dr. José Maria Neves, de visita a Brasília, teve encontros com o Presidente do Senado, Senador José Sarney à época, e com outros Senadores com intervenção no domínio aqui assim pertinente. De regresso à Praia, conversámos sobre esses desenvolvimentos e, no imediato, ofícios de seguimento foram por ele enviados a esses e outros Altos Destinatários. Entre parêntesis: ainda recentemente, e a um outro propósito, escrevi que ‘um Primeiro Ministro é, no exercício do cargo, um Diplomata de primeiro plano’... Adiante!

Julgo que estes tons de minúcia com que escrevo ajudarão a perceber o grau de empenhamento que o assunto dos aviões ‘Bandeirante’ sempre mereceu. De resto, e por mim, não enxergo razão alguma para não submeter os pormenores de negócios públicos ao escrutínio dos cidadãos.

Era ponto assente para o Governo que o país precisava de mais meios aéreos para as Forças Armadas/ Guarda Costeira. Vários caminhos foram sendo negociados com diferentes parceiros, da Espanha aos Estados Unidos da América. Com estes então, audacioso o plano submetido em 2013, em Washington. Estava em causa uma intervenção profunda.

Mas hoje estou a referir-me ao caso concreto com o Brasil. Um caso que naturalmente me vem à memória quando leio na Imprensa as peças relativas ao avião ‘Dornier’ e à situação, real, de a Guarda Costeira estar, ‘há quatro anos’, sem um único meio aéreo operacional.

E pergunto: por que razão o processo de doação dos aviões pelo Brasil não chegou ou não chega a termo? Que escolhos? Alguma mudança de entendimento que deva ser partilhada com a sociedade? Fará sentido deixar pelo caminho todo o investimento político-diplomático feito nesse processo?

Sobretudo, que não fique a ideia de que o assunto fora desencadeado e tratado, no plano bilateral, sem sentido de rumo ou, como dizem os que tratam bem a Língua Portuguesa, de forma desamparada!

Naturalmente que abordar o assunto que hoje tive na ardósia equivale a pelo menos bordejar uma questão de fundo, qual seja a da mobilização dos meios aéreos e navais necessários para a Guarda Costeira. Dito de outra forma, dos meios necessários àquilo que se defina como objectivos em matéria de Segurança Nacional/ Segurança Marítima. E é evidente que não basta dispor dos meios ou de mais meios; urge outrossim prover no sentido do seu funcionamento e manutenção, paralelamente à formação de Pessoal, o que nos remete para o velho problema do financiamento. O que, do mesmo passo, nos remete ainda para o Mecanismo de Financiamento que o MDN há uns anos colocara sobre a mesa... Esse ou outro que se erga, mas financiamento! A Segurança tem custos, o menor deles não sendo o da insegurança.

No arco mais amplo, tenho que faz falta, na conversação política nacional, debater tranquilamente este tipo de questões atinentes à Defesa e Segurança. Passo a vida a insistir neste ponto. São, na verdade, questões que têm a ver com a natureza mesma do nosso Estado arquipelágico e, assim, a sua muito específica sede de segurança e estabilidade.

*Artigo publicado pelo autor no facebook

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Redação