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Cabo Verde é um país africano? Questiona a defesa de Alex Saab em carta dirigida ao PR de Cabo Verde
Ponto de Vista

Cabo Verde é um país africano? Questiona a defesa de Alex Saab em carta dirigida ao PR de Cabo Verde

...será que Cabo Verde, que passou décadas a construir uma fachada como bastião da democracia e do Estado de direito, pretende mesmo destruir esta reputação ao associar-se a uma administração cessante liderada por um responsável cujo próprio compromisso com o Estado de direito é altamente suspeito? Além disso, as ações de Cabo Verde ao longo dos últimos meses criaram uma impressão distinta de que pretende afastar-se da África. De facto, parece que se consegue esse resultado ao mostrar-se ao mundo que o Estado de Direito em Cabo Verde é pior do que em muitos Estados membros da União Africana e da CEDEAO. Esses membros têm a decência de respeito pelo direito internacional e pelas decisões do Tribunal de Justiça da CEDEAO. Posicionando-se “à parte” indicia-se meramente que Cabo Verde parece um Estado falhado no referente à Justiça.

Excelentíssimo Senhor Jorge Carlos de Almeida Fonseca,

Presidente da República de Cabo Verde,

Palácio da Presidência da República Cabo Verde,

CP100 – Plateau, Praia

Ilha de Santiago, Cabo Verde

7 de janeiro de 2021

Vossa Excelência,

Ass.: A nomeação como Representante Permanente Suplente da República Bolivariana Da Venezuela junto à União Africana de Alex Nain Saab Morán em 24 de dezembro de 2020 (“a Nomeação”)

Temos a honra de escrever a V. Exa. por ocasião da nomeação acima referida.

A nomeação representa uma continuação ininterrupta de Alex Saab como pessoa internacionalmente protegida, com direito à imunidade e inviolabilidade.

Como terá conhecimento, Saab exercia funções oficiais como Enviado Especial da Venezuela quando foi ilegalmente detido e preso em Cabo Verde, em 12 de junho de 2020. Posteriormente, apesar de informado do seu estatuto, bem como de ter visto a correspondência que Saab transportava para o Irão, Cabo Verde interferiu conscientemente nos assuntos da Venezuela.

Trata-se de um facto incontestável, e nenhuma dissimulação oficial o tornará menos verdadeiro.

Alex Saab tinha então, e tem agora, direito à proteção de séculos de direito internacional que regulamentam a conduta da diplomacia e a liberdade dos diplomatas de desempenhar as suas funções sem prisão ou detenção.

A Nomeação reforça esse estatuto. Não se trata, de modo algum, de substituir o seu estatuto jurídico em Cabo Verde desde 12 de junho de 2020, que o Governo e os tribunais de Cabo Verde lhe negaram.

No momento em que se adquire o estatuto diplomático, não pode estar sujeito a qualquer tipo de investigação, acusação ou extradição. Estamos certos de que não precisamos de recordar que este princípio da imunidade retroativa, contrário às recentes declarações enganosas de alguns funcionários norte-americanos, é também reconhecido pelos tribunais federais dos EUA.

No entanto, se Cabo Verde se recusar a cumprir as suas responsabilidades ao abrigo do direito internacional, esperamos que a União Africana dê o exemplo correto.

De igual modo, continuaremos a recorrer ao Tribunal de Justiça da Comunidade da CEDEAO, que, como sabem, ordenou a Cabo Verde, numa decisão unânime e vinculativa, que colocasse imediatamente o Sr. Saab sob prisão domiciliária supervisionada por razões de saúde. Os esforços de Cabo Verde em negar a jurisdição do Tribunal representam uma nova violação do direito internacional.

O argumento de Cabo Verde de que não ratificou o Protocolo Complementar é desonesto e inaceitável para o Estado cumpridor da lei que afirma ser.

Cabo Verde participou plenamente na adoção do texto do Protocolo Complementar. Não exerceu o seu direito de veto para bloquear a adoção do texto pela Autoridade dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO. Cabo Verde não se opôs nem se absteve da decisão da Autoridade de Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO de aprovar o Protocolo Complementar. Tal é confirmado pela Comunicado Final da vigésima oitava sessão da Autoridade de Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO, realizada em Acra, em 19 de janeiro de 2005. Foi emitido em nome de todos os Chefes de Estado e de Governo e transmite claramente a opinião de todos os Chefes de Estado e de Governo sobre o alargamento da jurisdição do Tribunal da CEDEAO, com efeito imediato.

Cabo Verde esteve representado na reunião pelo seu então primeiro-ministro (José Maria Pereira Neves) que, nos termos do nº 2 do artigo 7º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969), foi considerado autorizado a exercer a sua função em nome de Cabo Verde. Nessa qualidade, o primeiro-ministro comprometeu-se a aplicar imediatamente todas as disposições do protocolo, de acordo com a aplicação provisória do Protocolo, nos termos do nº 1 do artigo 11º do mesmo. Cabo Verde não pode negar ter conhecimento de que a aplicação provisória de um tratado ou de uma parte de um tratado implica uma obrigação juridicamente vinculativa de aplicar o tratado ou uma parte do mesmo, como se o tratado estivesse em vigor entre os Estados ou organizações internacionais em causa. Além disso, a violação de uma obrigação decorrente de um tratado ou de uma parte de um tratado que seja aplicado provisoriamente implica uma responsabilidade internacional, em conformidade com as regras aplicáveis do direito internacional.

Em conjunto, a União Africana e a CEDEAO demonstraram o seu compromisso para com o Estado de direito e a responsabilidade coletiva entre os Estados-membros de uma organização supranacional.

Cabo Verde, como Estado-membro da União Africana e da CEDEAO, está a seguir um caminho sem precedentes e prejudicial em parceria com um Estado que já incentivou os Estados da África Ocidental a aderirem aos direitos humanos e à jurisdição do Tribunal da CEDEAO. Com efeito, o Departamento de Estado dos EUA considera a subscrição da jurisdição do Tribunal da CEDEAO como indicador positivo da adesão dos países da África Ocidental ao Estado de direito e aos direitos humanos.

Deve, portanto, ser colocada a questão: será que Cabo Verde, que passou décadas a construir uma fachada como bastião da democracia e do Estado de direito, pretende mesmo destruir esta reputação ao associar-se a uma administração cessante liderada por um responsável cujo próprio compromisso com o Estado de direito é altamente suspeito? Além disso, as ações de Cabo Verde ao longo dos últimos meses criaram uma impressão distinta de que pretende afastar-se da África. De facto, parece que se consegue esse resultado ao mostrar-se ao mundo que o Estado de Direito em Cabo Verde é pior do que em muitos Estados membros da União Africana e da CEDEAO. Esses membros têm a decência de respeito pelo direito internacional e pelas decisões do Tribunal de Justiça da CEDEAO. Posicionando-se “à parte” indicia-se meramente que Cabo Verde parece um Estado falhado no referente à Justiça.

Com todo o respeito, pedimos a V- Exa. que tenha em devida consideração as consequências do desafio contínuo de Cabo Verde face à União Africana e à CEDEAO. A detenção de Alex Saab é ilegal, pelo que ele deve ser imediatamente libertado para retomar as suas funções diplomáticas. 

Em nome da justiça, exortamo-lo mais uma vez: liberte Alex Saab.

Aceite, em nome da justiça, os protestos da nossa mais elevada consideração.

Dr. José M. P. Monteiro

Dr. Rutsel S. J. Martha

Dr. Femi Falana (SAN)

Dr. Baltazar R. Garzón

CC: Excelentíssimo Senhor José Ulisses de Pina correia e Silva

Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde

Palácio do Governo de Cabo Verde

Av. Cidade de Lisboa

Praia, Cabo Verde

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