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Amílcar Cabral. O engenheiro agrónomo
Ponto de Vista

Amílcar Cabral. O engenheiro agrónomo

Nos textos Em defesa da Terra”, Amílcar Cabral, “discorre sobre o fenómeno erosivo em geral e em particular nas Ilhas que constituem o arquipélago de Cabo Verde. Assim, no ponto sublinhado - O fenómeno em Cabo Verde, Amílcar Cabral, enquanto engenheiro agrónomo, desenvolve o seu raciocínio, apontado as causas, as várias formas de manifestação da erosão no espaço rural, em particular na Ilha de Santiago, as consequências na produção agrícola, as possíveis soluções por ele inventariadas, nomeadamente a construção de diques de retenção do solo e da água, proteção das encostas, construção de socalcos, barragens, plantação de arvores, cultivo nas encostas de espécies mais adequadas. Amílcar Cabral, nos seus textos cita localidades da Ilha de Santiago que lhes chamaram atenção pelo seu relevo e necessidade de proteção tais como Achada de Santo António, Gudim, Pico de António e Órgãos, de entre outras as quais por ter lá estado pode observar com cuidado a problemática da erosão hídrica e eólica.

Quando se fala de Amílcar Cabral, o nosso pensamento é imediatamente dirigido à personalidade do político que teve coragem de romper o discurso de submissão da administração portuguesa relativamente a Cabo Verde e a Guiné Bissau. Essa narrativa política absorveu e secundarizou outras dimensões da vida de Amílcar Cabral, como pessoa sensível para a natureza, para a poesia, para o amor, produção agrícola  e conservação dos solos.

Quando pela primeira vez ouvi a poesia Mamãe Velha, interpretada pela cantora brasileira Alcione, e soube que a letra era de Amílcar Cabral, fiquei sinceramente surpreso, pois não imaginava que o poeta era Amílcar Cabral. Como é que ele teve tempo e vontade de escrever e expressar em poesia tão linda sobre Cabo Verde, terra martirizada pela falta de água das chuvas? Outras foram poesias escritas por Amílcar Cabral e publicadas em algumas revistas (“revista Seara Nova”. 1946; e os recolhidos e organizados por Oswaldo Osório. Coleção Dragoeiro. Praia: Edição Grafedito, 1983. 

A leitura de alguns poemas de Amílcar Cabral fizeram-me lembrar a poesia de António Nunes que escreveu “Poema de amanhã” que constitui um hino de esperança e força.  Ambas poesias, são gritos de alegria, amor e esperança por um dia, em que estas ilhas teriam pão e água para os seus filhos.  

De facto, as dimensões política e diplomática de Amílcar Cabral, absorveram de forma radical as outras facetas desse homem, e escondeu o lado mais simples e humilde, que era agrónomo de formação, e sobretudo de quem tinha os pés fincados no chão da nossa realidade de então.

Há cerca de dez anos descobri, no baú dos meus parentes na Praia, algumas revistas da época colonial denominada Cabo Verde – boletim de propaganda e informação, de 1949 (ano I n⁰ 2) 1950 (ano I n⁰ 6) e 1952 (ano III n⁰29) textos de Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo, intitulado “Em defesa da Terra”. Nesses textos, tem uma nota da redação que diz o seguinte: “O autor deste texto é estudante do 5⁰ ano no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, onde tem obtido elevadas classificações. Aluno distinto do Liceu Gil Eanes, em São Vicente, devido às qualidades que revelou, foi-lhe atribuído uma bolsa de estudo, devendo completar o seu curso no corrente ano letivo. Exposta a doutrina, não deixará de apontar soluções práticas que no seu entender, são aplicáveis no arquipélago”.

Nos textos Em defesa da Terra”, Amílcar Cabral, “discorre sobre o fenómeno erosivo em geral e em particular nas Ilhas que constituem o arquipélago de Cabo Verde. Assim, no ponto sublinhado - O fenómeno em Cabo Verde, Amílcar Cabral, enquanto engenheiro agrónomo, desenvolve o seu raciocínio, apontado as causas, as várias formas de manifestação da erosão no espaço rural, em particular na Ilha de Santiago, as consequências na produção agrícola, as possíveis soluções por ele inventariadas, nomeadamente a construção de diques de retenção do solo e da água, proteção das encostas, construção de socalcos, barragens, plantação de arvores, cultivo nas encostas de espécies mais adequadas.  Amílcar Cabral, nos seus textos cita localidades da Ilha de Santiago que lhes chamaram atenção pelo seu relevo e necessidade de proteção tais como Achada de Santo António, Gudim, Pico de António e Órgãos, de entre outras as quais por ter lá estado pode observar com cuidado a problemática da erosão hídrica e eólica.

Interessante também ressaltar, a dado passo do texto, Amílcar Cabral chamou a minha atenção com a seguinte frase: “E, nós portugueses, cabo-verdianos, iniciando o combate, à erosão, defendendo a Terra e o Homem de Cabo Verde, elementos indubitavelmente essenciais dentro do Mundo Português, não faremos mais do que integrarmo-nos no grande movimento contra a erosão que se verifica na presente quadra da vida dos Homens”. Penso que aqui, a menção de cabo-verdianos é uma ideia sub-reptícia sobre a identidade específica de caboverdiano em assumia em pleno, bem como a necessidade imperiosa de se realizar a conservação dos solos em Cabo Verde dada à grande vulnerabilidade ambiental do arquipélago.

O trabalho de fim de curso no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa “O problema da erosão do solo. Contribuição para o seu estudo na região de Cuba (Alentejo)”, datado de 1951, Amílcar Cabral aborda de novo a questão da erosão de solos, mas desta vez em Portugal. Esta questão de erosão dos solos e agricultura tanto em Cabo Verde como em Portugal, parece serem preocupações maiores que interpelaram então o estudante Amílcar sobre a natureza, produção alimentar e a proteção dos solos, com os quais os Homens devem sempre se preocupar.

Trata-se, sem dúvida, de outros tempos, outras vontades, e nem todas as propostas técnicas que Amílcar Cabral inventariou nos anos 40 e 50 foram tomadas em conta, e não foram transformadas em projetos técnicos suscetíveis de serem implementadas. Amílcar Cabral logo após a conclusão dos estudos é destacado para Angola e depois para Guiné Bissau, pelo que infelizmente não exerceu atividades profissionais como agrónomo em Cabo Verde. Teria sido muito interessante vê-lo transformar as suas ideias em projetos nestas ilhas Atlânticas, melhorar a infiltração de água no solo, proteger as encostas e achadas contra a erosão eólica e hídrica, aumentar a produtividade dos solos agrícolas.

Após a independência, com o apoio técnico e financeiro internacional, com a entrega de técnicos nacionais, foram realizados muitos projetos de conservação de solos até hoje visíveis um pouco por todas as ilhas, nas encostas e nos fundos dos vales.

Já na década de 80 e mesmo 90, foram realizadas grandes obras de conservação de solos como diques, estes bem visíveis em Santo Antão e Ilha do Maio. A construção de arretos e caldeiras para a proteção das encostas, e plantação de árvores; a prospeção, conservação e adução de água rega culminaram com a construção das barragens destinadas à rega.

E por fim, não se pode falar de conservação de solos e da prospeção de água para rega, sem falar da investigação agrícola. Esta última foi sem dúvida o culminar de todo o esforço técnico e financeiro dos governos de Cabo Verde.  

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